Relações de Género
Índice
1. Introdução
Este tema pretende debater em
torno das construções sociais, culturais, políticas, económicas e históricas
das diferenças entre homens e mulheres. O tema objectiva, inclusive, fazer uma
desconstrução e discussão de posicionamentos sobre a masculinidade e feminilidade
(o que é ser homem ou mulher, macho ou fêmea). Com o tema pretende-se ainda dar
ao estudante um contributo na formação íntegra da personalidade humana, de seus
valores, nos quais a noção de género e sexualidade são parte integrante e
igualmente importante. Por isso e muito mais, julgamos premente discutirem-se
as questões relativas ao género e sexualidades, das desigualdades e
estereótipos, dos conceitos e preconceitos no âmbito sócio educacional.
1.1 Objectivos
Geral:
§
Compreender as dimensões relacionadas com a área
social e cultural sobre o género.
Específicos:
·
Descrever
a forma como ocorrem os conflitos sociais na
construção da identidade de Género;
§ Explicar
as questões relacionadas com género e práticas culturais bem como a construção sociocultural
do género na sociedade moçambicana;
§ Analisar
as questões relacionadas com género e práticas culturais.
1.2 Metodologia
Para a
realização do trabalho cingimo-nos em fazer uma pesquisa bibliográfica feita a
partir do de consultas de livros, artigos e manuais que abordam questões
relacionadas com género e sexualidade.
2. Relações de Género
2.1 Género e Práticas Culturais
Por todos os lados ouvimos que somos uma sociedade de cabras
machos, de cabras da peste. Mas o que é ser macho? Através de que traços nós
delineamos e definimos o perfil de um macho? Como podemos saber que a pessoa
que está a nossa frente é um macho de verdade? Talvez possamos encontrar esta
verdade do macho observando o seu corpo. Corpo que não deve deixar escapar
nenhum gesto, nenhuma atitude, nenhum traço que possa ser definidos como
femininos (JÚNIOR, 2010:23).
Corpo onde se ressaltem pelos, músculos, que transpareçam
força e potência. Mas, talvez, a verdade do macho esteja em seu comportamento,
em seus gestos, em sua maneira de ser. Um macho que se preze é agressivo na
vida e com as pessoas, caracteriza-se pela vontade de poder, de domínio, exige
subordinados e subordinações, notadamente das mulheres. Um macho não deixa
transparecer publicamente suas emoções e, acima de tudo, não chora, não
demonstra franquezas, vacilações, incertezas (JÚNIOR, idem).
Um macho tem opiniões firmes e incontestáveis, tem uma só palavra,
não aceita ser contrariado ou contestado, notadamente por mulheres. Um macho
não adoece, não tem fragilidades nem físicas, nem emocionais, frescuras. Um
macho sempre sabe o que faz, aonde quer chegar e ai daquele que se colocar em
seu caminho. Um macho é um ser competitivo, está sempre disputando com outros
machos a posse das coisas e das pessoas. Um macho é objectivo, racional, até
frio e cruel, calculista, não se deixando levar por sentimentos. Um macho é
desleixado, sem vaidade, é um homem natural, sem artifício, sem polidez. Talvez
seja difícil alguém conseguir se enquadrar completamente neste perfil tão
exigente e rigoroso (JÚNIOR, ibidem).
Mas este perfil que, traçado assim, pode parecer risível,
quando não ridículo, compõe-se de uma série de traços, actualiza uma série de
enunciados e imagens, remete para valores que fragmentariamente circulam em
nossa sociedade e são elementos de nossas práticas e formas culturais, dando
origem a acções e formas de pensamento que continuam sendo constitutivas da
produção de subjectividades, da produção das identidades de sujeitos (JÚNIOR, ibidem).
Numa sociedade que tem como um de seus traços marcantes o de
ser pensada no masculino e para o masculino. Por isso, sabermos como se pensa o
masculino, como esse se define é fundamental para entendermos a própria
sociedade deste tempo e deste espaço em que vivemos.
Que implicações sociais, políticas ou cultural o facto da
centralidade do masculino traz para as sociedades? Que consequências esta
centralidade do masculino tem para os próprios homens e para as mulheres? O que
significa esta centralidade? O que nela está implicado? Seria possível
descentrar o masculino? Se isto ocorresse, teríamos a centralidade do feminino?
O que isto poderia significar? Seria esta a solução para muitos dos problemas
sociais que enfrentamos? São estas questões que tentarei abordar aqui hoje (JÚNIOR,
ibidem).
