Educação para a igualdade de género e sexualidade: uma Proposta de formação docente
Índice
1. Introdução
Historicamente a comunidade
escolar vem delegando às professoras e professores de Ciências e Biologia a
responsabilidade pelas práticas de Educação Sexual na escola, bem como a tarefa
de discutir quaisquer situações que envolvam manifestações da sexualidade. Para
algumas pessoas, escola e sexualidade devem constituir em duas instâncias
distintas e absolutamente separadas. Essa distinção decorre do facto de que a
sexualidade é entendida como uma questão pessoal e privada, bem como
atravessada por decisões morais e religiosas, já a escola, compreendida como
espaço social de formação, voltada para a vida colectiva deveria afastar das
polémicas e dos conflitos. Deste modo, o presente trabalho tem como tema Educação
para a igualdade de género e sexualidade: uma Proposta de formação docente, o mesmo visa debruçar-se sobre
aspectos como a história do corpo e da sexualidade; Linguagem, estereotipias
sobre género; A construção das identidades de género e das identidades sexuais;
História do casamento em Moçambique e as novas formas de conjugalidade. Esses
são alguns dos temas que consideramos relevantes para o desenvolvimento de uma
educação para a sexualidade no âmbito da formação docente, sendo também
possível elaborarmos projectos para crianças e adolescentes que discutam
algumas dessas questões.
1.1. Objectivos
Geral:
ü
Compreender as formas da construção das
identidades de género e da sexualidade.
Específicos:
ü
Descrever a história do corpo e da sexualidade
desde os tempos remotos até os nossos dias;
ü
Explicar características que diferenciam os
homens das mulheres;
ü
Discutir a importância do estudo das questões de
género e da sexualidade.
1.2. Metodologia
Para a realização do trabalho, optamos
por fazer uma pesquisa bibliográfica onde fizemos o levantamento de referências
teóricas já analisadas e pulicadas por meios escritos e electrónicos, com
livros e as páginas de internet. Deste modo, essa pesquisa ajudou-nos a ter um
conhecimento detalhado sobre o tema.
2. Educação para a
igualdade de género e sexualidade: uma Proposta de formação docente
Quando falamos
em Educação Sexual no âmbito da escola, em geral nos reportarmos a experiências
muito pontuais e esporádicas, que se pautam basicamente pelo viés da prevenção,
abordando doenças sexualmente transmissíveis e gravidez, ressaltando os
processos biológicos que envolvem tais situações. Dessa forma, outras dimensões
da sexualidade, como o prazer, por exemplo, parecem ficar fora dos debates,
embora devamos reconhecer que tal dimensão talvez seja a experiência mais
importante e intensa ao longo de nossas vidas, definindo inclusive nossas
futuras parcerias afectivo-amorosas (casamento, filhos).
As questões em
torno da sexualidade ficam ainda mais difíceis de serem trabalhadas quando se
trata de crianças pequenas, pois as famílias, e também as professoras, ainda
trabalham com uma determinada representação de infância ingénua, pura e que
deve ser preservada de todos os “males” do mundo.
2.1.
História do Corpo e da Sexualidade
Na maioria das
culturas do chamado “mundo primitivo” (culturas não industrializada e muitas
vezes sem escrita), a noção de corpo diverge bastante das outras. Para alguns
destes povos, o corpo neutro, ou natural, não é um corpo valorizado ou
desvalorizado: é um corpo frequentemente concebido como parte do universo. O
mesmo parece ter acontecido com as primeiras civilizações (CECCARELLI, s/d).
Nos textos
Egípcios, Hititas, Babilónicos e Assírios, e nas civilizações ameríndias -
Incas, Maias, Astecas - não existem referências específicas ao corpo.
