quinta-feira, 28 de julho de 2016

Relações de Género

Índice



1. Introdução

Este tema pretende debater em torno das construções sociais, culturais, políticas, económicas e históricas das diferenças entre homens e mulheres. O tema objectiva, inclusive, fazer uma desconstrução e discussão de posicionamentos sobre a masculinidade e feminilidade (o que é ser homem ou mulher, macho ou fêmea). Com o tema pretende-se ainda dar ao estudante um contributo na formação íntegra da personalidade humana, de seus valores, nos quais a noção de género e sexualidade são parte integrante e igualmente importante. Por isso e muito mais, julgamos premente discutirem-se as questões relativas ao género e sexualidades, das desigualdades e estereótipos, dos conceitos e preconceitos no âmbito sócio educacional.

1.1 Objectivos

Geral:
§  Compreender as dimensões relacionadas com a área social e cultural sobre o género.
Específicos:

·         Descrever a forma como ocorrem os conflitos sociais na construção da identidade de Género;

§  Explicar as questões relacionadas com género e práticas culturais bem como a construção sociocultural do género na sociedade moçambicana;
§  Analisar as questões relacionadas com género e práticas culturais.

1.2 Metodologia

Para a realização do trabalho cingimo-nos em fazer uma pesquisa bibliográfica feita a partir do de consultas de livros, artigos e manuais que abordam questões relacionadas com género e sexualidade.


2. Relações de Género

2.1 Género e Práticas Culturais

Por todos os lados ouvimos que somos uma sociedade de cabras machos, de cabras da peste. Mas o que é ser macho? Através de que traços nós delineamos e definimos o perfil de um macho? Como podemos saber que a pessoa que está a nossa frente é um macho de verdade? Talvez possamos encontrar esta verdade do macho observando o seu corpo. Corpo que não deve deixar escapar nenhum gesto, nenhuma atitude, nenhum traço que possa ser definidos como femininos (JÚNIOR, 2010:23).
Corpo onde se ressaltem pelos, músculos, que transpareçam força e potência. Mas, talvez, a verdade do macho esteja em seu comportamento, em seus gestos, em sua maneira de ser. Um macho que se preze é agressivo na vida e com as pessoas, caracteriza-se pela vontade de poder, de domínio, exige subordinados e subordinações, notadamente das mulheres. Um macho não deixa transparecer publicamente suas emoções e, acima de tudo, não chora, não demonstra franquezas, vacilações, incertezas (JÚNIOR, idem).
Um macho tem opiniões firmes e incontestáveis, tem uma só palavra, não aceita ser contrariado ou contestado, notadamente por mulheres. Um macho não adoece, não tem fragilidades nem físicas, nem emocionais, frescuras. Um macho sempre sabe o que faz, aonde quer chegar e ai daquele que se colocar em seu caminho. Um macho é um ser competitivo, está sempre disputando com outros machos a posse das coisas e das pessoas. Um macho é objectivo, racional, até frio e cruel, calculista, não se deixando levar por sentimentos. Um macho é desleixado, sem vaidade, é um homem natural, sem artifício, sem polidez. Talvez seja difícil alguém conseguir se enquadrar completamente neste perfil tão exigente e rigoroso (JÚNIOR, ibidem).
Mas este perfil que, traçado assim, pode parecer risível, quando não ridículo, compõe-se de uma série de traços, actualiza uma série de enunciados e imagens, remete para valores que fragmentariamente circulam em nossa sociedade e são elementos de nossas práticas e formas culturais, dando origem a acções e formas de pensamento que continuam sendo constitutivas da produção de subjectividades, da produção das identidades de sujeitos (JÚNIOR, ibidem).
Numa sociedade que tem como um de seus traços marcantes o de ser pensada no masculino e para o masculino. Por isso, sabermos como se pensa o masculino, como esse se define é fundamental para entendermos a própria sociedade deste tempo e deste espaço em que vivemos.
Que implicações sociais, políticas ou cultural o facto da centralidade do masculino traz para as sociedades? Que consequências esta centralidade do masculino tem para os próprios homens e para as mulheres? O que significa esta centralidade? O que nela está implicado? Seria possível descentrar o masculino? Se isto ocorresse, teríamos a centralidade do feminino? O que isto poderia significar? Seria esta a solução para muitos dos problemas sociais que enfrentamos? São estas questões que tentarei abordar aqui hoje (JÚNIOR, ibidem).
A violência dos homens contra as mulheres é apenas uma das faces das várias formas de violência que constituem uma subjectividade masculina (JÚNIOR, 2010:29).
Violentado para se tornar homem, poderá retornar esta violência em forma de agressão aos outros, preferencialmente contra os mais fracos, crianças e mulheres, já que aprendeu a desconfiar da fraqueza, a ter horror da fragilidade, a se irritar com elas. 
Os homens devem, antes de mais nada, ser convencidos de que redefinir o masculino é uma necessidade e uma urgência para os próprios homens. Estes devem lançar fora o fardo que a forma de definir a masculinidade, ainda hegemónica, traz para os próprios homens, as perdas e danos que essa acarreta (JÚNIOR, idem, p. 31).
Devemos, enquanto homens, repensar os custos físicos, emocionais, psicológicos e afectivos de continuarmos sendo definidos como somos ainda hoje. Devemos avaliar os custos de sermos definidos como o provedor, o responsável exclusivo pelo sustento da família, traço já bastante desgastado pela ida das mulheres para o mercado de trabalho, mas que ainda apoia e sustenta a incúria masculina no que se refere às actividades domésticas, ao partilhamento de todas as tarefas com as mulheres. Devemos avaliar os custos de sermos definidos como o sexo forte, aquele que é responsável por todas as actividades que exigem esforço físico e que envolvem alto risco. Devemos questionar a imagem do próprio corpo masculino visto como forte, como mais resistente, como mais apto para realizar as tarefas mais penosas. Devemos avaliar os custos de sermos responsabilizados pela protecção de todo grupo familiar, de sermos definidos como o chefe do lar, o dono da casa, aquele que deve se expor para defender qualquer membro da família em uma situação de perigo (JÚNIOR, ibidem).
Por que não partilharmos com as mulheres essas actividades? Por que não transferirmos para as máquinas ou para dadas instituições essas actividades que ameaçam a vida?
Devemos avaliar o que acarreta nos abstermos de cuidar dos filhos, das crianças, o que significa abrirmos mão da paternagem, do direito de ser pai. É urgente a luta para que, inclusive juridicamente, os homens tenham os mesmos direitos das mulheres no que tange aos filhos, quando advém uma separação (JÚNIOR, ibidem).
Devemos, principalmente, abrir-nos para aprender com o outro, para avaliar a positividade do diferente, do feminino. As mulheres podem contribuir decisivamente para a mudança do masculino, modificando inclusive a imagem de masculino que desejam, que reclamam, que requerem. As mulheres podem começar a mudar os homens mudando o masculino que as habita, o masculino que veicula e expressa em dadas situações, em dados gestos, comportamentos e discursos. É preciso deixarmos de ser machos ou fêmeas para sermos melhores seres humanos (JÚNIOR, ibidem).

