quinta-feira, 28 de julho de 2016

Educação para a igualdade de género e sexualidade: uma Proposta de formação docente

Índice




1. Introdução

Historicamente a comunidade escolar vem delegando às professoras e professores de Ciências e Biologia a responsabilidade pelas práticas de Educação Sexual na escola, bem como a tarefa de discutir quaisquer situações que envolvam manifestações da sexualidade. Para algumas pessoas, escola e sexualidade devem constituir em duas instâncias distintas e absolutamente separadas. Essa distinção decorre do facto de que a sexualidade é entendida como uma questão pessoal e privada, bem como atravessada por decisões morais e religiosas, já a escola, compreendida como espaço social de formação, voltada para a vida colectiva deveria afastar das polémicas e dos conflitos. Deste modo, o presente trabalho tem como tema Educação para a igualdade de género e sexualidade: uma Proposta de formação docente, o mesmo visa debruçar-se sobre aspectos como a história do corpo e da sexualidade; Linguagem, estereotipias sobre género; A construção das identidades de género e das identidades sexuais; História do casamento em Moçambique e as novas formas de conjugalidade. Esses são alguns dos temas que consideramos relevantes para o desenvolvimento de uma educação para a sexualidade no âmbito da formação docente, sendo também possível elaborarmos projectos para crianças e adolescentes que discutam algumas dessas questões.

1.1. Objectivos

Geral:
ü  Compreender as formas da construção das identidades de género e da sexualidade.
Específicos:
ü  Descrever a história do corpo e da sexualidade desde os tempos remotos até os nossos dias;
ü  Explicar características que diferenciam os homens das mulheres;
ü  Discutir a importância do estudo das questões de género e da sexualidade.

1.2. Metodologia

Para a realização do trabalho, optamos por fazer uma pesquisa bibliográfica onde fizemos o levantamento de referências teóricas já analisadas e pulicadas por meios escritos e electrónicos, com livros e as páginas de internet. Deste modo, essa pesquisa ajudou-nos a ter um conhecimento detalhado sobre o tema.



2. Educação para a igualdade de género e sexualidade: uma Proposta de formação docente

Quando falamos em Educação Sexual no âmbito da escola, em geral nos reportarmos a experiências muito pontuais e esporádicas, que se pautam basicamente pelo viés da prevenção, abordando doenças sexualmente transmissíveis e gravidez, ressaltando os processos biológicos que envolvem tais situações. Dessa forma, outras dimensões da sexualidade, como o prazer, por exemplo, parecem ficar fora dos debates, embora devamos reconhecer que tal dimensão talvez seja a experiência mais importante e intensa ao longo de nossas vidas, definindo inclusive nossas futuras parcerias afectivo-amorosas (casamento, filhos).
As questões em torno da sexualidade ficam ainda mais difíceis de serem trabalhadas quando se trata de crianças pequenas, pois as famílias, e também as professoras, ainda trabalham com uma determinada representação de infância ingénua, pura e que deve ser preservada de todos os “males” do mundo.