Nestas culturas
o corpo nunca era algo “mau visto”, fonte de vícios e desmedidas: ao contrário,
era apreendido de maneira bastante positiva, e jamais como um objecto mau ao
qual se deve opor-se, ou mesmo perseguir. Para os Dogons, no Mali, o corpo é
tido em grande estima. Eles se cumprimentam dizendo: “Olá, como vai o seu corpo?”
Para eles, a cidade em si é um corpo e a terra um corpo de mulher. A imagem do
corpo tem grande importância, mas trata-se, antes de mais nada, de um corpo
social (CECCARELLI, ibidem).
Louis-Vincent
Thomas (app. Descamps, 1988), em seus estudos sobre o corpo em algumas
civilizações africanas, observa que o corpo é sempre algo de grande valor: «O
corpo intervém como uma referência privilegiada que define a organização do
mundo: o corpo do homem é o universo em uma escala menor», diz um provérbio.
Mais ainda, o corpo não é algo que separa, isola e fecha-se sobre si mesmo; ele
é o que une e permite as relações com o mundo visível e invisível, relações que
nunca devem perturbar a harmonia das forças vitais. Para certos povos africanos
dizer “o homem é seu corpo” ou “o homem tem um corpo” é a mesma coisa. O ser e
o ter se aglutinam no quotidiano da vida (CECCARELLI, ibidem).
2.1.1. O corpo no
ocidente e a somatofobia
Na cultura
ocidental a apropriação do corpo é relativamente recente. Como o resto do
universo, ele era tido como uma criação de Deus (Sua obra prima) e, logo, intocável,
inquestionável e inescrutável. Desde os seus primórdios, a cultura ocidental
traz a marca de uma aversão, ou mesmo ódio, que hostilizava o prazer e o corpo.
As origens desse legado pessimista encontram-se na Antiguidade e devem-se a
vários motivos dentre os quais considerações médicas e a religião órfica.
Por muitos
séculos, o corpo, seus humores, suas doenças pareciam enigmáticos e
inexplicáveis. No início de nossa era, o Cristianismo teve profunda influência
na apreensão do corpo e na explicação dos males que o afectam (CECCARELLI,
ibidem).
As doenças que
afectavam o corpo foram tidas por muitos anos, e para muitos continuam até
hoje, como um castigo: resultavam de um pecado, de uma falta na pureza da vida
Cristã.
Em certa medida,
o maior inimigo, o “vírus” mais difícil de combater no controlo epidemiológico
e na prevenção da disseminação das DST, sobretudo do HIV, continua sendo a
ideia, velha de mais de 2000 anos, de pecado e punição ligados à prática de uma
sexualidade ilícita. O apogeu dessa somatofobia se expressa na separação
corpo/alma, ou corpo/espírito.
Mais ainda: na
visão sexualizada do pecado original, o homem é colocado como vítima indefesa
de uma mulher inescrupulosa e sem princípios que, através da sedução, o leva a
pecar, pecado este que é sempre da ordem da sexualidade (Pagels, 2001 citado
por CECCARELLI, s/d, p. 4).
Entretanto, em
muitas expressões de somatofobia, o corpo não era odiado simplesmente por ser a
sede da sexualidade. O assustador era a impossibilidade de atrelar o desejo
sexual à actividade reprodutora, pois a sexualidade era considerada como
unicamente corporal não possuindo nada de psíquico. O terror que tanto
assombrava o homem, o de não resistir à tentação, de não controlar a pulsão
sexual – da mesma forma que não se controla a fome ou as pulsões destrutivas
levou-o a refugiar-se no angelismo, como se constata claramente nos textos
gnósticos (CECCARELLI, ibidem).
2.1.2. A
reabilitação do Corpo
Na virada do Quatrocentos para o Cinquecento, o corpo começa a ser reabilitado, e surge o «corpo
moderno», que se singulariza na sua anatomia, e cujos atributos são
independentes de factores imaginários e de forças ocultas. É também na
Renascença que o corpo é apropriado pelos artistas - que passaram a
representá-lo e a desenhá-lo de forma extravagante para a época, pelos
ginastas, pelos educadores e outros tantos. O célebre livro de André Vésale, publicado
em 1543 e repleto de riquíssimas ilustrações - De humani corporis fabriqua -, é considerado o livro
fundador da anatomia moderna (CECCARELLI, ibidem).
