A terapia centrada no cliente no seu contexto de investigação
Os estímulos para a
investigação
Uma das características mais importantes da orientação da
terapia centrada no cliente é que, desde o início, não apenas estimulou o
espírito de investigação, como se desenvolveu num contexto de pesquisa.
A prática e teoria dessa terapia centrada no cliente fez
surgir um número surpreendente de trabalhos de investigação experimental.
Essa terapia foi encarada, não como um dogma ou como uma
verdade, mas como um estabelecimento de hipóteses, como um instrumento a
serviço do progresso do nosso conhecimento.
Cita-se um caso em que por exemplo, os fenómenos que são designados
de uma maneira geral pelos termos eu, ego, pessoa. Então se se elabora um
constructo — como alguns teóricos fizeram que engloba tanto acontecimentos
interiores não-conscientes como fenómenos interiores conscientes do indivíduo,
não é possível, no momento presente, proceder a uma definição operacional de um
constructo desse género. Mas segundo essa teoria, limitando o autoconceito ao que
se passa na consciência tornar-se possível a formulação teórica do constructo
em termos operacionais cada vez mais refinados através da técnica Q, da análise
dos registos das entrevistas, etc., e isso abre ao investigador uma vasta área
de pesquisas.
Segundo essa terapia constructos como o autoconceito, ou a necessidade
de uma aceitação positiva ou as condições da alteração da personalidade, podiam
aplicar-se a uma grande variedade de actividades humanas.
A terapia centrada no cliente desenvolveu-se sempre no
contexto das instituições universitárias e isso implicou um processo contínuo
de separar o joio do trigo, numa situação de segurança pessoal fundamental.
Isso implicou também estar exposto à crítica construtiva dos colegas,
exactamente da mesma maneira que as novas perspectivas abertas na química, na
biologia e na genética estão submetidas a uma apreciação critica mas a
atmosfera académica significou sobretudo que a teoria e a técnica eram
acessíveis à curiosidade entusiasta dos jovens pois os estudantes
universitários interrogam e criticam; sugerem formulações alternativas;
empreendem investigações experimentais para confirmar ou invalidar as diversas
hipóteses teóricas.
Isso ajudou muito a manter a orientação terapêutica centrada
no cliente como uma perspectiva aberta e autocrítica, em vez de torná-la um ponto
de vista dogmático.
Foram essas as razões que permitiram à referida orientação
terapêutica desenvolver-se através da investigação científica.
O período inicial da
investigação
Em 1940, os elementos em bruto da terapia foram
transformados, graças ao seu engenho e espírito criativo, em categorias
elementares das técnicas do terapeuta, bem como das respostas do cliente.
Porter por exemplo analisou o comportamento do terapeuta sob algumas facetas
importantes e Snyder analisou as respostas do cliente em diversos casos,
descobrindo algumas das tendências que existiam. Outros investigadores
mostraram-se igualmente criativos e, pouco a pouco, a possibilidade da
investigação no domínio da psicoterapia tomou-se uma realidade.
Alguns estudos
ilustrativos
O centro da valoração
O centro de valoração diz que a função do terapeuta não é a
de pensar pelo ou sobre o paciente, mas com ele. Assim, o centro de valoração
situa-se nitidamente no terapeuta, mas no último caso o terapeuta deve pensar e
entrar em empatia com o paciente dentro do quadro de referências deste,
respeitando o processo específico de valoração do paciente.
A relação entre a
função autonómica e a terapia
Na relação entre a função autonómica e a terapia segundo o
estudo de Thetford, sua hipótese principal era de que se a terapia torna o
indivíduo capaz de reorientar sua maneira de viver e de reduzir a tensão e a
ansiedade que sente em relação aos seus problemas pessoais, então as reacções
do seu sistema nervoso automático, por exemplo numa situação de estresse, devem
alterar-se.
Essencialmente, propunha a hipótese de que, se na terapia
ocorrer uma alteração no modo de vida e na tensão interna, isso se traduzirá em
alterações organísmicas do funcionamento autonómico, área sobre a qual o
indivíduo não exerce controlo consciente. Em outras palavras, Thetford
perguntava até que ponto seriam profundas as alterações provocadas pela terapia
centrada no cliente. Seriam elas suficientes para afectar o funcionamento
organísmico total do indivíduo?