2.1. História do Corpo e da Sexualidade

Na maioria das culturas do chamado “mundo primitivo” (culturas não industrializada e muitas vezes sem escrita), a noção de corpo diverge bastante das outras. Para alguns destes povos, o corpo neutro, ou natural, não é um corpo valorizado ou desvalorizado: é um corpo frequentemente concebido como parte do universo. O mesmo parece ter acontecido com as primeiras civilizações (CECCARELLI, s/d).
Nos textos Egípcios, Hititas, Babilónicos e Assírios, e nas civilizações ameríndias - Incas, Maias, Astecas - não existem referências específicas ao corpo.
Nestas culturas o corpo nunca era algo “mau visto”, fonte de vícios e desmedidas: ao contrário, era apreendido de maneira bastante positiva, e jamais como um objecto mau ao qual se deve opor-se, ou mesmo perseguir. Para os Dogons, no Mali, o corpo é tido em grande estima. Eles se cumprimentam dizendo: “Olá, como vai o seu corpo?” Para eles, a cidade em si é um corpo e a terra um corpo de mulher. A imagem do corpo tem grande importância, mas trata-se, antes de mais nada, de um corpo social (CECCARELLI, ibidem).
Louis-Vincent Thomas (app. Descamps, 1988), em seus estudos sobre o corpo em algumas civilizações africanas, observa que o corpo é sempre algo de grande valor: «O corpo intervém como uma referência privilegiada que define a organização do mundo: o corpo do homem é o universo em uma escala menor», diz um provérbio. Mais ainda, o corpo não é algo que separa, isola e fecha-se sobre si mesmo; ele é o que une e permite as relações com o mundo visível e invisível, relações que nunca devem perturbar a harmonia das forças vitais. Para certos povos africanos dizer “o homem é seu corpo” ou “o homem tem um corpo” é a mesma coisa. O ser e o ter se aglutinam no quotidiano da vida (CECCARELLI, ibidem).

2.1.1. O corpo no ocidente e a somatofobia

Na cultura ocidental a apropriação do corpo é relativamente recente. Como o resto do universo, ele era tido como uma criação de Deus (Sua obra prima) e, logo, intocável, inquestionável e inescrutável. Desde os seus primórdios, a cultura ocidental traz a marca de uma aversão, ou mesmo ódio, que hostilizava o prazer e o corpo. As origens desse legado pessimista encontram-se na Antiguidade e devem-se a vários motivos dentre os quais considerações médicas e a religião órfica.
Por muitos séculos, o corpo, seus humores, suas doenças pareciam enigmáticos e inexplicáveis. No início de nossa era, o Cristianismo teve profunda influência na apreensão do corpo e na explicação dos males que o afectam (CECCARELLI, ibidem).
As doenças que afectavam o corpo foram tidas por muitos anos, e para muitos continuam até hoje, como um castigo: resultavam de um pecado, de uma falta na pureza da vida Cristã.
Em certa medida, o maior inimigo, o “vírus” mais difícil de combater no controlo epidemiológico e na prevenção da disseminação das DST, sobretudo do HIV, continua sendo a ideia, velha de mais de 2000 anos, de pecado e punição ligados à prática de uma sexualidade ilícita. O apogeu dessa somatofobia se expressa na separação corpo/alma, ou corpo/espírito.
Mais ainda: na visão sexualizada do pecado original, o homem é colocado como vítima indefesa de uma mulher inescrupulosa e sem princípios que, através da sedução, o leva a pecar, pecado este que é sempre da ordem da sexualidade (Pagels, 2001 citado por CECCARELLI, s/d, p. 4).
Entretanto, em muitas expressões de somatofobia, o corpo não era odiado simplesmente por ser a sede da sexualidade. O assustador era a impossibilidade de atrelar o desejo sexual à actividade reprodutora, pois a sexualidade era considerada como unicamente corporal não possuindo nada de psíquico. O terror que tanto assombrava o homem, o de não resistir à tentação, de não controlar a pulsão sexual – da mesma forma que não se controla a fome ou as pulsões destrutivas levou-o a refugiar-se no angelismo, como se constata claramente nos textos gnósticos (CECCARELLI, ibidem).