Aos poucos, o
corpo deixa de ser um microcosmos onde cada órgão é habitado por um planeta,
para torna-se o corpo cartesiano que funciona como uma máquina. Sob forma de
“pedagogia corporal”, ele passa a ser controlado nos seus gestos, na sua
educação e na sua socialização (Corbin; Courtine; Vigarello. 2005 citado por CECCARELLI,
idem, p. 5).
A singularização
do corpo que se seguiu foi um processo lento e paulatino, pois trouxe conflitos
inevitáveis com a corrente somatofóbicaque concebia o corpo como sagrado, e que
foi a responsável pelo discurso opressivo e repressivo cujo apogeu se deu na
Sociedade Vitoriana do séc. XIX.
O corpo passou a
ser manipulado, sentido, auscultado, dissecado. Seus movimentos analisados, e
sua massa e volume calculados.
Com o passar do
tempo, o termo “orgânico” (do latim organum:
“instrumento”, “máquina”) começa a ser utilizado para referir-se ao corpo como
uma máquina, um dispositivo, ou seja, um órgão. A doença “orgânica” confirma
este estatuto ao corpo, em oposição à doença funcional na qual o organismo como
um todo, a máquina, não está bem afinada.
2.1.3. As
contribuições da Psicanálise
A
particularidade da psicanálise encontra-se no fato de que ao superar a dimensão
biológica do corpo, ela trabalha com sua perspectiva imaginária, simbólica e
real.
Para a
psicanálise, sabemos, a sexualidade, cuja origem é corporal, é subordinada ao
espírito, ao “aparelho da alma” (seelischer
Apparat). A psicanálise propiciou ao sujeito uma certa compreensão de sua
circulação pulsional, lhe permitindo um maior conhecimento e da sua dinâmica
identificadora. Embora agindo no corpo, as pulsões respondem a dinâmicas
inconscientes: “Onde estava o id, ali estará o ego” (Freud, 1933, 102 citado
por CECCARELLI, ibidem).
Em Freud, não
vamos encontrar um "conceito de corpo," pois o corpo é, ao mesmo
tempo, origem e sede dos conflitos pulsionais, que experimentamos psiquicamente
como sensações.
Para Freud (1933b
citado por CECCARELLI, ibidem), é a mãe quem vai estimular, e talvez mesmo
despertar pela primeira vez, as sensações prazerosas nos órgãos genitais da
criança. Isto significa que a representação psíquica que a criança criará de
seu corpo está directamente relacionada com o investimento daqueles, e
daquelas, que a acolhem quando de seu chegada ao mundo.
É, sobretudo,
através dos que acolhem a criança no mundo, e de suas psicossexualidades,
através de movimentos de investimentos e de contra investimentos, de interdições
e de castrações sucessivas, que a criança tomará conhecimento de seu corpo, o
que lhe permitirá de construir uma representação psíquica libidinalmente
investida desse corpo, inclusive de suas funções somáticas.
Ao mesmo tempo,
para que o recém-nascido habite o seu corpo e o reconheça como fonte de
diferentes sensações é necessário que aqueles que o introduzem no simbólico se
reconheçam possuidores de um corpo erógeno, com as possibilidades e as
limitações que lhe são próprias.
Desde os
primeiros contactos e trocas que o bebé estabelece tanto com seu mundo interno
quanto com o externo (inicialmente, é claro, o recém nascido não faz distinção
entre mundo interno e externo), o papel do inconsciente dos pais será decisivo
no modo como a criança investirá o seu corpo.