Assim, do estudo que fez ele percebeu que em geral, os
indivíduos que estiveram submetidos à terapia adquiriram um limiar de
frustração mais elevado e uma capacidade para recuperar o seu equilíbrio
homeostático mais rapidamente nas frustrações posteriores, aquisição que foi feita
durante os contactos terapêuticos. Por outro lado, no grupo controlo, registou-se
uma ligeira tendência para a redução do limiar de frustração durante a segunda
sessão e uma recuperação claramente mais lenta da homeostase. Em termos mais
simples, o significado desse estudo parece ser o de que, depois da terapia, o
indivíduo é capaz de enfrentar, com uma tolerância maior e uma perturbação
menor, situações emocionais de depressão e de frustração; que esta alteração
verifica-se mesmo que a depressão ou a frustração não tivessem sido
especificamente consideradas na terapia; que o enfrentamento mais eficaz da
frustração não é um fenómeno superficial, mas ocorre de uma maneira evidente
nas reacções autonómicas que o indivíduo não pode controlar conscientemente e
de que não tem qualquer consciência. O seu ponto de partida consistiu na
afirmação de que se a terapia tornava o indivíduo capaz de dominar melhor o seu
estresse ao nível psicológico, isso também era evidente ao nível do
funcionamento autonómico.
A resposta do paciente
a técnicas diferentes
Em 1950 Bergman fez um estudo e procurou estudar o problema
da natureza da relação entre o método ou a técnica do terapeuta e a resposta do
paciente.
Escolheu para estudo todas as oportunidades, em dez casos
gravados (os mesmos que Raskin e outros estudaram), em que o paciente requeria
uma apreciação por parte do terapeuta. Recolheram-se 246 passagens nos dez
casos em que isso se verificava, em que o paciente pedia uma solução para seus
problemas, uma apreciação sobre sua adaptação ou progresso, uma confirmação do
seu próprio ponto de vista ou uma sugestão sobre como devia proceder. Cada uma
dessas passagens foi incluída no estudo como uma unidade de resposta.
A unidade de resposta consistia na expressão total do paciente
que incluía o pedido, a resposta imediata do terapeuta e a expressão global do paciente
que se seguia à afirmação do terapeuta.
Bergman foi levado então a concluir que a auto-exploração e o
insight, aspectos positivos do processo terapêutico, parecem ser favorecidos
pelas respostas que são “reflexões sobre os sentimentos”, ao passo que as
respostas avaliativas, interpretativas e “estruturantes” tendem a suscitar reacções
negativas no processo terapêutico. Esse estudo ilustra bem a forma como, num
determinado número de investigações, a gravação de entrevistas terapêuticas foi
examinada com toda a minúcia e rigor, a fim de iluminar alguns aspectos da
teoria da terapia centrada no paciente. Nesses estudos, os eventos internos da
terapia foram analisados objectivamente pelo esclarecimento que podem trazer ao
processo terapêutico.
Um estudo sobre o conceito
do eu
Um método que foi usado com muita frequência para conseguir
esse objectivo consistiu na técnica Q, elaborada por Stephenson e adaptada ao
estudo do eu. Visto Butler e Haigh terem utilizado essa técnica como
instrumento, pode ser útil descrevê-la rapidamente antes de apresentar os
resultados do estudo propriamente dito.
A lista incluía pontos como estes:
“Sinto muitas vezes ressentimento”, “Sou sexualmente
atraente”, “Estou realmente perturbado”, “Sinto – me pouco à vontade ao falar
com os outros”, “Sinto-me descontraído e nada me preocupa realmente”.
Nesse estudo de Butler e Haigh pedia-se a cada pessoa para
separar os cartões onde estavam impressos os cem pontos referidos e percebeu-se
que é possível pôr em correlação os diversos agrupamentos. É possível pôr em
correlação o eu pré terapia com o eu pós-terapia, o eu com o eu-ideal, ou o
eu-ideal de um cliente com o eu-ideal de um outro paciente.
O emprego desse método no estudo de Butler e Haigh as
hipóteses eram: (1) a terapia centrada no cliente reduz a discrepância entre o
eu percebido e o eu valorizado; e (2) esta redução da discrepância é mais acentuada
naqueles pacientes em que se reconheceu, com base em critérios independentes,
um maior movimento na terapia.
As modificações associadas à terapia centrada no cliente é a
da auto-percepção, que se altera numa direcção em que o eu é mais valorizado. Essa
alteração não é transitória, mas persiste depois à terapia. A redução da tensão
interior é altamente significante, mas, mesmo no fim da terapia, o eu ainda é
menos valorizado do que entre os membros do grupo de controlo não submetido a
terapia, ou seja, a terapia centrada no paciente não estabelece uma “adaptação
perfeita” ou uma completa ausência de tensão.
Segundo outros estudos (mencionados por Rogers e Dymond, 8),
nessa terapia é essencialmente o autoconceito que se modifica ao longo da
terapia e não o eu-ideal. Este último revela uma tendência para modificar-se,
embora ligeiramente, e sua modificação dá-se na direcção de uma menor exigência
e de uma maior realização.
A auto-imagem que emerge no fim da terapia é avaliada pelos
terapeutas (de um modo que exclui quaisquer possíveis desvios) como mais
adaptada. O Eu emergente tem um maior grau de conforto interior, de auto-compreensão
e de auto-aceitação, de responsabilidade em relação a si mesmo. O Eu posterior
à terapia encontra uma satisfação e uma tranquilidade maiores nas relações com
os outros.
A psicoterapia
provoca mudanças no comportamento quotidiano?
A terapia centrada no paciente provoca muitas alterações. O
indivíduo faz opções e estabelece valores de um modo diferente; engrena a
frustração com uma tensão fisiológica menos prolongada, modifica a maneira de
se ver e de se apreciar.
Mas isso não responde
ainda à interrogação do leigo e da sociedade: “Mudará o comportamento quotidiano
do cliente de maneira observável e será positiva a natureza dessa mudança.
A teoria da terapia centrada no paciente coloca como
hipótese que as alterações internas que ocorrem durante o processo terapêutico
levam o indivíduo, após a terapia, a um comportamento menos defensivo, mais
socializado, mais receptivo à realidade em si mesmo e no seu meio social, um
comportamento que atesta um sistema de valores mais socializado. Em outras
palavras, o seu comportamento será considerado como mais amadurecido, e as
formas de comportamento infantil tendem a diminuir.
Em termos operacionais: uma vez terminada a terapia centrada
no paciente, o comportamento do cliente será considerado por si e por aqueles
que o conhecem bem como mais amadurecido, situando-se num grau mais elevado da
escala de maturidade emocional (E-M Scale).
Pode-se, portanto, chegar a conclusão geral segundo a qual, na
terapia centrada no paciente verifica-se uma alteração significativa observável
no comportamento quotidiano do cliente em direcção a uma maior maturidade. Nas
situações em que o terapeuta sente que houve um pequeno progresso, ou mesmo
nenhum, na terapia, observa-se então uma deterioração do comportamento no
sentido de uma maior imaturidade. E uma vez feito esse estudo global das
alterações do comportamento quotidiano, é possível que as investigações sobre
esses aspectos se efectuem melhor no laboratório, onde mudanças no
comportamento de resolução de problemas, de adaptação, de resposta a situações
de angústia ou de frustração, etc., podem ser estudadas em condições de
controlo mais rigoroso. No entanto, a terapia bem-sucedida provoca uma
alteração positiva no comportamento e que uma terapia fracassada pode produzir
modificações negativas no comportamento.
A qualidade da
relação terapêutica em relação aos progressos em terapia
Nessa terapia para o seu sucesso pressupõe-se que haja algumas
condições necessárias para a mudança terapêutica e com essas condições é bem
provável que ocorra no paciente uma mudança terapêutica. Assim, podemos afirmar,
portanto, com alguma segurança, que uma relação caracterizada por um elevado
grau de congruência ou de autenticidade do terapeuta, por uma empatia sensível
e precisa por parte do terapeuta, por um elevado grau de aceitação, de
respeito, de estima em relação ao paciente, e pela ausência de condições
limitativas dessa aceitação revela uma elevada probabilidade de e tomar uma
relação terapêutica eficaz. Estas qualidades manifestam-se como as influências
mais importantes que provocam as modificações da personalidade e do
comportamento. A conclusão que se pode tirar legitimamente deste e de outros
estudos do mesmo tipo é que essas qualidades podem ser medidas ou observadas em
pequenas amostragens da interacção, relativamente cedo na relação, e que se
pode mesmo prever o resultado final dessa relação.
É mais do que curioso que as qualidades da relação que se
acham associadas ao progresso terapêutico sejam todas referentes a atitudes.
Embora se possa vir a verificar que o grau de conhecimentos profissionais, ou a
competência e as técnicas, também se encontra associado à modificação da
personalidade, há possibilidade animadora de que determinadas qualidades de
atitudes e da vivência possam por si mesmas, independentemente dos
conhecimentos intelectuais ou do treino médico ou psicológico, ser suficientes
para servir de estímulo a um processo terapêutico positivo.
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