2.2 Construção sociocultural do género na sociedade moçambicana (em algumas etnias Moçambique)

A condição da mulher africana tem sido frequentemente estudada. A definição do seu papel sociocultural e político assumiu diferentes contornos, ao longo da história colonial, e do período pós-colonial. “Género” e “raça”, enquanto construções sustentadas e sustentadoras do conceito de alteridade, têm delineado diferentes protagonismos da mulher em África: submissa ou interventiva em contextos tradicionais distintos; trabalhadora rural ou urbana; profissional liberal; dirigente política. Todos estes contextos e condições sociais, culturais e económicas são veiculados por diferentes vozes interpretativas e práticas discursivas. “Género” e “raça” assumem, deste modo, uma plasticidade resultante de processos de construção e de reconstrução conceptual, que emergem de realidades culturais, sociais e políticas particulares (TEIXEIRA, s/d, p. 5077).
A definição do papel sociocultural e político da mulher moçambicana assumiu diferentes contornos, ao longo da história colonial, e do período pós-colonial. “Género” e “raça” revelam, deste modo, uma plasticidade resultante de processos de construção e de reconstrução conceptual, que emergem de cenários culturais, sociais e políticos particulares, veiculados por diferentes práticas discursivas (TEIXEIRA, s/d, idem, p. 5077).
As províncias do Norte, com predomínio do grupo étnico Macua, e do centro de Moçambique (Tete, Zambézia, Sofala e Manica) são essencialmente matrilineares. O matriarcado determina que os casais coabitem no terreno herdado pela mulher, e que as crianças mantenham o nome do clã materno (PITCHER, 1996: 82 citado por TEIXEIRA, s/d). Contrastivamente, nas regiões do Sul – Gaza, Inhambane e Maputo – a organização familiar patrilinear é dominante, fazendo-se a sucessão por linha paterna.
A complexidade do conceito de género fez emergir a necessidade de contextualizar aspectos da realidade de países mais pobres e endémicos quanto à aids, nos quais se inclui Moçambique. Especificamente no norte do país, as mulheres são submetidas a rituais socioculturais após a menarca, onde são instruídas à submissão total ao parceiro masculino, à obediência e cumprimento das vontades sexuais do homem.
Outra situação de natureza sociocultural também acontece no centro e sul do país, onde a viúva deve aceitar fazer sexo sem protecção com um cunhado para sua purificação, prática denominada pitakufa/kudjinga.
Trata-se de prática tradicional moçambicana: quando o marido morre, a viúva deve fazer sexo não protegido com o cunhado para purificá-la. Se o acto for recusado pela viúva, ela pode perder os bens da família, retirados pelos familiares do falecido. Esse fenómeno social reveste-se de muitos riscos em contextos de disseminação de HIV/aids e das infecções de transmissão sexual
No caso concreto de relações sociais de género, a consolidação de elementos estruturantes, como o lobolo, pode levar à ocultação dos sinais formais da desigualdade, sem que essa, contudo, seja posta em causa. O lobolo é o pagamento simbólico efectuado no casamento aos pais da noiva, prática comum no sul de Moçambique, podendo ser pago em dinheiro, gado ou outro bem material que a família da noiva determine. No caso da separação do casal, o marido fica desobrigado de apoios financeiros, pois já teria arcado com despesas do lobolo antes do casamento. Isso revela que, embora do ponto de vista político e da Constituição moçambicana tenha sido possível dar ênfase à igualdade de género por meio da convocação da mulher à participação política, o papel social feminino permanece limitado pelo modelo androcrático, no qual a dominação masculina ainda prevalece (ESTAVELA & SEIDL, 2015:571).
Ademais, a mulher perde o poder de decidir sobre a sua saúde sexual e reprodutiva, de usufruir de direitos e deveres consagrados em vários instrumentos internacionais e nacionais. O mais complicado no caso de Moçambique é que muitas vezes o marido é quem decide se a esposa deve ir ou não ao hospital caso ela esteja doente. Em contextos de gravidez, é a sogra e a cunhada que têm o poder de decidir se a nora deve ter o parto no hospital ou em casa, por exemplo (ESTAVELA & SEIDL, idem).