O anúncio de
chegada de uma criança – independentemente da forma de geração e filiação,
produz uma reorganização no universo fantasmático de quem a acolhe no mundo
para “acomodar” a realidade externa, mas sobretudo a psíquica, à criança que está
por vir: “a relação mãe-bebé não espera o nascimento para existir.” (Aulagnier,
1963, 269 citado por CECCARELLI, ibidem).
Na representação
psíquica que os pais criam antes do nascimento, a criança possui um corpo
unificado acrescido dos atributos necessários: um “corpo imaginado” objecto por
excelência de projecções da parte dos pais para realizar desejos e, ao mesmo
tempo, curar feridas narcísicas (Freud, 1914 citado por CECCARELLI, ibidem). É
por isso que crianças que sofrem de doenças orgânicas, e mesmo as que são
vítimas de mutilações, são capazes de criar uma imagem do corpo sã quando a mãe
consegue investir narcisicamente o corpo da criança.
As relações
entre o Eu e o corpo erógeno variam segundo os destinos pulsionais e os
movimentos repressivos ao qual este corpo foi submetido quando de sua
erogenização, e testemunham as relações do sujeito com as coordenadas da vida:
pulsão de vida, pulsão de morte, castração, angústia.
2.2. Linguagem, Estereotipias
sobre Género
Os estereótipos
constituem conjuntos bem organizados de crenças acerca das características das
pessoas que pertencem a um grupo particular (VIEIRA, NOGUEIRA e TAVARES, 2009:37).
Foi Lippman, um
jornalista americano, em 1922, que introduziu o conceito de estereótipo quando
quis explicar como se formava a opinião pública, para dar a conhecer como os
indivíduos reagiam a pessoas de diferentes países e proveniências étnicas
(Deaux & Lewis, 1984, p. 991; Vieira, 2008, p. 3 citado por TAVARES et al., ibidem).
Os estereótipos
assumem, para o ser humano, uma função adaptativa, na medida em que lhe
permitem a organização da complexidade do comportamento em categorias
operacionais, facilmente manejáveis. Não obstante, também é verdade que os estereótipos
podem ser bastantes prejudiciais, em virtude do risco de consubstanciarem uma
leitura distorcida e redutora da realidade, porque facilmente legitimam
categorizações irreflectidamente generalizáveis, na sua maioria mais negativas
do que positivas.
De facto, com
base nos estereótipos, todos os membros de um dado grupo social tendem a ser
avaliados da mesma maneira, como se os indivíduos pertencessem a categorias
internamente homogéneas. Deste ajuizamento resulta, como é óbvio, uma clara
omissão da variabilidade que é possível observar no seio de cada grupo
específico (TAVARES, ibidem).
No caso
particular do género, os estereótipos a ele associado têm a ver com as crenças
amplamente partilhadas pela sociedade sobre o que significa ser homem ou ser
mulher. Mais do que qualquer outro tipo de estereótipos, os de género
apresentam, como disse susan Basow (1992), um forte poder normativo, na medida
em que assumem não apenas uma função descritiva das supostas características
dos homens e das mulheres, mas também consubstanciam uma visão prescritiva, se
bem que não uniforme, dos comportamentos (papeis de género) que ambos os sexos
deverão exibir, porque veiculam (TAVARES, ibidem).
Os pais e as
mães tendem a ser os responsáveis primários/as pela nossa socialização e, como
tal, esta terá por base as suas próprias crenças, que reflectem os padrões
interiorizados de masculinidade e de feminilidade. Estes padrões serão
reguladores dos seus próprios comportamentos e atitudes e, consequentemente,
servirão para regular os comportamentos e atitudes dos seus filhos e filhas,
com vista a uma suposta adequada aceitação social (RAMOS, 2012).
Na sequência
destas expectativas, o género apresenta-se como uma das variáveis que mais
influencia a organização da sociedade. Assim sendo, poderemos questionarmo-nos
se as famílias terão consciência de quão importante será a educação dada nos
primeiros anos a rapazes e raparigas e de como, logo nessa idade, poderão já
estar a promover as desigualdades de género.