2.1.2. A reabilitação do Corpo

Na virada do Quatrocentos para o Cinquecento, o corpo começa a ser reabilitado, e surge o «corpo moderno», que se singulariza na sua anatomia, e cujos atributos são independentes de factores imaginários e de forças ocultas. É também na Renascença que o corpo é apropriado pelos artistas - que passaram a representá-lo e a desenhá-lo de forma extravagante para a época, pelos ginastas, pelos educadores e outros tantos. O célebre livro de André Vésale, publicado em 1543 e repleto de riquíssimas ilustrações - De humani  corporis  fabriqua -, é considerado o livro fundador da anatomia moderna (CECCARELLI, ibidem).
Aos poucos, o corpo deixa de ser um microcosmos onde cada órgão é habitado por um planeta, para torna-se o corpo cartesiano que funciona como uma máquina. Sob forma de “pedagogia corporal”, ele passa a ser controlado nos seus gestos, na sua educação e na sua socialização (Corbin; Courtine; Vigarello. 2005 citado por CECCARELLI, idem, p. 5).
A singularização do corpo que se seguiu foi um processo lento e paulatino, pois trouxe conflitos inevitáveis com a corrente somatofóbicaque concebia o corpo como sagrado, e que foi a responsável pelo discurso opressivo e repressivo cujo apogeu se deu na Sociedade Vitoriana do séc. XIX.
O corpo passou a ser manipulado, sentido, auscultado, dissecado. Seus movimentos analisados, e sua massa e volume calculados.
Com o passar do tempo, o termo “orgânico” (do latim organum: “instrumento”, “máquina”) começa a ser utilizado para referir-se ao corpo como uma máquina, um dispositivo, ou seja, um órgão. A doença “orgânica” confirma este estatuto ao corpo, em oposição à doença funcional na qual o organismo como um todo, a máquina, não está bem afinada.

2.1.3. As contribuições da Psicanálise

A particularidade da psicanálise encontra-se no fato de que ao superar a dimensão biológica do corpo, ela trabalha com sua perspectiva imaginária, simbólica e real.
Para a psicanálise, sabemos, a sexualidade, cuja origem é corporal, é subordinada ao espírito, ao “aparelho da alma” (seelischer Apparat). A psicanálise propiciou ao sujeito uma certa compreensão de sua circulação pulsional, lhe permitindo um maior conhecimento e da sua dinâmica identificadora. Embora agindo no corpo, as pulsões respondem a dinâmicas inconscientes: “Onde estava o id, ali estará o ego” (Freud, 1933, 102 citado por CECCARELLI, ibidem).
Em Freud, não vamos encontrar um "conceito de corpo," pois o corpo é, ao mesmo tempo, origem e sede dos conflitos pulsionais, que experimentamos psiquicamente como sensações.
Para Freud (1933b citado por CECCARELLI, ibidem), é a mãe quem vai estimular, e talvez mesmo despertar pela primeira vez, as sensações prazerosas nos órgãos genitais da criança. Isto significa que a representação psíquica que a criança criará de seu corpo está directamente relacionada com o investimento daqueles, e daquelas, que a acolhem quando de seu chegada ao mundo.
É, sobretudo, através dos que acolhem a criança no mundo, e de suas psicossexualidades, através de movimentos de investimentos e de contra investimentos, de interdições e de castrações sucessivas, que a criança tomará conhecimento de seu corpo, o que lhe permitirá de construir uma representação psíquica libidinalmente investida desse corpo, inclusive de suas funções somáticas.
Ao mesmo tempo, para que o recém-nascido habite o seu corpo e o reconheça como fonte de diferentes sensações é necessário que aqueles que o introduzem no simbólico se reconheçam possuidores de um corpo erógeno, com as possibilidades e as limitações que lhe são próprias.
Desde os primeiros contactos e trocas que o bebé estabelece tanto com seu mundo interno quanto com o externo (inicialmente, é claro, o recém nascido não faz distinção entre mundo interno e externo), o papel do inconsciente dos pais será decisivo no modo como a criança investirá o seu corpo.
O anúncio de chegada de uma criança – independentemente da forma de geração e filiação, produz uma reorganização no universo fantasmático de quem a acolhe no mundo para “acomodar” a realidade externa, mas sobretudo a psíquica, à criança que está por vir: “a relação mãe-bebé não espera o nascimento para existir.” (Aulagnier, 1963, 269 citado por CECCARELLI, ibidem).
Na representação psíquica que os pais criam antes do nascimento, a criança possui um corpo unificado acrescido dos atributos necessários: um “corpo imaginado” objecto por excelência de projecções da parte dos pais para realizar desejos e, ao mesmo tempo, curar feridas narcísicas (Freud, 1914 citado por CECCARELLI, ibidem). É por isso que crianças que sofrem de doenças orgânicas, e mesmo as que são vítimas de mutilações, são capazes de criar uma imagem do corpo sã quando a mãe consegue investir narcisicamente o corpo da criança.
As relações entre o Eu e o corpo erógeno variam segundo os destinos pulsionais e os movimentos repressivos ao qual este corpo foi submetido quando de sua erogenização, e testemunham as relações do sujeito com as coordenadas da vida: pulsão de vida, pulsão de morte, castração, angústia.