2.3 Conflitos sociais na construção da identidade de Género

Ao vivermos em sociedade, as questões de género envolvem-nos sem nos darmos conta. Partilhamos maneiras de agir e de pensar com pessoas do mesmo sexo.
Actualmente continua a existir uma certa confusão na utilização do termo género. Em alguns casos, indiscriminadamente, a palavra substitui e/ou confunde-se com a palavra sexo, outras vezes é sinónimo de mulher ou até mesmo de feminismo.
Ainda que a sua base seja a mesma – a realidade biológica do ser humano, sexo e género não são sinónimos pois, segundo Ferreira (2002:75) “descrevem aspectos diferentes dessa mesma realidade, a nível dos comportamentos.” Enquanto a identidade de sexo, na perspectiva das Ciências Biológicas, incide sobre os traços genéticos diferenciados de cada sexo, a identidade de género, perspectivada no âmbito das Ciências Sociais, incide sobre uma identidade psicossocial que assenta nos diferentes comportamentos, atitudes, crenças e valores que a sociedade considera apropriados em função do sexo biológico (idem).
Desde que nascemos, estamos sujeitos a um tratamento social diferenciado segundo o nosso género.
Para Rodrigues (2003), os estereótipos referem-se “às expectativas e crenças partilhadas acerca de comportamentos apropriados e características para homens e mulheres numa dada sociedade.” (p.24).
Género é assim, “a representação de padrões culturais que, como tal, não são estáticos e, não podendo, por isso, ter uma definição definitiva, estão em permanente mutação”. (Ferreira, 2002, pp.79-80).
Contudo, a representação de comportamentos masculinos e femininos expressa, fundamentalmente, um padrão de estereótipos frequentemente inflexível, compulsivo e persistente. Ou seja, o conceito de papel de género diz respeito a características que a própria pessoa não pode controlar mas que lhe são atribuídas porque se encontra imersa num contexto social construído em conformidade com os sexos biológicos.
“Os estereótipos veiculados numa sociedade e o grau de adesão dos indivíduos mostram que essas representações «prontas a usar», por vezes caricaturais, que temos de nós próprios ajudam a forjar a nossa identidade e têm efeitos nos nossos comportamentos.” (Angers, 2003, p.89).
Assim, ao identificarem-se social e culturalmente como masculinos ou femininos os indivíduos constroem a sua identidade de género.
Esta é “uma espécie de autoconstrução, simultaneamente singular e colectiva, [onde] a participação num determinado género (…) dá forma aos sentimentos e às cognições de cada indivíduo pelo facto se ser homem ou de ser mulher.” (Ferreira, 2002, p.80).
O medo e a insegurança são evitados a qualquer preço, cedo se ensina aos meninos que, através do sucesso e dos ganhos permitidos pelas conquistas sexuais e pelo trabalho, sua identidade masculina, nos moldes do que é esperado convencionalmente, poderá ser alcançada a contento. Desse panorama, constrói-se a ideia de que os homens só se sentem homens quando realizam actividades externas a si mesmos, que não exijam intimidade, interiorização e afectividade (FILHO, 2012:188).
Entretanto, os meninos, em sua maioria, passam a ser criados para assumir comportamentos intimistas que favoreçam a discrição quanto aos seus problemas e dificuldades, na mesma medida em que são estimulados a serem contundentes quanto aos seus méritos e vitórias amorosas ou profissionais, mesmo que sejam tais narrativas frutos de suas prodigiosas imaginações ou desejos (FILHO, idem).
A descaracterização de um género que fosse concebido estaticamente como sendo só masculino ou só feminino, e a de uma linguagem formulada enquanto neutra na construção de seus significados, foram duas batalhas que se iniciaram no século XIX e se perpetuaram ao longo do século XX, corporificando-se através das lutas sociais empreendidas pelas ditas minorias preocupadas em acabar com a hegemonia branca, masculina, heterossexual e monogâmica, entronizada como sendo o grande parâmetro no qual todos os demais grupos periféricos deveriam se esforçar para se enquadrar, em um trabalho de mutilação das diferenças e das peculiaridades que constituem o humano (CAMPOS, 2001, p.7-16).