O senso comum
também nos permite recordar ainda aspectos como a diferenciação de cores para o
menino e para a menina; a diferença na decoração do espaço físico, por exemplo
o quarto, que irá receber a criança; as escolhas das actividades extralectivas
para as crianças, remetendo para os rapazes o futebol e para as meninas a neca;
o facto de aos rapazes ser permitido sair à noite com menor idade de que às
raparigas, entre muitos outros, aspectos estes que, inconscientemente, são
promovidos sem que se dê conta das suas consequências para uma sociedade que
pretendemos igualitária.
De facto, sem
qualquer suporte científico, a família e os restantes agentes de socialização
continuam a educar de maneira diferente o rapaz e a rapariga para o desempenho
de inúmeros papéis ao logo da vida.
A escola não escapa
a esta postura que começa logo no ensino pré-escolar. Os/as educadores/as
deverão estar conscientes de que as suas próprias posturas, as suas escolhas de
jogos, dos materiais pedagógicos, a forma como organizam as salas poderão ter
por base ideias estereotipadas e que, para combater estas ideias, não as
transmitindo às crianças, deverão gerar práticas educativas que promovam a
igualdade entre meninos e meninas. A mesma postura se esperará de
professores/as e formadores/as, no nosso caso, de adultos/as, sem que se
condene qualquer suposto desvio, julgado como negativo, ou até conduzindo a
punições sociais, ou seja, “se reprovar” um rapaz, um homem choramingas ou uma
menina, uma mulher agressiva (RAMOS, 2012).
Os estereótipos
de género são complexos. Susan Basow (1994, citada por Vieira, 2008:5) refere,
ainda sobre esta temática, que é possível identificar pelo menos quatro
conjuntos de estereótipos (RAMOS, ibidem).
Assim, quanto
aos tipos de estereótipos, foram identificados os seguintes:
ü
Estereótipos relativos aos traços ou atributos
de personalidade;
ü
Estereótipos relativos aos papéis desempenhados;
ü
Estereótipos relativos às actividades
profissionais prosseguidas;
ü
Estereótipos relativos às características
físicas.
Dos tipos
apresentados, o quarto, na opinião de Deaux e Lewis (1984 citado por VIEIRA,
2008:5), parece ser a que mais condiciona o comportamento, uma vez que as
características físicas despertam, com intensidade, as crenças associadas ao
género.
Para além destes
conjuntos referidos, ainda é possível identificar subtipos de estereótipos
dentro de cada um deles. Vieira (2008) cita a este prepósito Deaux e LaFrance
(1998) que afirmaram serem quatro os subtipos mais correntes de estereótipos
relativos às mulheres ocidentais, bem como quatro subtipos relativos aos
homens. Assim, quanto às primeiras encontramos os subtipos “a dona de casa; a
detentora de uma carreira profissional; o objecto sexual e a feminista” e
quanto aos segundos os subtipos incluem “o atleta; o trabalhador não qualificado;
o homem de negócios e o sedutor” (Don Juan, p. 14 citado por RAMOS, 2012).
Na opinião de
Basow (1992 citado por RAMOS, ibidem), apesar da existência de subtipos de
estereótipos nos remeter para expectativas distintas relativamente aos
indivíduos neles incluídos, também era possível haver pontos em comum entre
eles e assim “independentemente do subtipo a que pertence, espera-se que a
mulher se preocupe com a maternidade e com a educação dos filhos. Quanto ao
homem, a expectativa é a de que se interesse pelo estatuto assumido e pela
demonstração de tenacidade (forças e confiança)” (Basow, 1992 citado por RAMOS,
ibidem).
