quinta-feira, 28 de julho de 2016

A terapia centrada no cliente no seu contexto de investigação


Os estímulos para a investigação

Uma das características mais importantes da orientação da terapia centrada no cliente é que, desde o início, não apenas estimulou o espírito de investigação, como se desenvolveu num contexto de pesquisa.
A prática e teoria dessa terapia centrada no cliente fez surgir um número surpreendente de trabalhos de investigação experimental.
Essa terapia foi encarada, não como um dogma ou como uma verdade, mas como um estabelecimento de hipóteses, como um instrumento a serviço do progresso do nosso conhecimento.
Cita-se um caso em que por exemplo, os fenómenos que são designados de uma maneira geral pelos termos eu, ego, pessoa. Então se se elabora um constructo — como alguns teóricos fizeram que engloba tanto acontecimentos interiores não-conscientes como fenómenos interiores conscientes do indivíduo, não é possível, no momento presente, proceder a uma definição operacional de um constructo desse género. Mas segundo essa teoria, limitando o autoconceito ao que se passa na consciência tornar-se possível a formulação teórica do constructo em termos operacionais cada vez mais refinados através da técnica Q, da análise dos registos das entrevistas, etc., e isso abre ao investigador uma vasta área de pesquisas.
Segundo essa terapia constructos como o autoconceito, ou a necessidade de uma aceitação positiva ou as condições da alteração da personalidade, podiam aplicar-se a uma grande variedade de actividades humanas.
A terapia centrada no cliente desenvolveu-se sempre no contexto das instituições universitárias e isso implicou um processo contínuo de separar o joio do trigo, numa situação de segurança pessoal fundamental. Isso implicou também estar exposto à crítica construtiva dos colegas, exactamente da mesma maneira que as novas perspectivas abertas na química, na biologia e na genética estão submetidas a uma apreciação critica mas a atmosfera académica significou sobretudo que a teoria e a técnica eram acessíveis à curiosidade entusiasta dos jovens pois os estudantes universitários interrogam e criticam; sugerem formulações alternativas; empreendem investigações experimentais para confirmar ou invalidar as diversas hipóteses teóricas.
Isso ajudou muito a manter a orientação terapêutica centrada no cliente como uma perspectiva aberta e autocrítica, em vez de torná-la um ponto de vista dogmático.
Foram essas as razões que permitiram à referida orientação terapêutica desenvolver-se através da investigação científica.

O período inicial da investigação
Em 1940, os elementos em bruto da terapia foram transformados, graças ao seu engenho e espírito criativo, em categorias elementares das técnicas do terapeuta, bem como das respostas do cliente. Porter por exemplo analisou o comportamento do terapeuta sob algumas facetas importantes e Snyder analisou as respostas do cliente em diversos casos, descobrindo algumas das tendências que existiam. Outros investigadores mostraram-se igualmente criativos e, pouco a pouco, a possibilidade da investigação no domínio da psicoterapia tomou-se uma realidade.

Alguns estudos ilustrativos
O centro da valoração
O centro de valoração diz que a função do terapeuta não é a de pensar pelo ou sobre o paciente, mas com ele. Assim, o centro de valoração situa-se nitidamente no terapeuta, mas no último caso o terapeuta deve pensar e entrar em empatia com o paciente dentro do quadro de referências deste, respeitando o processo específico de valoração do paciente.