2.4 Quadro legal para a igualdade de género e não descriminação em Moçambique

         Constituição da República (Artigo 67);
         Política de Género e Estratégia de Implementação;
         Plano Nacional para o avanço da Mulher;
         Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência contra a Mulher;
         Programa Quinquenal do Governo;
         Plano de Acção para Redução da Pobreza - PARP;
         Estratégia de Género da Função Pública;
         Lei dos Órgãos Locais de Estado;
         Lei de Terras;
         Estratégias Sectoriais para a Promoção da IGEM.


3. Conclusões

Compreendeu-se que a proposta desse tema foi no sentido de se promoverem debates, reflexões críticas no campo social e da educação em torno das desigualdades de género, bem como discutir e aprofundar os temas relativos às sexualidades, especialmente no que diz respeito à construção das identidades sexuais e de género no âmbito escolar. A nosso ver, trata-se, da necessidade de discutir as relações de poder que se estabelecem socialmente, a partir de concepções naturalizadas em torno das masculinidades e feminilidades.

4. Referências bibliográficas

ANGERS, M. (2003). A sociologia e o conhecimento de si. Lisboa: Instituto Piaget.
ESTAVELA, A. J. & SEIDL, E. M. F. (2015). Vulnerabilidades de género, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/psoc/v27n3/1807-0310-psoc-27-03-00569.pdf>; Acesso no dia 12-05-2016 às 12:07.
FERREIRA, A. (2002). Desigualdades de Género no Actual Sistema Educativo Português. Coimbra: Quarteto Editora.
FILHO, Francisco Maciel Silveira. (2012). Conflitos na Construção de Identidades de Género: A Pedagogia Sexual viabilizada por Práticas Discursivas, Mediáticas e Publicitárias. Revista Litteris – ISSN: 19837429. n. 9 - Março 2012. Disponível em: <revistaliter.dominiotemporario.com/.../Midia,_Discurso_e_Publicidade_2>; acesso no dia 12-05-2016 às 14:25.
JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque. (2010). Máquina de fazer machos: género e práticas culturais, desafio para o encontro das diferenças. In: NUNES et al., (2010). Género e práticas culturais: Desafios históricos e saberes interdisciplinares. Campina Grande-PB. 21. ed. CDD. Editora filiada a ABEU. Disponível em: <books.scielo.org/id/tg384/pdf/machado-9788578791193.pdf>; Acesso no dia 12-05-2016 às 10:15.
RODRIGUES, P. (2003). Questões de género na infância. Lisboa: Instituto Piaget.
TEIXEIRA, Ana Luísa. (s/d). “A construção sociocultural de ‘género’ e ‘raça’ em Moçambique: continuidade e ruptura nos períodos colonial e pós-colonial”. Disponível em: <conferencias.ulusofona.pt/index.php/sopcom_iberico/sopcom>; Acesso no dia 12-05-2016 às 11:46.


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