Pelo descrito
poderemos concluir que as crenças estereotipadas, ainda enraizadas
relativamente ao género, parecem estar na base das persistentes desigualdades
entre homens e mulheres, sendo que o seu combate, em todas as esferas da
sociedade, é um desafio de longo prazo, uma vez que implica mudanças
comportamentais e estruturais e uma redefinição dos papéis de uns e outras. Mas
vejamos como estas persistentes desigualdades são expressas em números.
2.3. A Construção das
Identidades de Género e das Identidades Sexuais
Os estudos de
género são uma das consequências das lutas libertárias dos anos 60, mais
particularmente dos movimentos sociais de 1968: as revoltas estudantis de Maio
em Paris, a Primavera de Praga na Tchecoslováquia, os black panters, o
movimento hippie e as lutas contra a guerra do Vietnã nos EUA, a luta contra a
ditadura militar no Brasil. Todos esses movimentos lutavam por uma vida melhor,
mais justa e igualitária (GROSSI, s/d).
Paralelamente a
essas lutas, os anos 60 constituem um período de grande questionamento da
sexualidade: a pílula anticoncepcional passa a ser comercializada, a virgindade
enquanto valor essencial das mulheres para o casamento começa a ser amplamente
questionada, e se começa a pensar mais colectivamente, no Ocidente, que o sexo
poderia ser fonte de prazer e não apenas destinado à reprodução da espécie
humana (GROSSI, ibidem).
Entre os
inúmeros movimentos sociais que despontam neste período, dois nos interessam
particularmente, o movimento feminista e o movimento gay, porque ambos vão questionar as relações afectivo-sexuais no
âmbito das relações íntimas do espaço privado (GROSSI, ibidem).
A construção do conceito de identidades de género e sexuais
diz respeito a uma história que não foi contada pela história “oficial”, ou
seja, por historiadores de formação, já que até o período de 1970 as mulheres
não apareciam nos textos dessa discussão, pelo menos não como protagonistas.
Diante deste facto, surge, mais ou menos nesta data, um movimento em prol dos
direitos das mulheres, que começaram a lutar por igualdade de direitos nas
profissões e, até mesmo, no que se refere à própria liberdade sexual: o
movimento feminista (GROSSI, ibidem).
É no campo das lutas sociais das mulheres que surge a
construção histórica e teórica do conceito de género e as mulheres passam a ter
certa visibilidade na esfera social, já que antes disso as mulheres eram
completamente invisibilizadas como sujeitos (GROSSI, ibidem).
De acordo com Scott (1995 citado por SOUZA, s/d), o termo
“género” é importante porque ao substituir o termo “mulher” nas análises e
teorizações sobre nossos sexos e nossas sexualidades, ele sugere que qualquer
informação sobre as mulheres é também informação sobre os homens, ou seja, o
estudo de um está necessariamente articulado com o estudo do outro.
A teoria feminista tinha, através do
conceito de gênero, problematizado as concepções que viam as identidades
masculina e feminina como biologicamente definidas ou, na melhor das hipóteses,
como formadas por um núcleo essencial, fixo, estável, de qualquer forma
dependente de características biológicas. A teoria feminista argumentava não
apenas que nossa identidade como homem ou como mulher não podia ser reduzida a
biologia, que tinha uma importante dimensão sócio-cultural, mas que as próprias
concepções do que era considerado puramente biológico, físico ou corporal
estavam sujeitas a um processo histórico de construção social. Nem sequer a
biologia podia ser subtraída ao jogo da significação. O conceito de gênero foi
criado precisamente para enfatizar o fato de que as identidades masculina e
feminina são histórica e socialmente produzidas (SILVA, 2002, p. 105 citado por SOUZA,
s/d).