A relação entre a função autonómica e a terapia
Na relação entre a função autonómica e a terapia segundo o estudo de Thetford, sua hipótese principal era de que se a terapia torna o indivíduo capaz de reorientar sua maneira de viver e de reduzir a tensão e a ansiedade que sente em relação aos seus problemas pessoais, então as reacções do seu sistema nervoso automático, por exemplo numa situação de estresse, devem alterar-se.
Essencialmente, propunha a hipótese de que, se na terapia ocorrer uma alteração no modo de vida e na tensão interna, isso se traduzirá em alterações organísmicas do funcionamento autonómico, área sobre a qual o indivíduo não exerce controlo consciente. Em outras palavras, Thetford perguntava até que ponto seriam profundas as alterações provocadas pela terapia centrada no cliente. Seriam elas suficientes para afectar o funcionamento organísmico total do indivíduo?
Assim, do estudo que fez ele percebeu que em geral, os indivíduos que estiveram submetidos à terapia adquiriram um limiar de frustração mais elevado e uma capacidade para recuperar o seu equilíbrio homeostático mais rapidamente nas frustrações posteriores, aquisição que foi feita durante os contactos terapêuticos. Por outro lado, no grupo controlo, registou-se uma ligeira tendência para a redução do limiar de frustração durante a segunda sessão e uma recuperação claramente mais lenta da homeostase. Em termos mais simples, o significado desse estudo parece ser o de que, depois da terapia, o indivíduo é capaz de enfrentar, com uma tolerância maior e uma perturbação menor, situações emocionais de depressão e de frustração; que esta alteração verifica-se mesmo que a depressão ou a frustração não tivessem sido especificamente consideradas na terapia; que o enfrentamento mais eficaz da frustração não é um fenómeno superficial, mas ocorre de uma maneira evidente nas reacções autonómicas que o indivíduo não pode controlar conscientemente e de que não tem qualquer consciência. O seu ponto de partida consistiu na afirmação de que se a terapia tornava o indivíduo capaz de dominar melhor o seu estresse ao nível psicológico, isso também era evidente ao nível do funcionamento autonómico.

A resposta do paciente a técnicas diferentes
Em 1950 Bergman fez um estudo e procurou estudar o problema da natureza da relação entre o método ou a técnica do terapeuta e a resposta do paciente.
Escolheu para estudo todas as oportunidades, em dez casos gravados (os mesmos que Raskin e outros estudaram), em que o paciente requeria uma apreciação por parte do terapeuta. Recolheram-se 246 passagens nos dez casos em que isso se verificava, em que o paciente pedia uma solução para seus problemas, uma apreciação sobre sua adaptação ou progresso, uma confirmação do seu próprio ponto de vista ou uma sugestão sobre como devia proceder. Cada uma dessas passagens foi incluída no estudo como uma unidade de resposta.
A unidade de resposta consistia na expressão total do paciente que incluía o pedido, a resposta imediata do terapeuta e a expressão global do paciente que se seguia à afirmação do terapeuta.
Bergman foi levado então a concluir que a auto-exploração e o insight, aspectos positivos do processo terapêutico, parecem ser favorecidos pelas respostas que são “reflexões sobre os sentimentos”, ao passo que as respostas avaliativas, interpretativas e “estruturantes” tendem a suscitar reacções negativas no processo terapêutico. Esse estudo ilustra bem a forma como, num determinado número de investigações, a gravação de entrevistas terapêuticas foi examinada com toda a minúcia e rigor, a fim de iluminar alguns aspectos da teoria da terapia centrada no paciente. Nesses estudos, os eventos internos da terapia foram analisados objectivamente pelo esclarecimento que podem trazer ao processo terapêutico.

Um estudo sobre o conceito do eu
Um método que foi usado com muita frequência para conseguir esse objectivo consistiu na técnica Q, elaborada por Stephenson e adaptada ao estudo do eu. Visto Butler e Haigh terem utilizado essa técnica como instrumento, pode ser útil descrevê-la rapidamente antes de apresentar os resultados do estudo propriamente dito.
A lista incluía pontos como estes:
“Sinto muitas vezes ressentimento”, “Sou sexualmente atraente”, “Estou realmente perturbado”, “Sinto – me pouco à vontade ao falar com os outros”, “Sinto-me descontraído e nada me preocupa realmente”.
Nesse estudo de Butler e Haigh pedia-se a cada pessoa para separar os cartões onde estavam impressos os cem pontos referidos e percebeu-se que é possível pôr em correlação os diversos agrupamentos. É possível pôr em correlação o eu pré terapia com o eu pós-terapia, o eu com o eu-ideal, ou o eu-ideal de um cliente com o eu-ideal de um outro paciente.
O emprego desse método no estudo de Butler e Haigh as hipóteses eram: (1) a terapia centrada no cliente reduz a discrepância entre o eu percebido e o eu valorizado; e (2) esta redução da discrepância é mais acentuada naqueles pacientes em que se reconheceu, com base em critérios independentes, um maior movimento na terapia.
As modificações associadas à terapia centrada no cliente é a da auto-percepção, que se altera numa direcção em que o eu é mais valorizado. Essa alteração não é transitória, mas persiste depois à terapia. A redução da tensão interior é altamente significante, mas, mesmo no fim da terapia, o eu ainda é menos valorizado do que entre os membros do grupo de controlo não submetido a terapia, ou seja, a terapia centrada no paciente não estabelece uma “adaptação perfeita” ou uma completa ausência de tensão.
Segundo outros estudos (mencionados por Rogers e Dymond, 8), nessa terapia é essencialmente o autoconceito que se modifica ao longo da terapia e não o eu-ideal. Este último revela uma tendência para modificar-se, embora ligeiramente, e sua modificação dá-se na direcção de uma menor exigência e de uma maior realização.
A auto-imagem que emerge no fim da terapia é avaliada pelos terapeutas (de um modo que exclui quaisquer possíveis desvios) como mais adaptada. O Eu emergente tem um maior grau de conforto interior, de auto-compreensão e de auto-aceitação, de responsabilidade em relação a si mesmo. O Eu posterior à terapia encontra uma satisfação e uma tranquilidade maiores nas relações com os outros.