2.2. Linguagem, Estereotipias sobre Género

Os estereótipos constituem conjuntos bem organizados de crenças acerca das características das pessoas que pertencem a um grupo particular (VIEIRA, NOGUEIRA e TAVARES, 2009:37).
Foi Lippman, um jornalista americano, em 1922, que introduziu o conceito de estereótipo quando quis explicar como se formava a opinião pública, para dar a conhecer como os indivíduos reagiam a pessoas de diferentes países e proveniências étnicas (Deaux & Lewis, 1984, p. 991; Vieira, 2008, p. 3 citado por TAVARES et al., ibidem).
Os estereótipos assumem, para o ser humano, uma função adaptativa, na medida em que lhe permitem a organização da complexidade do comportamento em categorias operacionais, facilmente manejáveis. Não obstante, também é verdade que os estereótipos podem ser bastantes prejudiciais, em virtude do risco de consubstanciarem uma leitura distorcida e redutora da realidade, porque facilmente legitimam categorizações irreflectidamente generalizáveis, na sua maioria mais negativas do que positivas.
De facto, com base nos estereótipos, todos os membros de um dado grupo social tendem a ser avaliados da mesma maneira, como se os indivíduos pertencessem a categorias internamente homogéneas. Deste ajuizamento resulta, como é óbvio, uma clara omissão da variabilidade que é possível observar no seio de cada grupo específico (TAVARES, ibidem).
No caso particular do género, os estereótipos a ele associado têm a ver com as crenças amplamente partilhadas pela sociedade sobre o que significa ser homem ou ser mulher. Mais do que qualquer outro tipo de estereótipos, os de género apresentam, como disse susan Basow (1992), um forte poder normativo, na medida em que assumem não apenas uma função descritiva das supostas características dos homens e das mulheres, mas também consubstanciam uma visão prescritiva, se bem que não uniforme, dos comportamentos (papeis de género) que ambos os sexos deverão exibir, porque veiculam (TAVARES, ibidem).
Os pais e as mães tendem a ser os responsáveis primários/as pela nossa socialização e, como tal, esta terá por base as suas próprias crenças, que reflectem os padrões interiorizados de masculinidade e de feminilidade. Estes padrões serão reguladores dos seus próprios comportamentos e atitudes e, consequentemente, servirão para regular os comportamentos e atitudes dos seus filhos e filhas, com vista a uma suposta adequada aceitação social (RAMOS, 2012).
Na sequência destas expectativas, o género apresenta-se como uma das variáveis que mais influencia a organização da sociedade. Assim sendo, poderemos questionarmo-nos se as famílias terão consciência de quão importante será a educação dada nos primeiros anos a rapazes e raparigas e de como, logo nessa idade, poderão já estar a promover as desigualdades de género.
O senso comum também nos permite recordar ainda aspectos como a diferenciação de cores para o menino e para a menina; a diferença na decoração do espaço físico, por exemplo o quarto, que irá receber a criança; as escolhas das actividades extralectivas para as crianças, remetendo para os rapazes o futebol e para as meninas a neca; o facto de aos rapazes ser permitido sair à noite com menor idade de que às raparigas, entre muitos outros, aspectos estes que, inconscientemente, são promovidos sem que se dê conta das suas consequências para uma sociedade que pretendemos igualitária.