A violência dos homens contra as mulheres é apenas uma das
faces das várias formas de violência que constituem uma subjectividade
masculina (JÚNIOR, 2010:29).
Violentado para se tornar homem, poderá retornar esta violência
em forma de agressão aos outros, preferencialmente contra os mais fracos,
crianças e mulheres, já que aprendeu a desconfiar da fraqueza, a ter horror da
fragilidade, a se irritar com elas.
Os homens devem, antes de mais nada, ser convencidos de que
redefinir o masculino é uma necessidade e uma urgência para os próprios homens.
Estes devem lançar fora o fardo que a forma de definir a masculinidade, ainda
hegemónica, traz para os próprios homens, as perdas e danos que essa acarreta (JÚNIOR,
idem, p. 31).
Devemos, enquanto homens, repensar os custos físicos,
emocionais, psicológicos e afectivos de continuarmos sendo definidos como somos
ainda hoje. Devemos avaliar os custos de sermos definidos como o provedor, o
responsável exclusivo pelo sustento da família, traço já bastante desgastado
pela ida das mulheres para o mercado de trabalho, mas que ainda apoia e
sustenta a incúria masculina no que se refere às actividades domésticas, ao
partilhamento de todas as tarefas com as mulheres. Devemos avaliar os custos de
sermos definidos como o sexo forte, aquele que é responsável por todas as
actividades que exigem esforço físico e que envolvem alto risco. Devemos
questionar a imagem do próprio corpo masculino visto como forte, como mais
resistente, como mais apto para realizar as tarefas mais penosas. Devemos
avaliar os custos de sermos responsabilizados pela protecção de todo grupo
familiar, de sermos definidos como o chefe do lar, o dono da casa, aquele que
deve se expor para defender qualquer membro da família em uma situação de
perigo (JÚNIOR, ibidem).
Por que não partilharmos com as mulheres essas actividades?
Por que não transferirmos para as máquinas ou para dadas instituições essas
actividades que ameaçam a vida?
Devemos avaliar o que acarreta nos abstermos de cuidar dos
filhos, das crianças, o que significa abrirmos mão da paternagem, do direito de
ser pai. É urgente a luta para que, inclusive juridicamente, os homens tenham
os mesmos direitos das mulheres no que tange aos filhos, quando advém uma separação
(JÚNIOR, ibidem).
Devemos, principalmente, abrir-nos para aprender com o
outro, para avaliar a positividade do diferente, do feminino. As mulheres podem
contribuir decisivamente para a mudança do masculino, modificando inclusive a
imagem de masculino que desejam, que reclamam, que requerem. As mulheres podem
começar a mudar os homens mudando o masculino que as habita, o masculino que
veicula e expressa em dadas situações, em dados gestos, comportamentos e
discursos. É preciso deixarmos de ser machos ou fêmeas para sermos melhores
seres humanos (JÚNIOR, ibidem).
2.2 Construção sociocultural do
género na sociedade moçambicana (em algumas etnias Moçambique)
A condição da mulher africana tem sido frequentemente
estudada. A definição do seu papel sociocultural e político assumiu diferentes
contornos, ao longo da história colonial, e do período pós-colonial. “Género” e
“raça”, enquanto construções sustentadas e sustentadoras do conceito de
alteridade, têm delineado diferentes protagonismos da mulher em África: submissa
ou interventiva em contextos tradicionais distintos; trabalhadora rural ou
urbana; profissional liberal; dirigente política. Todos estes contextos e
condições sociais, culturais e económicas são veiculados por diferentes vozes
interpretativas e práticas discursivas. “Género” e “raça” assumem, deste modo,
uma plasticidade resultante de processos de construção e de reconstrução
conceptual, que emergem de realidades culturais, sociais e políticas
particulares (TEIXEIRA, s/d, p. 5077).
A definição do papel sociocultural e político da mulher
moçambicana assumiu diferentes contornos, ao longo da história colonial, e do
período pós-colonial. “Género” e “raça” revelam, deste modo, uma plasticidade
resultante de processos de construção e de reconstrução conceptual, que emergem
de cenários culturais, sociais e políticos particulares, veiculados por
diferentes práticas discursivas (TEIXEIRA, s/d, idem, p. 5077).