Nesse sentido, é necessário
também argumentar sobre a relação entre as identidades de género e as
identidades sexuais. Isto implica dizer que, no senso comum, isto é, naquele
tipo de pensamento no qual estão inseridos os conceitos padronizados de
sexualidade e género, as pessoas acreditam que o sexo biológico é que vai
definir a identidade de género, bem como a maneira como o sujeito irá se
relacionar sexualmente, ou seja, sua identidade sexual, formando um jogo único
em três dimensões: se o corpo possui pénis, logo esse corpo deve identificar-se
no/com o género masculino e assumir uma identidade heterossexual. Quando os
sujeitos escapam a esta normatização, tendem a ser denominados como doentes, ou
possuídos por algum ser sobrenatural que está o desviando das leis consideradas
“verdadeiras” e correctas (SOUZA, s/d).
Louro esclarece que [...]
os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas [...]. Suas identidades sexuais se constituiriam, pois,
através das formas como vivem sua sexualidade, com parceiros/as do mesmo sexo,
do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os
sujeitos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou
femininos e assim constroem suas identidades
de género. Ora é evidente que essas identidades (sexuais e de género) estão
profundamente inter-relacionadas; nossa linguagem e nossas práticas muito
frequentemente as confundem, tornando difícil pensá-las distintivamente. No
entanto, elas não são a mesma coisa. Sujeitos masculinos ou femininos podem ser
heterossexuais, bissexuais (e, ao mesmo tempo, eles também podem ser negros,
brancos, ou índios, ricos ou pobres etc.) (LOURO, 1998:26-27, itálico no
original).
Para nós, não
existe uma determinação natural dos comportamentos de homens e de mulheres,
apesar das inúmeras regras sociais calcadas numa suposta determinação biológica
diferencial dos sexos usadas nos exemplos mais corriqueiros, como ”mulher não
pode levantar peso” ou “homem não tem jeito para cuidar de criança”.
Género serve,
portanto, para determinar tudo que é social, cultural e historicamente determinado.
No entanto, como vemos, nenhum indivíduo existe sem relações sociais, isto
desde que se nasce. Portanto, sempre que estamos referindo-nos ao sexo, já
estamos agindo de acordo com o género associado ao sexo daquele indivíduo com o
qual estamos interagindo.
Assim sendo,
ao nosso entender, a construção da identidade e do género são feitas através
das brincadeiras, das palavras, dos gestos, das actividades reconhecidas como
masculinas e femininas. Por meio das brincadeiras as pessoas internalizam e
reproduzem as relações estabelecidas por homens e mulheres, sendo que algumas
são caracterizadas pela reprodução de estereótipos socialmente atribuídos aos
géneros. A este respeito, acredita-se que por exemplo nas crianças a actividade
lúdica é identificada como fundamental para o desenvolvimento infantil por
exemplo, pois permite à criança integrar várias dimensões da sua identidade,
assimilar a realidade e vivenciar papéis.
2.4. História do
casamento em Moçambique e as novas formas de conjugalidade
Em Moçambique, antigamente
não se podia casar antes dos dezoitos anos de idade. Nas famílias as mulheres
eram controladas pelos seus pais e a virgindade era perdida após o casamento ou
após a completar os dezoito anos de idade. Em algumas culturas os pais é que
escolhiam a mulher ou o homem para seu/sua filho/filha. Contudo, com o passar
dos tempos as coisas começaram a mudar drasticamente. O sexo começou a ser
visto como o centro do prazer como afirmamos anteriormente em outros títulos,
com essa descoberta, a pratica sexual não era feita necessariamente aos dezoitos
anos de idade e as meninas começaram a entrar de menstruação ainda cedo e a
descoberta dos rapazes sobre as suas potencialidades como homens contribuiu
para que quisessem experimentar sua sexualidade, por sua vez, isso contribuiu
muito no namoro precoce e pratica de actividade precoce dos adolescentes
(Grifos do grupo).
A Lei, em Moçambique
reconhece três modalidades de casamento – Civil, Religioso e Tradicional. O
casamento Civil é aquele realizado no notariado ou no registo civil com a
presença do juiz onde a escolha de partilha ou não-partilha de bens; por sua
vez o casamento Religioso é aquele realizado na igreja com a presença do Padre;
enquanto o casamento tradicional é aquele feito com a presença dos chefes das
comunidades ou feitos com a presença das autoridades do bairro. (Grifos do
grupo)
O casamento é a união
voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de
constituir família, mediante comunhão plena de vida.
Igualmente prescreve os
deveres da família:
ü “Assegurar a unidade e
estabilidade próprias;
ü Assistir os pais no
cumprimento dos seus deveres de educar e orientar os filhos;
ü Garantir o crescimento e
desenvolvimento integral da criança, do adolescente e do jovem;
ü Assegurar que não ocorram
situações de discriminações, exploração, negligência, exercício abusivo de
autoridade ou violência no seu seio;
ü Amparar e assistir os
membros mais idosos, assegurar a sua participação na vida familiar e
comunitária e defendendo a sua dignidade e bem-estar;
ü Amparar e assistir os
membros mais carentes, nomeadamente os portadores de deficiências e velar para
que sejam respeitados os direitos e os legítimos interesses de todos e cada um
dos seus membros.”
O casamento tem
assumido formas novas e variadas, que podem tanto ser vistas como um sinal de
falência, ou como uma tentativa de se ultrapassar um modelo que não estaria
coerente com as rápidas transformações que acometem o homem contemporâneo.
Parece que estamos vivenciando o intervalo entre a queda de padrões
tradicionais e rígidos e a construção de novos modelos de casamento.
2.4.1.
O lobolo como um exemplo
O lobolo tinha
suas raízes na forma de organização das sociedades tradicionais, a partir das
quais a família desempenhava um importante
papel nas relações sociais e na produção económica do colectivo, tendo como
eixo principal a produção familiar. Assim, o casamento constituía uma
instituição significativa porque era por ele que se garantia a produção
agrícola e a geração da descendência. Nesse sentido, as mulheres cumpriam um
papel central nessas sociedades. O matrimónio, portanto, representava um acordo
realizado entre dois grupos familiares sob jurisdição do chefe de linhagem, mas
a saída de uma das mulheres da família para o casamento exigia, da família do
noivo, uma compensação que deveria ser paga à família da noiva, sendo essa
quantia utilizada posteriormente para o casamento de seu irmão. Junod explica
que nessas sociedades o casamento não tinha um carácter individual, e por isso
se constituía em uma aliança assumida entre as duas famílias, que, para reparar
a perda de um dos seus membros, recebia uma compensação (SANTANA, 2009).
O governo,
visando a superação dessa forma de união, passou a incentivar o casamento civil
fundando o Palácio dos Casamentos – onde deveriam se realizar as cerimónias do matrimónio,
assim como passou a apoiar realização de festas de casamentos colectivos.
Entretanto, apesar de o lobolo ser condenado e perseguido neste governo, sua
prática não foi abolida. Ao contrário, houve um recrudescimento (SANTANA,
2009).
3.
Considerações finais
O Género é um
conceito poderoso que, acima de tudo, desmascara as construções sociais a
respeito do feminino e do masculino. Falar de género implica em
questionar por que às mulheres é atribuído um instinto maternal, e ao homens o
instinto machista. Para tal, é preciso compreender que homens e mulheres
são diferentes biologicamente. As funções de papéis também sempre foram. Compreender
género, as diferenças que se transformam em desigualdades, onde o poder é
assimétrico é uma forma de lutar contra a própria desigualdade. Sabemos que
através da história a mulher teve diferentes participações no trabalho, nas
decisões políticas que modificaram-se com o tempo devido a interesses que
muitas vezes não eram os seus. A escola pode ser um instrumento de divulgação
dos ideais feministas pois se formos a fundo perceberemos que em menor grau a
opressão não se faz só a ela. Existe também a opressão contra o homem que
precisa sempre ter uma postura que se enquadre nos ideais do género masculino.
4.
Referências bibliográficas
CECCARELLI,
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