De facto, sem qualquer suporte científico, a família e os restantes agentes de socialização continuam a educar de maneira diferente o rapaz e a rapariga para o desempenho de inúmeros papéis ao logo da vida.
A escola não escapa a esta postura que começa logo no ensino pré-escolar. Os/as educadores/as deverão estar conscientes de que as suas próprias posturas, as suas escolhas de jogos, dos materiais pedagógicos, a forma como organizam as salas poderão ter por base ideias estereotipadas e que, para combater estas ideias, não as transmitindo às crianças, deverão gerar práticas educativas que promovam a igualdade entre meninos e meninas. A mesma postura se esperará de professores/as e formadores/as, no nosso caso, de adultos/as, sem que se condene qualquer suposto desvio, julgado como negativo, ou até conduzindo a punições sociais, ou seja, “se reprovar” um rapaz, um homem choramingas ou uma menina, uma mulher agressiva (RAMOS, 2012).
Os estereótipos de género são complexos. Susan Basow (1994, citada por Vieira, 2008:5) refere, ainda sobre esta temática, que é possível identificar pelo menos quatro conjuntos de estereótipos (RAMOS, ibidem).
Assim, quanto aos tipos de estereótipos, foram identificados os seguintes:
ü  Estereótipos relativos aos traços ou atributos de personalidade;
ü  Estereótipos relativos aos papéis desempenhados;
ü  Estereótipos relativos às actividades profissionais prosseguidas;
ü  Estereótipos relativos às características físicas.
Dos tipos apresentados, o quarto, na opinião de Deaux e Lewis (1984 citado por VIEIRA, 2008:5), parece ser a que mais condiciona o comportamento, uma vez que as características físicas despertam, com intensidade, as crenças associadas ao género.
Para além destes conjuntos referidos, ainda é possível identificar subtipos de estereótipos dentro de cada um deles. Vieira (2008) cita a este prepósito Deaux e LaFrance (1998) que afirmaram serem quatro os subtipos mais correntes de estereótipos relativos às mulheres ocidentais, bem como quatro subtipos relativos aos homens. Assim, quanto às primeiras encontramos os subtipos “a dona de casa; a detentora de uma carreira profissional; o objecto sexual e a feminista” e quanto aos segundos os subtipos incluem “o atleta; o trabalhador não qualificado; o homem de negócios e o sedutor” (Don Juan, p. 14 citado por RAMOS, 2012).
Na opinião de Basow (1992 citado por RAMOS, ibidem), apesar da existência de subtipos de estereótipos nos remeter para expectativas distintas relativamente aos indivíduos neles incluídos, também era possível haver pontos em comum entre eles e assim “independentemente do subtipo a que pertence, espera-se que a mulher se preocupe com a maternidade e com a educação dos filhos. Quanto ao homem, a expectativa é a de que se interesse pelo estatuto assumido e pela demonstração de tenacidade (forças e confiança)” (Basow, 1992 citado por RAMOS, ibidem).
Pelo descrito poderemos concluir que as crenças estereotipadas, ainda enraizadas relativamente ao género, parecem estar na base das persistentes desigualdades entre homens e mulheres, sendo que o seu combate, em todas as esferas da sociedade, é um desafio de longo prazo, uma vez que implica mudanças comportamentais e estruturais e uma redefinição dos papéis de uns e outras. Mas vejamos como estas persistentes desigualdades são expressas em números.