A psicoterapia provoca mudanças no comportamento quotidiano?
A terapia centrada no paciente provoca muitas alterações. O indivíduo faz opções e estabelece valores de um modo diferente; engrena a frustração com uma tensão fisiológica menos prolongada, modifica a maneira de se ver e de se apreciar.
Mas isso não responde ainda à interrogação do leigo e da sociedade: “Mudará o comportamento quotidiano do cliente de maneira observável e será positiva a natureza dessa mudança.
A teoria da terapia centrada no paciente coloca como hipótese que as alterações internas que ocorrem durante o processo terapêutico levam o indivíduo, após a terapia, a um comportamento menos defensivo, mais socializado, mais receptivo à realidade em si mesmo e no seu meio social, um comportamento que atesta um sistema de valores mais socializado. Em outras palavras, o seu comportamento será considerado como mais amadurecido, e as formas de comportamento infantil tendem a diminuir.
Em termos operacionais: uma vez terminada a terapia centrada no paciente, o comportamento do cliente será considerado por si e por aqueles que o conhecem bem como mais amadurecido, situando-se num grau mais elevado da escala de maturidade emocional (E-M Scale).
Pode-se, portanto, chegar a conclusão geral segundo a qual, na terapia centrada no paciente verifica-se uma alteração significativa observável no comportamento quotidiano do cliente em direcção a uma maior maturidade. Nas situações em que o terapeuta sente que houve um pequeno progresso, ou mesmo nenhum, na terapia, observa-se então uma deterioração do comportamento no sentido de uma maior imaturidade. E uma vez feito esse estudo global das alterações do comportamento quotidiano, é possível que as investigações sobre esses aspectos se efectuem melhor no laboratório, onde mudanças no comportamento de resolução de problemas, de adaptação, de resposta a situações de angústia ou de frustração, etc., podem ser estudadas em condições de controlo mais rigoroso. No entanto, a terapia bem-sucedida provoca uma alteração positiva no comportamento e que uma terapia fracassada pode produzir modificações negativas no comportamento.

A qualidade da relação terapêutica em relação aos progressos em terapia
Nessa terapia para o seu sucesso pressupõe-se que haja algumas condições necessárias para a mudança terapêutica e com essas condições é bem provável que ocorra no paciente uma mudança terapêutica. Assim, podemos afirmar, portanto, com alguma segurança, que uma relação caracterizada por um elevado grau de congruência ou de autenticidade do terapeuta, por uma empatia sensível e precisa por parte do terapeuta, por um elevado grau de aceitação, de respeito, de estima em relação ao paciente, e pela ausência de condições limitativas dessa aceitação revela uma elevada probabilidade de e tomar uma relação terapêutica eficaz. Estas qualidades manifestam-se como as influências mais importantes que provocam as modificações da personalidade e do comportamento. A conclusão que se pode tirar legitimamente deste e de outros estudos do mesmo tipo é que essas qualidades podem ser medidas ou observadas em pequenas amostragens da interacção, relativamente cedo na relação, e que se pode mesmo prever o resultado final dessa relação.

É mais do que curioso que as qualidades da relação que se acham associadas ao progresso terapêutico sejam todas referentes a atitudes. Embora se possa vir a verificar que o grau de conhecimentos profissionais, ou a competência e as técnicas, também se encontra associado à modificação da personalidade, há possibilidade animadora de que determinadas qualidades de atitudes e da vivência possam por si mesmas, independentemente dos conhecimentos intelectuais ou do treino médico ou psicológico, ser suficientes para servir de estímulo a um processo terapêutico positivo.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial