Aconselhamento Psicológico e Psicoterapia - Seria possível um Neo-Rogerianismo?
Índice
1. Introdução
O pensamento de Carl Rogers sofreu
uma evolução ao longo da sua carreira profissional, de tal maneira que a
própria denominação de sua proposta teórica também foi se modificando. Essas
mudanças na denominação da sua teoria devem-se aos diferentes interesses que Rogers
foi assumindo como foco do seu trabalho ao longo da vida. Por exemplo essa postura neo-rogeriana destacada por Santos refere-se
ao facto de que muitas considerações de Rogers sofreram pesadas críticas,
abrindo espaço para a exploração de um novo conceito, o da auto-afirmação, que
seria um elemento básico na explicação da motivação humana.
Deste modo, visando a contribuir
para uma melhor compreensão do panorama actual da abordagem criada por Rogers,
este trabalho tem como objectivo revisitar as chamadas fases da Abordagem
Centrada na Pessoa, propondo uma nova fase, a fase Pós-Rogeriana ou
Neo-rogerianismo consistente de vertentes actuais que, partindo de distintas
fases daquela teoria, assumem distintos caminhos criando novas teorizações
contemporâneas.
Objectivos
Geral:
ü
Contribuir para uma melhor compreensão do
panorama actual da abordagem criada por Rogers.
Específicos:
ü
Revisitar o pensamento de Carl Rogers na
contemporaneidade para compreender mais a sua teoria;
ü
Explicar as ideias de alguns autores que
analisam a teoria de Roger;
ü
Analisar a importância das novas teorizações
variadas de Roger.
1.1 Metodologia
Para a realização do trabalho optamos em fazer uma pesquisa bibliográfica
feita a partir da leitura de vários livros.
2. Quadro Conceptual
2.1 O
Neo-Rogerianismo ou Pós-Rogerianismo
O
termo “Neo” vem do grego néos e
significa novo, logo um prefixo grego que exprime a ideia de novo. Ex:
neologismo significa palavra nova ou significado novo acrescentados na língua;
neoclassicismo ou arcadismo é o novo classicismo ou renascimento, ou seja, a
razão volta para as artes retomando a ideia do renascimento. [Retirado
em: <https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070209102843AAxqWhl>;
Consultado no dia 20/04/2016 às 10:08horas]
3. Seria possível um Neo-Rogerianismo?
As observações
resultantes da aplicação do método, tanto quanto possível na forma proposta por
Rogers, quando comparadas com a aplicação de outros métodos (SANTOS, 1970)
parecem confirmar a suposição de que há algo de comum em todos os métodos e que
responde pelo sucesso terapêutico.
Reexaminando-se os
resultados por nós colhidos na relação terapeuta-cliente e nos julga dores
externos, seria possível inferir que as atitudes terapêuticas propostas por
Rogers teriam, para o cliente, um sentido todo especial de auto-afirmação, não
suficientemente aceito ou explicado por Rogers. E, a ser verdadeira a hipótese
que levantamos, ou seja a de ser a auto-afirmação um ingrediente terapêutico
essencial, seria esse sentimento um determinante básico do comportamento humano?
Estaríamos, assim, diante de uma colocação teórica que, partindo da genial
concepção de Rogers, poderia transformar-se em um neo-rogerianismo como fruto
natural do enriquecimento teórico e prático de suas próprias teorias e
técnicas.
A possibilidade de um
neo-rogerianismo mais se acentua na medida em que alguns aspectos da posição de
Rogers tornaram-se muito vulneráveis à crítica, ou seja:
1. Antes, como agora,
opõe-se Rogers ao diagnóstico formal, inquisitivo, através do ritual de muitas
clínicas psicológicas onde a pessoa se vê coisificada, manipulada, a
mercê de “especialistas” que vão orientá-la.
Nesse aspecto cremos que
Rogers retracta com rara felicidade as preocupações dos psicólogos, não só
pelas falhas intrínsecas dos recursos de avaliação (adaptabilidade, precisão e
validade), como pelos agentes emocionais presentes na situação de exame, dentre
os quais estão a motivação e a disponibilidade para ser avaliado e, em alguns
casos, a tendência do cliente em refugiar-se em uma ajuda externa sem dela
participar.
A exclusão total do
diagnóstico é, porém, outro fenómeno que parece-nos ingénuo, quando não
fantasioso, admitir que podemos nos abster de diagnosticar. Conhecer o cliente
e avaliar nossas possibilidades de ajuda, seja isso chamado ou não de
diagnóstico, é uma atitude e uma operacionalização que, queiramos ou não, é
normalmente existente. O simples facto de se conhecer o cliente pelo sexo,
idade, escolaridade, ocupação e motivos de seu contacto com psicólogos são
exemplos de “diagnósticos”, embora superficiais.
O próprio Rogers
descreve seus casos usando adjectivos qualificativos ou situações de vida que
não deixam de ser uma caracterização da pessoa em estudo. Aliás, o próprio
Rogers diz que não existe percepção sem significado. Ao receber e nos
relacionarmos com alguém estamos percebendo uma relação e seu significado para
nós e para o cliente o que, evidentemente, está ligado a algum tipo de
diagnóstico.
2. Quanto à dinâmica do
processo, descarta Rogers a tendência homeostática do organismo no plano
psicológico e crê que o homem está sempre procurando tensões, em um esforço a
que se chamaria de curiosidade, na busca de estímulos mais complicados e
enriquecedores (EVANS, 1979). O que existe diz Rogers, é que “todo organismo
tem uma tendência a se manter, a se aperfeiçoar se possível e, finalmente, a se
reproduzir” (EVANS, 1979). Os conceitos e os títulos dessa motivação são menos
importantes.
Ao comentar as ideias de
Rogers, Richard Farson (in Evans, 1979:35) diz que “Rogers mostrou que
coisas maravilhosas aconteciam quando se confiava e se aceitava a pessoa,
quando seus sentimentos eram respeitados e valorizados, quando ela se sentia
segura e compreendida”.
Ao expressar suas
ideias, Rogers mostra o efeito mas não a causa das coisas maravilhosas “;
identifica o produto e o procedimento (as três condições básicas, supõe-se...)
mas não a etiologia do fenómeno. Nesse ponto, iguala-se a Skinner e a outros
psicólogos, por ele mesmo criticados, que se baseiam nos efeitos observáveis
mas se abstêm de se aprofundar nas origens do comportamento como fez Freud.
Ora, se quisermos aperfeiçoar os procedimentos, torná-los mais amplos e mais
acessíveis, temos que conhecer a génese do comportamento, a partir dos primeiros
elos da corrente que o guia ou da fonte de onde brotam os sentimentos e a acção
racional. A abordagem puramente fenomenológica e a comportamentalista embora
sugestivas parecem insuficientes na explicação do comportamento” (SANTOS,
1982).
A tentativa de análise
dessa dinâmica comportamental nos conduz ao problema da motivação humana.
Rogers pouco diz sobre algo que nos parece fundamental na longa experiência com
pessoas e situações: a auto-afirmação. Concentra-se ele, sobretudo, no “desenvolvimento
do conceito do Eu” (EVANS, 1979 citado por SANTOS, 1982). Durante a terapia
torna-se mais consciente e mais claro o conceito que o cliente faz de si. Esse
autoconceito muda e nisto consiste a terapia. Nesse ponto focaliza-se o núcleo
do ingrediente terapêutico: o autoconceito e a imagem favorável ou desfavorável
que a pessoa tem de si; a afirmação de si mesma como ser-alguém, com percepção
não traumática de seus limites e com percepção não narcisista de suas possibilidades.
3.1 A Motivação e os Determinantes
do Comportamento
Em Psicologia o pensar,
o sentir e o agir são comportamentos resultantes de um grande número de
factores orgânicos ou biológicos que envolvem desde as mais simples
reacções alimentares ou digestivas até os mais complexos processos
retículo-corticais. A estes somam-se os sociais, expressos pelas
oportunidades, exigências e alternativas que o meio nos oferece.
Nesse intrincado
cenário, no qual surge uma resposta física ou mental intuitiva ou
prodigiosamente elaborada, há um componente emocional que actua na busca de um
bem-estar ou na sensação subjectiva desse estado. Se nos virmos ameaçados,
procuramos agir para reduzir a tensão da corrente da ameaça. O que é ameaçador
ou produtor de tensão pode desorganizar o comportamento, na dependência do grau
de insatisfação produzido, isto é, de necessidades não satisfeitas.
Motivos, impulsos, tendências, pulsões, são, às vezes, sinónimos de necessidade
e aqui usados na mesma acepção. A partir
daí, grande número de estudos, pesquisas e teorias vêm sendo apresentados e
oscilam desde as explicações filosóficas, antigas e actuais, materialistas ou
espiritualistas, centradas no ambiente ou centradas no organismo, até as mais
sofisticadas analogias com conceitos físico-matemáticos (SANTOS, 1982).
A redução do sofrimento,
seja este físico ou mental, parece ser uma necessidade ou um motivo básico,
universal e soberano. Todavia, como assinala Allport (1966), essa colocação não
explica todas as acções do homem. Argumenta-se, também, que uma necessidade
básica e universal, além do evitar sofrimento, seria a busca do prazer. Essa
concepção hedonista não explica, igualmente, todo o comportamento, pois o
prazer é indefinido, da auto-realização à autodestruição, como efeito de uma
acção realizada. Usa-se, também, a teoria dos instintos, com base na observação
do comportamento de animais e de vegetais. Todos esses seres seguem certa
direcção e se desenvolvem de acordo com certo sistema, num esquema genético ou
biológico predeterminado. Certos comportamentos “naturais” são chamados de
instintos ou de actividade instintiva, executados em um determinado ritual, em
certas situações, independentemente de aprendizagem. O comportamento
pré-maternal, maternal e parental nos animais, ao preparar o ninho ou o local
onde vão nascer os filhos e o cuidar do recém-nascido até que atinja autonomia
de vida são exemplos. Esses e outros factos físicos e psicológicos são
necessidades e direcções do comportamento suficientemente poderosos para criar
e manter uma situação de vida. Qualquer alteração que bloqueie ou desvirtue o
acto em si é destrutiva e a previsão dessa ocorrência uma ameaça.
O problema dos instintos
é algo desafiante para a Psicologia há muito tempo, como também o é para a
Biologia e outras ciências. No comportamento instintivo, podem ser
identificados dois componentes: uma necessidade fisiológica e um ritual não
aprendido, destinado a satisfazê-la. McDougall
(1908) definiu o instinto como uma disposição psicofísica inata que impele (despertar o interesse
por: a motivação impeli o homem a alcançar seu objectivo.) o organismo a agir de
determinada maneira. Esse determinante básico do comportamento, pelo menos a
determinado nível de reacções comportamentais, vem sendo deixado de lado pela
Psicologia, mas não desapareceu do cenário; a terminologia mudou, mas o
conceito permanece e a identificação dos instintos ou das necessidades ou dos
motivos básicos da conduta é um campo aberto à teorização.
Reconhecem os psicólogos
que a primeira categoria de necessidades é de natureza fisiológica ou orgânica.
O organismo vivo procura nutrir-se (alimento, água, e outros componentes
orgânicos), repousar, movimentar-se, proteger-se contra o excessivo frio ou
calor, defender-se contra acidentes e factos que afectam a sobrevivência. Aliás,
Wolman (1977) como outros autores, aponta o sobreviver como sendo a
necessidade básica. Muitas dessas necessidades são, porém, influenciadas por
acção social na forma de satisfazê-las e assumem, então, dupla exigência,
pessoal ou organísmica e social.
Freud (1938) formulou o
conceito de ser a libido o propulsor de todo o comportamento e a fonte de
energia psíquica. No pensamento freudiano encontra-se amplo substrato relativo
à motivação do comportamento. Aliás, segundo alguns autores (HILGARD, 1975) a
psicologia de Freud é, principalmente, uma psicologia da motivação. Os
conceitos primitivos quanto aos instintos de vida, aos instintos de morte e ao
princípio do prazer, embora revistos e reestudados no decorrer dos anos,
abriram considerável espaço para compreensão do comportamento no plano
consciente e, principalmente, no plano inconsciente. Os mecanismos de defesa
seriam processos reguladores dos desequilíbrios, mas não explicam, por si sós,
a predominância de uma necessidade básica. A formulação posterior de Adler,
segundo a qual o homem busca superar sua inferioridade mediante auto-afirmação,
é mais concreta nesse ponto. E o instinto do poder de que nos fala Nuttin (1955)
acrescentando que tanto este como o instinto sexual, proposto por Freud,
chocam-se violentamente como pontos de partida dos conflitos patogénicos.
Segundo (CANNON, 1932)
formulou o conceito básico a que denominou de homeostase, segundo o qual
o organismo, enquanto ser vivo, busca manter um equilíbrio interior em suas
condições fisiológicas. Esse equilíbrio, essencial à manutenção da vida, conduz
o organismo a uma temperatura adequada, à pressão sanguínea dentro de certos
limites, a uma regulagem da acidez ou da alcalinidade do sangue e à dosagem de
vários componentes orgânicos. Esse princípio geral de auto-regulação é activado
pelo próprio organismo nas condições normais de vida e representa, a nosso ver,
um processo que encontra paralelo psicológico na preservação do equilíbrio
emocional, na busca de uma normalidade psíquica. Resta saber, porém, no campo
psicológico, como reage o organismo às ameaças ou desequilíbrios que o afectam.
Lewin (1935) introduz o
conceito de campo, oposto ao de classe (que categoriza as pessoas) e afirma que
qualquer comportamento no campo psicológico depende somente desse campo
psicológico naquele momento dado “ (MARTUSCELLI, 1959). As necessidades são a
fonte de energia psíquica, mas não identifica Lewin as necessidades
específicas. As tarefas, ou expectativas de tarefas, geram tensões que o
indivíduo busca eliminar ou reduzir, executando-as. Lewin explica
operacionalmente o comportamento em termos semelhantes aos da Física, excluindo
a dinâmica das necessidades, e deixa a questão das” forças psicológicas
“abertas à indagação no que se refere à predominância de umas sobre as outras”.
Enry Murray (1978)
apresentou dois grandes grupos de motivos que ficaram conhecidos pela sua
simplicidade: necessidades viscerogênicas ou primárias, de base biológica, e as
necessidades psicogénicas ou secundárias, relacionadas com a interacção do
indivíduo no seu grupo social.
Na concepção
behaviorista clássica, a motivação é colocada em perspectivas muito diferentes
das demais teorias (SKINNER, 1956, 1967, 1968; KELLER & SCHOENFELD, 1966; BIRCH
& VEROFF, 1970; KELLER, 1974). A resposta ou reacção do indivíduo e,
portanto, sua actividade em uma direcção qualquer é função do ambiente. A
probabilidade de ocorrência de um comportamento depende, em geral, dos esquemas
de reforço e de extinção que surgem em sua vida quotidiana. A natureza do
factor reforçador não é, porém, suficientemente explícita.
Klineberg (1946) revendo
os conceitos sobre motivação da conduta humana e ao estabelecer critérios para
classificação dos motivos, refere-se à auto-afirmação como “algo mais
complicado” e a coloca num terceiro grupo por não considerá-la universal. Os factos
que alinha para justificar essa posição não são, porém, convincentes ao dizer
que a auto-afirmação não existe em algumas fases de infância e em certas tribos
de índios. O problema, a nosso ver, é que a auto-afirmação diferencia-se nas
várias culturas e, em consequência, sua própria expressão.
Maslow (1954) nos fala
de necessidades inferiores e de uma sequência hierárquica no comportamento. As
primeiras, de natureza biológica, são fundamentais e predominantes enquanto não
satisfeitas. A partir dessa satisfação surgem outras, tais como a segurança, a
afeição e, no ápice, a auto-realização. Esta última só aparece quando as demais
estiverem satisfeitas. O caminho do homem seria sua plena realização, sua
capacidade em desenvolver e realizar suas potencialidades. Ser alguém e
sentir-se capaz, ainda que com limitações, seria um motivo final.
As teorias monistas e as
pluralistas, mencionadas por Angelini (1955) reduzem o comportamento a um
motivo básico, único, ou o colocam em função de vários motivos,
respectivamente. Esta última concepção parece predominar, citando seus
defensores vários motivos ou grupos de motivos, aos quais sempre alguns mais
são acrescentados. Essa intermináve1 lista de motivos é, por si só, uma
indicação de que poderia haver uma base geral que mobiliza todos eles e que
seria, provavelmente, a razão universal da conduta, apenas diversificada
consoante os elementos de cada situação psicológica.
Festinger (1957), ao
estudar o problema da dissonância cognitiva, afirma ser esse factor um
determinante significativo do comportamento, comparável a um estado de carência
ou de necessidade. Quando o indivíduo percebe incongruência (dissonância) entre
suas opiniões, atitudes e valores e o comportamento que dele se espera, ou o
que é "forçado" a adoptar, surge um conflito interior. O indivíduo
esforça-se por reduzir essa disparidade e essa tendência orienta seu
comportamento.
Concentrando-se mais nos
problemas de desenvolvimento cognitivo do que nos aspectos emocionais da
personalidade, Piaget (1952; Flavell, 1975) crê que a motivação básica, pelo
menos no terreno intelectual, emerge de uma necessidade intrínseca dos próprios
órgãos ou das estruturas cognitivas. Não exclui Piaget a interferência dos
impulsos primários ou de outros motivos socialmente desenvolvidos mas, na sua
concepção, gerados os órgãos ou estruturas, estas buscam alimentar-se pelo
próprio funcionamento. A actividade de assimilação parece ser um facto básico
da vida psíquica (Piaget, 1952). A posição piagetiana poderia nos levar a
conjecturar a existência de uma estrutura global, o organismo em si mesmo, em
consequência do que o facto básico da vida seria seu pleno funcionamento ou sua
função como pessoa.
Como assinala Edward
Murray (1967) o campo da motivação está desorganizado, tantos são os sistemas
concorrentes. Esse autor sintetiza as várias explicações, mencionando as
teorias cognitivas, hedonistas, do instinto e do impulso e analisa seus vários
conceitos; apresenta, por seu turno, uma grande variedade de motivos e afirma
que “a motivação depende de um cérebro que contém mecanismos para o prazer e a
dor, que controla o seu próprio nível de excitação e que é sensível aos eventos
tanto externos como internos”. Não se refere Murray a algum motivo básico ou
prioritário; apenas admite que estamos caminhando para uma melhor compreensão
do comportamento humano e, ao referir-se ao motivo de auto-realização de
Maslow, diz que “talvez o futuro leve a pesquisa ao âmago da tendência
auto-realizadora do homem..., da busca pelo homem de um significado para a sua
existência”. O motivo de realização, mencionado por vários autores (MCCLELLAND,
1953) assemelha-se a um motivo de auto-afirmação, na medida em que envolve dois
aspectos: confrontação com outros e confrontação consigo mesmo. Semelhante à
autocrítica, é operacionalmente mobilizado para avaliar os níveis de desempenho
julgados satisfatórios pelo indivíduo em relação ao comportamento de outros e
em relação às auto-imagens e fantasias. Envolve, na concepção psicanalítica, o
próprio Ego no sentido de seu prestígio, segurança e poder.
Rogers (1942), ao
revolucionar os procedimentos de orientação e de psicoterapia com o método
então chamado não-directivo, chega à conclusão de que um motivo básico, real,
seria a auto-realização, o crescimento pessoal e o ajustamento. “O organismo
tem uma tendência básica e poderosa para actualizar-se, manter-se e
desenvolver-se”. Esse seria um determinante do comportamento e, como se
verificará posteriormente, foi um dos grandes inspiradores da hipótese que
formulamos neste trabalho.
Rogers (1978) ao
analisar a política dos relacionamentos humanos, afirma que esta apoia-se
“basicamente na concepção do organismo humano e no que o faz funcionar". A
tendência à realização é básica para a motivação. A vida é um processo activo e
“quer os estímulos provenham de dentro ou de fora, quer o ambiente seja
favorável ou desfavorável, os comportamentos de um organismo serão dirigidos no
sentido dele manter-se, crescer e reproduzir-se”. O organismo move-se
auto-regulando-se, autocontrolando-se. “Em seu estado normal, move-se em
direcção ao desenvolvimento próprio e à independência de controlos externos”.
Evidentemente, Rogers ao descrever essa auto-realização como algo inexorável,
está praticamente admitindo um determinismo biológico. Nada se cria em terapia.
O que se faz é liberar a tendência direccional da pessoa.
3.2 A auto-afirmação
como motivo básico e emocionalmente preponderante
Os motivos poderiam ser
classificados em várias categorias estendendo-se em um elenco interminável de
acções e de seus pressupostos psicológicos. Poucos psicólogos referem-se à
auto-afirmação, embora muitos deles mencionem esse motivo sem, contudo,
identificá-lo como variável dominante. É o caso da busca da superioridade, de
Adler, da busca de individualidade, de Rank, do desenvolvimento e da
autodeterminação de Rogers, de realização de McClelland, da realização do Eu,
de Maslow e de algumas outras colocações. No campo biológico temos razoável
segurança em constatar estados de carência ou de privação e da correspondente
activação em busca de alimento, de água, de oxigénio, de conforto térmico, de
repouso, de defesa contra factores destrutivos, de liberdade de movimentos, de
exploração sensorial e de sobrevivência em geral. No terreno psicológico, aí
incluído o social, os alvos e a correspondente instrumentação comportamental
não são assim tão claros e parecem provir de acções perceptuais e cognitivas,
isto é, da forma pela qual percebemos e elaboramos, mentalmente, os fenómenos
pessoais e sociais. Parece haver, nesta área, uma espécie de referencial de
satisfação ou de não satisfação a que se seguem processos de defesa ou de
adaptação do Ego a uma dada realidade e que aparece, simbolizado ou deformado,
no relacionamento terapêutico tanto quanto nas actividades do dia-a-dia
(SANTOS, 1982).
O conceito, mas não o
conteúdo desse referencial, começou a emergir quando notamos a evolução dos
comportamentos dos clientes em sessões de orientação e terapia psicológica. Como
assinalamos na página 72 os clientes passavam a um estágio de maior
satisfação, por eles julgado, quando conseguiam colocar-se em um plano
auto-referente e interiorizar um julgamento favorável sobre si mesmos.
Restaria hipotetizar sobre a natureza desse referencial que responderia pela
melhora do quadro clínico, E, para responder a essa indagação, formulamos
duas Possibilidades:
a) Ocorre, na relação psicoterapêutica, a satisfação de alguma necessidade psicológica
básica que responde pela satisfação em várias áreas vitais para a
pessoa;
b) Ocorre na relação terapêutica à satisfação de várias necessidades psicológicas
simultaneamente, sendo difícil ou quase impossível identificá-las.
Para resolver esse
impasse inicial, sobre duas formulações, revimos os casos
atendidos e Passamos a observar melhor nossa própria actuação como
terapeuta estudando, diante de cada verbalização, o possível efeito nos
clientes. Foi possível observar que os estados de ansiedade aumentavam, às
vezes até com perturbações, no desempenho da vida diária, sempre que a valorização
pessoal e a auto-afirmação eram atingidas de forma traumática, quer o facto
resultasse de ocorrências da vida diária (conflitos e frustrações, na área da
valorização pessoal), que resultasse de atitudes ou verbalizações pouco
confortadoras do terapeuta, Diante dessa situação, pareceu-nos válido conjecturar
que:
1. Há necessidades, motivos
ou agentes do comportamento que independem da opção individual e,
consequentemente, actuam como automatismos físicos para gerar a vida, facilitar
o crescimento e o amadurecimento e manter a sobrevivência. Ê a própria vida em
contraposição à morte ou inexistência, Não há escolhas salvo na forma de
viver, a pessoa não se avalia através dessas necessidades;
2. Noutro aspecto da
vida, há necessidades ou exigências que geram auto-avaliação física e social. O
individuo se vê como um ser vivo, alimentando-se, crescendo, amadurecendo,
produzindo, como entidade física, à qual se agregam exigências socialmente
definidas na cultura em que vive, tais como assumir os papéis de filho, de pai,
de estudante, de profissional, de cidadão, etc. Essas expectativas sociais o
pressionam e o indivíduo se avalia com alguém de quem algo se espera: surgem
necessidades sociais que lhes asseguram a vida social, completando
a sobrevivência apenas física. Esse sentido de vida, forma de auto-avaliação socialmente
provocada e psicologicamente percebida, é vital para o equilíbrio
emocional e, consequentemente, para a vivência social. A pergunta que a pessoa
coloca para si mesma, em diferentes instâncias da vida, será esta: até
que ponto vivo social e pessoalmente? Os padrões de desempenho, de adequação,
de competência, de aprovação, de status,
de poder e tantos outros são questionados. O conjunto de respostas que a pessoa
emite a essas questões seria a auto-afirmação e, como tal, seria o
determinante básico do comportamento.
Kreeh e Crutchfield
(1963) definem parte do que desejamos expressar. Dizem esses autores que “o
comportamento auto-afirmativo pode servir aos diferentes objectivos, exprimir
diferentes desejos e necessidades e apresentar inúmeras formas”. Refere-se, “também,
à manutenção e aceitação da auto-imagem, indiferente à maneira pela qual os
outros possam vê-lo”. No nosso entender, não se refere este processo mental à
competição, nem à busca de superioridade de Adler, mas à identificação do EU,
ao encontro de uma realidade pessoal, àquilo que somos e que usufruímos, ainda
que pequena em um mundo cada vez mais gigantesco. É o assumir a si mesmo,
compreender o que é e aceitar-se.
A insuficiência da
auto-afirmação talvez explique a neurose de insignificância de nossos dias e o
aumento crescente dos desajustes emocionais na razão directa do não-humanismo,
isto é, da sociedade povoada pela tecnologia e pela tecnocracia. O indivíduo
vê-se cada vez menos actuante, seja na escola, na família, no trabalho e um
processo de auto depreciação se instala. O antídoto é a auto-afirmação. As
conhecidas tensões dos primeiros astronautas - relatadas pela imprensa - podem
ser um exemplo: um sentimento de insignificância diante de um mundo imenso,
novo, ao qual não estavam acostumados.
Em consequência, o
sentimento de pequenez, de desvalia conduz ao medo de não ser alguém. Em
proporções menores, esse niilismo pode surgir no dia-a-dia, na medida em que
nos sentimos impotentes, marginalizados, desprezados. Muitos clientes,
crianças, jovens, adultos e idosos, acabam por demonstrar, no decorrer de
entrevistas e sessões terapêuticas, que seu problema básico é não serem devidamente
considerados. Na situação familiar, conjugal e de trabalho, esta situação é
bem evidente. Filhos se queixam de que seus pais não confiam neles; pais se
queixam de que seus filhos não os respeitam; empregados se vêem angustiados
quando são esquecidos ou marginalizados; todos sofrem quando se sentem
relegados a um segundo plano. A recíproca é verdadeira: nota-se a satisfação e
o bem-estar quando somos ouvidos, quando somos participantes, quando nossa
presença é notada, quando, de alguma forma, sentimos ser alguém. Quando, pois,
se consegue restaurar, por outras vias, na relação terapêutica, a percepção do Eu,
quando se recoloca a pessoa em um sentido de valorização de seus papéis e
de seu desempenho reduz-se a angústia existencial e as desordens
comportamentais que dela se originam.
Esse complexo sentimento
de avaliação de si mesmo, de auto-afirmação, de ser alguém, uma pessoa definida
no tempo e no espaço, com características próprias, com possibilidades e
limites satisfatoriamente interiorizados estimula e direcciona o comportamento
psicológico e, em consequência, todos os demais aspectos da vida nos quais haja
opções e decisões e que, em última instância, estabelecem a forma de ser, de
viver.
A auto-afirmação, tal
como a entendemos, está amplamente relacionada com a auto-realização na forma
vista por vários teóricos da motivação, dentre os quais os citados por Cofer e
Appley (1975). Todavia, e isto nos pareceu importante como produto de nossas
observações, a diferença entre um e outro motivo consiste no facto de que o
primeiro não busca o fazer, o realizar, o criar ou o construir
para efectivar-se.
A auto-afirmação é
preexistente em maior ou menor grau; a pessoa mantém uma confiança na própria
individualidade, sem necessidade de prová-la a todo o momento. No seu ponto
ideal seria a imagem completa, coerente, integrada de si mesmo e, portanto,
produtora de tranquilidade e segurança. A pessoa crê no que é e não no que deve
ser. Envolve um sentimento mais profundo do que a aceitação de si mesmo,
proposta por Rogers, porquanto não é um conformismo, mas uma valoração das
experiências vitais e de seu Eu como um conjunto integrado de disposições e de
disponibilidades, de energia e de produção, independentemente do que faça ou
deixe de fazer, socialmente participante como elo indispensável a toda a cadeia
de eventos que ocorre no cosmos. Uma descrição bem próximo do que se pretende
definir é encontrada em Cofer e Appley (1975:652-75) quando esses autores
comentam a natureza da ênfase na auto-realização. Entretanto, o que se deseja
acrescentar à contribuição dos teóricos e dos comentários citados é que a
auto-afirmação, como motivo de deficiência ou como motivo de crescimento, no
dizer de Maslow (1943, 1954) parece, a nosso ver, constituir a mola mestre e um
determinante básico no comportamento humano.
Muitos autores
distinguem necessidade de motivo. Segundo essas distinções, a
primeira corresponderia à deficiência ou falta de uma substância ou
função necessária ao processo de vida ou de bem-estar. Motivo seria um padrão
de comportamento complexo, socialmente aprendido, que envolve uma necessidade
ou situação que o origina, o estímulo que o mantém e os mecanismos de
ajustamento que dele resultam.
Neste livro, motivo é
considerado como um impulso activo, resultante de uma necessidade, consciente
ou não. Esta, por sua vez, significa um impulso primário (proteger-se. por
exemplo), aprendido ou não, cuja insatisfação pode provocar um estado de
carência. Praticamente, os dois termos se equivalem.
3.3 Outras Contribuições
Segundo (MOREIRA,
2010), a concepção de pessoa como centro, impede Rogers de realizar
uma psicoterapia fenomenológica. Mais do que isso, o centramento na pessoa
direcciona, restringe, e pela mesma razão, empobrece o processo terapêutico,
tal como se observou no exemplo mais ortodoxo - a entrevista de Bryan - e na
entrevista aparentemente menos centrada - de Jan. A análise da prática clínica
rogeriana mostra que esta caminha em direcção à fenomenologia; da pessoa como
centro para a experiência. Entretanto, para que o modelo de psicoterapia que
nos deixou Carl Rogers possa assumir todo seu potencial de contribuição
fenomenológica, é necessário que deixe, definitivamente, a busca de um suposto
homem interno - a pessoa - voltando-se para uma terapia do fenómeno emergente
que, como demonstra o mesmo Rogers, já existe potencialmente embrionária em sua
proposta (MOREIRA, 2007:218).
Esta ideia, no entanto, não foi
assumida por Rogers, que continuou a falar de abordagem centrada na pessoa até
o fim da vida.
Revisitar o pensamento de Carl Rogers
na contemporaneidade, mais de 20 anos após sua morte, leva-nos a retomar
questões importantes: “Sabe-se que a Psicoterapia Centrada na Pessoa tem sido
utilizada por outros profissionais além de Rogers e continua existindo. Como
está sendo praticada e pensada por esses profissionais?” (Moreira, 2007:218).
Nos últimos 20 anos, desde a morte
de Carl Rogers em 1987, a Abordagem Centrada na Pessoa tem-se desenvolvido
através uma grande diversidade de vertentes, em distintos lugares do mundo. Na
Inglaterra, Sanders (2007 citado por MORENO, 2010) refere-se às escolas de
terapia relacionadas à Abordagem Centrada na Pessoa: clássica, focalização,
experiencial, existencial, integrativa.
Segrera (2002 citado por MORENO,
2010) descreve alguns dos desenvolvimentos actuais da Abordagem Centrada na
Pessoa em vários outros lugares do mundo: 1) a versão clássica, actualmente
desenvolvida pelo Center for Studies of the Person, onde Rogers passou a última
fase de sua vida; 2) a linha experiencial fundada por (Gendlin, 1988; 1990 citado
por MORENO, 2010), com ênfase na experienciação e focalização, na University of
Chicago; etc.
Recentemente é possível, ainda,
observar outros desenvolvimentos que podem vir a constituir novas linhas (MORENO,
2010). É interessante observar que essas diferentes vertentes pós-rogerianas
partem de fases diferentes do pensamento de Carl Rogers. Por exemplo, a linha
existencial-fenomenológica - ou humanista-fenomenológica (MOREIRA, 2008; 2009)
- parte da fase experiencial da psicoterapia de Carl Rogers (1957-1970 citado
por MORENO, 2010), acentuando seu carácter fenomenológico através de
contribuições da tradição da Psicopatologia Fenomenológica e da Análise
Existencial.
Utiliza-se do potencial
eminentemente compreensivo dessa abordagem para o desenvolvimento teórico e
metodológico de uma clínica ampliada crítica, ou mundana, que tem como
fundamento as filosofias existenciais de autores como Heidegger, Merleau-Ponty
e Buber, entre outros. Já a linha transcendental toma como base especialmente
os escritos do último Rogers, da fase inter-humana (1970-1987 citado por MORENO,
2010), quando ele deixa de ser psicoterapeuta e se volta para questões mais
transcendentais do ser humano.
Esse facto tem sérias implicações
tanto metodológicas como epistemológicas, pois a fundamentação que será
adoptada por cada uma das linhas variará segundo seu desenvolvimento depois de
Rogers. Nesse sentido é que elas passam a ser neorogerianas, assumindo
identidade própria. Assim, ainda tomando o mesmo exemplo, a linha humanista-fenomenológica
terá como base a ideia de homem mundano e do trabalho clínico voltado para a
compreensão do Lebenswelt (mundo vivido), enquanto a linha transcendental terá
uma fundamentação espiritual, com trabalho clínico norteado por valores
religiosos ligados aos aspectos transpessoais do ser humano (MORENO, 2010).
Enfim,
muitos caminhos vêm sendo desvendados. Muitas trilhas ainda a serem abertas.
Rogers vem sendo discutido, reinventado, por muitos de seus seguidores que,
ávidos por ampliar seus campos de compreensão, perscrutam diferentes
possibilidades. Fica o desejo de conhecer novos horizontes investigados, sem
preconceito, com a mente aberta para o novo e o diferente. A obra de Rogers está viva e, como tal, em processo. Talvez
nesta fase pós-rogeriana, tal como referendada por Segrera (2002), se construa
algo não novo que ganhe nomes e existência própria (FROTA, 2012).
4. Conclusões
Na medida em que pensar a
Abordagem Centrada na Pessoa na actualidade inclui tamanha diversidade, é
importante não perder de vista as distintas fases desse pensamento, no sentido
de compreender as aproximações e as divergências entre as várias vertentes que
constituem a fase Pós-Rogeriana ou Neorogeriana. Observa-se que são várias as
vertentes actuais, provenientes directa ou indirectamente do pensamento de Carl
Rogers.
Não se trata mais do pensamento de
Rogers puro, mas de novas teorizações variadas, que partem dele. Na verdade, o
próprio Rogers não se pretendeu purista nem cristalizado em nenhuma teoria, nem
mesmo a dele, afirmando durante sua última visita ao Brasil, em 1985, que não
era rogeriano. Nesse sentido, é importante não apenas não ignorar os
significativos desdobramentos em andamento nos últimos 20 anos após sua morte,
como estabelecer um diálogo entre as diferenças que preserve a proposta
original de Carl Rogers em seu carácter humanista, de respeito pelo ser humano
e suas potencialidades. Seu pensamento continua vivo em cada uma das vertentes
actuais, mesmo que seus distintos desenvolvimentos - originados de fases
diversas do pensamento rogeriano e, portanto, passando a assumir diferentes
caminhos epistemológicos na continuidade de sua construção teórica as tornem
tantas vezes tão diferenciadas entre si.
O potencial fenomenológico da
teoria de Carl Rogers é, sem dúvida, um eixo denso, que merece especial atenção
no que se refere à continuidade de sua construção teórica, na direcção de uma
clínica humanista-fenomenológica crítica e ampliada, que priorize o acolhimento
da alteridade. Mas esse não é o único caminho. Ignorar a pluralidade e as
diferenças seria perder- -se da proposta original do próprio Rogers.
Portanto, para suporte
da hipótese levantada Santos somente dispõe de dados clínicos provenientes de
um grande grupo de clientes, de condições pessoais as mais variadas, atendidos
entre 1960 e 1980. Desse contingente, o autor conseguiu observações regulares e
sistemáticas em 80 casos os quais contavam com um atendimento terapêutico de um
ano, no mínimo, com sessões semanais e com um acompanhamento de igual duração,
pelo que, podemos finalmente afirmar que Sim é possível o Neo-Rogerianismo.
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