2.3. A Construção das Identidades de Género e das Identidades Sexuais

Os estudos de género são uma das consequências das lutas libertárias dos anos 60, mais particularmente dos movimentos sociais de 1968: as revoltas estudantis de Maio em Paris, a Primavera de Praga na Tchecoslováquia, os black panters, o movimento hippie e as lutas contra a guerra do Vietnã nos EUA, a luta contra a ditadura militar no Brasil. Todos esses movimentos lutavam por uma vida melhor, mais justa e igualitária (GROSSI, s/d).
Paralelamente a essas lutas, os anos 60 constituem um período de grande questionamento da sexualidade: a pílula anticoncepcional passa a ser comercializada, a virgindade enquanto valor essencial das mulheres para o casamento começa a ser amplamente questionada, e se começa a pensar mais colectivamente, no Ocidente, que o sexo poderia ser fonte de prazer e não apenas destinado à reprodução da espécie humana (GROSSI, ibidem).
Entre os inúmeros movimentos sociais que despontam neste período, dois nos interessam particularmente, o movimento feminista e o movimento gay, porque ambos vão questionar as relações afectivo-sexuais no âmbito das relações íntimas do espaço privado (GROSSI, ibidem).
A construção do conceito de identidades de género e sexuais diz respeito a uma história que não foi contada pela história “oficial”, ou seja, por historiadores de formação, já que até o período de 1970 as mulheres não apareciam nos textos dessa discussão, pelo menos não como protagonistas. Diante deste facto, surge, mais ou menos nesta data, um movimento em prol dos direitos das mulheres, que começaram a lutar por igualdade de direitos nas profissões e, até mesmo, no que se refere à própria liberdade sexual: o movimento feminista (GROSSI, ibidem).
É no campo das lutas sociais das mulheres que surge a construção histórica e teórica do conceito de género e as mulheres passam a ter certa visibilidade na esfera social, já que antes disso as mulheres eram completamente invisibilizadas como sujeitos (GROSSI, ibidem).
De acordo com Scott (1995 citado por SOUZA, s/d), o termo “género” é importante porque ao substituir o termo “mulher” nas análises e teorizações sobre nossos sexos e nossas sexualidades, ele sugere que qualquer informação sobre as mulheres é também informação sobre os homens, ou seja, o estudo de um está necessariamente articulado com o estudo do outro.
A teoria feminista tinha, através do conceito de gênero, problematizado as concepções que viam as identidades masculina e feminina como biologicamente definidas ou, na melhor das hipóteses, como formadas por um núcleo essencial, fixo, estável, de qualquer forma dependente de características biológicas. A teoria feminista argumentava não apenas que nossa identidade como homem ou como mulher não podia ser reduzida a biologia, que tinha uma importante dimensão sócio-cultural, mas que as próprias concepções do que era considerado puramente biológico, físico ou corporal estavam sujeitas a um processo histórico de construção social. Nem sequer a biologia podia ser subtraída ao jogo da significação. O conceito de gênero foi criado precisamente para enfatizar o fato de que as identidades masculina e feminina são histórica e socialmente produzidas (SILVA, 2002, p. 105 citado por SOUZA, s/d).
Nesse sentido, é necessário também argumentar sobre a relação entre as identidades de género e as identidades sexuais. Isto implica dizer que, no senso comum, isto é, naquele tipo de pensamento no qual estão inseridos os conceitos padronizados de sexualidade e género, as pessoas acreditam que o sexo biológico é que vai definir a identidade de género, bem como a maneira como o sujeito irá se relacionar sexualmente, ou seja, sua identidade sexual, formando um jogo único em três dimensões: se o corpo possui pénis, logo esse corpo deve identificar-se no/com o género masculino e assumir uma identidade heterossexual. Quando os sujeitos escapam a esta normatização, tendem a ser denominados como doentes, ou possuídos por algum ser sobrenatural que está o desviando das leis consideradas “verdadeiras” e correctas (SOUZA, s/d).
Louro esclarece que [...] os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas [...]. Suas identidades sexuais se constituiriam, pois, através das formas como vivem sua sexualidade, com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de género. Ora é evidente que essas identidades (sexuais e de género) estão profundamente inter-relacionadas; nossa linguagem e nossas práticas muito frequentemente as confundem, tornando difícil pensá-las distintivamente. No entanto, elas não são a mesma coisa. Sujeitos masculinos ou femininos podem ser heterossexuais, bissexuais (e, ao mesmo tempo, eles também podem ser negros, brancos, ou índios, ricos ou pobres etc.) (LOURO, 1998:26-27, itálico no original).
Para nós, não existe uma determinação natural dos comportamentos de homens e de mulheres, apesar das inúmeras regras sociais calcadas numa suposta determinação biológica diferencial dos sexos usadas nos exemplos mais corriqueiros, como ”mulher não pode levantar peso” ou “homem não tem jeito para cuidar de criança”.
Género serve, portanto, para determinar tudo que é social, cultural e historicamente determinado. No entanto, como vemos, nenhum indivíduo existe sem relações sociais, isto desde que se nasce. Portanto, sempre que estamos referindo-nos ao sexo, já estamos agindo de acordo com o género associado ao sexo daquele indivíduo com o qual estamos interagindo.
Assim sendo, ao nosso entender, a construção da identidade e do género são feitas através das brincadeiras, das palavras, dos gestos, das actividades reconhecidas como masculinas e femininas. Por meio das brincadeiras as pessoas internalizam e reproduzem as relações estabelecidas por homens e mulheres, sendo que algumas são caracterizadas pela reprodução de estereótipos socialmente atribuídos aos géneros. A este respeito, acredita-se que por exemplo nas crianças a actividade lúdica é identificada como fundamental para o desenvolvimento infantil por exemplo, pois permite à criança integrar várias dimensões da sua identidade, assimilar a realidade e vivenciar papéis.

2.4. História do casamento em Moçambique e as novas formas de conjugalidade

Em Moçambique, antigamente não se podia casar antes dos dezoitos anos de idade. Nas famílias as mulheres eram controladas pelos seus pais e a virgindade era perdida após o casamento ou após a completar os dezoito anos de idade. Em algumas culturas os pais é que escolhiam a mulher ou o homem para seu/sua filho/filha. Contudo, com o passar dos tempos as coisas começaram a mudar drasticamente. O sexo começou a ser visto como o centro do prazer como afirmamos anteriormente em outros títulos, com essa descoberta, a pratica sexual não era feita necessariamente aos dezoitos anos de idade e as meninas começaram a entrar de menstruação ainda cedo e a descoberta dos rapazes sobre as suas potencialidades como homens contribuiu para que quisessem experimentar sua sexualidade, por sua vez, isso contribuiu muito no namoro precoce e pratica de actividade precoce dos adolescentes (Grifos do grupo).
A Lei, em Moçambique reconhece três modalidades de casamento – Civil, Religioso e Tradicional. O casamento Civil é aquele realizado no notariado ou no registo civil com a presença do juiz onde a escolha de partilha ou não-partilha de bens; por sua vez o casamento Religioso é aquele realizado na igreja com a presença do Padre; enquanto o casamento tradicional é aquele feito com a presença dos chefes das comunidades ou feitos com a presença das autoridades do bairro. (Grifos do grupo)
O casamento é a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família, mediante comunhão plena de vida.
Igualmente prescreve os deveres da família:
ü  “Assegurar a unidade e estabilidade próprias;
ü  Assistir os pais no cumprimento dos seus deveres de educar e orientar os filhos;
ü  Garantir o crescimento e desenvolvimento integral da criança, do adolescente e do jovem;
ü  Assegurar que não ocorram situações de discriminações, exploração, negligência, exercício abusivo de autoridade ou violência no seu seio;
ü  Amparar e assistir os membros mais idosos, assegurar a sua participação na vida familiar e comunitária e defendendo a sua dignidade e bem-estar;
ü  Amparar e assistir os membros mais carentes, nomeadamente os portadores de deficiências e velar para que sejam respeitados os direitos e os legítimos interesses de todos e cada um dos seus membros.”
O casamento tem assumido formas novas e variadas, que podem tanto ser vistas como um sinal de falência, ou como uma tentativa de se ultrapassar um modelo que não estaria coerente com as rápidas transformações que acometem o homem contemporâneo. Parece que estamos vivenciando o intervalo entre a queda de padrões tradicionais e rígidos e a construção de novos modelos de casamento.

2.4.1. O lobolo como um exemplo

O lobolo tinha suas raízes na forma de organização das sociedades tradicionais, a partir das quais a família desempenhava um importante papel nas relações sociais e na produção económica do colectivo, tendo como eixo principal a produção familiar. Assim, o casamento constituía uma instituição significativa porque era por ele que se garantia a produção agrícola e a geração da descendência. Nesse sentido, as mulheres cumpriam um papel central nessas sociedades. O matrimónio, portanto, representava um acordo realizado entre dois grupos familiares sob jurisdição do chefe de linhagem, mas a saída de uma das mulheres da família para o casamento exigia, da família do noivo, uma compensação que deveria ser paga à família da noiva, sendo essa quantia utilizada posteriormente para o casamento de seu irmão. Junod explica que nessas sociedades o casamento não tinha um carácter individual, e por isso se constituía em uma aliança assumida entre as duas famílias, que, para reparar a perda de um dos seus membros, recebia uma compensação (SANTANA, 2009).
O governo, visando a superação dessa forma de união, passou a incentivar o casamento civil fundando o Palácio dos Casamentos – onde deveriam se realizar as cerimónias do matrimónio, assim como passou a apoiar realização de festas de casamentos colectivos. Entretanto, apesar de o lobolo ser condenado e perseguido neste governo, sua prática não foi abolida. Ao contrário, houve um recrudescimento (SANTANA, 2009).

3. Considerações finais

O Género é um conceito poderoso que, acima de tudo, desmascara as construções sociais a respeito do feminino e do masculino. Falar de género implica em questionar por que às mulheres é atribuído um instinto maternal, e ao homens o instinto machista. Para tal, é preciso compreender que homens e mulheres são diferentes biologicamente. As funções de papéis também sempre foram. Compreender género, as diferenças que se transformam em desigualdades, onde o poder é assimétrico é uma forma de lutar contra a própria desigualdade. Sabemos que através da história a mulher teve diferentes participações no trabalho, nas decisões políticas que modificaram-se com o tempo devido a interesses que muitas vezes não eram os seus. A escola pode ser um instrumento de divulgação dos ideais feministas pois se formos a fundo perceberemos que em menor grau a opressão não se faz só a ela. Existe também a opressão contra o homem que precisa sempre ter uma postura que se enquadre nos ideais do género masculino.



4. Referências bibliográficas

CECCARELLI, Paulo Roberto. (s/d). Uma Breve História do Corpo. In: Corpo, Alteridade e Sintoma: diversidade e compreensão. Lange & Tardivo (org.). São Paulo: Vetor, p. 15-34, 2011.                                                              Disponível em: <http://ceccarelli.psc.br/pt/wp-content/uploads/artigos/portugues/doc/brevhistcorp.pdf>; Consultado no dia 30/04/2016 às 15:08h.
GROSSI, Miriam Pillar. (s/d). Identidade de Género e Sexualidade.
LOURO, Guacira Lopes. Género, história e educação: construção e desconstrução. In: Educação e Realidade. Jul/dez, 1995, vol. 20 n. 2, p.101-132. ISSN: 0100-3143. 
SANTANA, Jacimara Souza. (2009). Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento). Revista de História, 1, 2 (2009), pp. 82-98 <http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a06.pdf>
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2.ed., 3º reimp. Belo Horizonte: Autentica, 2002.
SOUZA, Aldo trindade. (s/d). A construção das identidades de género identidades sexuais: múltiplas relações.
RAMOS, Maria Isabel De Sousa. (2012). Ser militar na primeira pessoa: Percepções de mulheres militares sobre um contexto profissional de hegemonia (ainda) masculina. Dissertação de Mestrado em Educação e Formação de Adultos e Intervenção Comunitária. Coimbra. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/23258/1/TESE%20FINAL%20PRONTA.pdf>; Consultado no dia 29/04/2016 às 14:19h.
TAVARES et al., (2009). Género e Cidadania. Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/.../ubi_progr-ação-form.pdf>; Consultado no dia 29/04/2016 às 14:33h.

VIEIRA, C. C. (1999). A credibilidade da investigação científica de natureza qualitativa: questões relativas à sua fidelidade e validade. Revista Portuguesa de Pedagogia, XXXIII- 2, 89-116.

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