As províncias do Norte, com predomínio do grupo étnico
Macua, e do centro de Moçambique (Tete, Zambézia, Sofala e Manica) são
essencialmente matrilineares. O matriarcado determina que os casais coabitem no
terreno herdado pela mulher, e que as crianças mantenham o nome do clã materno
(PITCHER, 1996: 82 citado por TEIXEIRA, s/d). Contrastivamente, nas regiões do
Sul – Gaza, Inhambane e Maputo – a organização familiar patrilinear é
dominante, fazendo-se a sucessão por linha paterna.
A complexidade do conceito de género fez emergir a
necessidade de contextualizar aspectos da realidade de países mais pobres e
endémicos quanto à aids, nos quais se inclui Moçambique. Especificamente no
norte do país, as mulheres são submetidas a rituais socioculturais após a menarca,
onde são instruídas à submissão total ao parceiro masculino, à obediência e
cumprimento das vontades sexuais do homem.
Outra situação de natureza sociocultural também acontece no
centro e sul do país, onde a viúva deve aceitar fazer sexo sem protecção com um
cunhado para sua purificação, prática denominada pitakufa/kudjinga.
Trata-se de prática tradicional moçambicana: quando o marido
morre, a viúva deve fazer sexo não protegido com o cunhado para purificá-la. Se
o acto for recusado pela viúva, ela pode perder os bens da família, retirados
pelos familiares do falecido. Esse fenómeno social reveste-se de muitos riscos
em contextos de disseminação de HIV/aids e das infecções de transmissão sexual
No caso concreto de relações sociais de género, a
consolidação de elementos estruturantes, como o lobolo, pode levar à ocultação
dos sinais formais da desigualdade, sem que essa, contudo, seja posta em causa.
O lobolo é o pagamento simbólico efectuado no casamento aos pais da noiva,
prática comum no sul de Moçambique, podendo ser pago em dinheiro, gado ou outro
bem material que a família da noiva determine. No caso da separação do casal, o
marido fica desobrigado de apoios financeiros, pois já teria arcado com
despesas do lobolo antes do casamento. Isso revela que, embora do ponto de
vista político e da Constituição moçambicana tenha sido possível dar ênfase à
igualdade de género por meio da convocação da mulher à participação política, o
papel social feminino permanece limitado pelo modelo androcrático, no qual a
dominação masculina ainda prevalece (ESTAVELA & SEIDL, 2015:571).
Ademais, a mulher perde o poder de decidir sobre a sua saúde
sexual e reprodutiva, de usufruir de direitos e deveres consagrados em vários
instrumentos internacionais e nacionais. O mais complicado no caso de
Moçambique é que muitas vezes o marido é quem decide se a esposa deve ir ou não
ao hospital caso ela esteja doente. Em contextos de gravidez, é a sogra e a
cunhada que têm o poder de decidir se a nora deve ter o parto no hospital ou em
casa, por exemplo (ESTAVELA & SEIDL, idem).
2.3 Conflitos sociais na construção
da identidade de Género
Ao vivermos em sociedade, as questões de género envolvem-nos
sem nos darmos conta. Partilhamos maneiras de agir e de pensar com pessoas do mesmo
sexo.
Actualmente continua a existir uma certa confusão na
utilização do termo género. Em alguns casos, indiscriminadamente, a palavra
substitui e/ou confunde-se com a palavra sexo, outras vezes é sinónimo de
mulher ou até mesmo de feminismo.
Ainda que a sua base seja a mesma – a realidade biológica do
ser humano, sexo e género não são sinónimos pois, segundo Ferreira (2002:75)
“descrevem aspectos diferentes dessa mesma realidade, a nível dos
comportamentos.” Enquanto a identidade de sexo, na perspectiva das Ciências
Biológicas, incide sobre os traços genéticos diferenciados de cada sexo, a
identidade de género, perspectivada no âmbito das Ciências Sociais, incide
sobre uma identidade psicossocial que assenta nos diferentes comportamentos,
atitudes, crenças e valores que a sociedade considera apropriados em função do
sexo biológico (idem).
Desde que nascemos, estamos sujeitos a um tratamento social
diferenciado segundo o nosso género.
Para Rodrigues (2003), os estereótipos referem-se “às
expectativas e crenças partilhadas acerca de comportamentos apropriados e
características para homens e mulheres numa dada sociedade.” (p.24).
Género é assim, “a representação de padrões culturais que,
como tal, não são estáticos e, não podendo, por isso, ter uma definição
definitiva, estão em permanente mutação”. (Ferreira, 2002, pp.79-80).
Contudo, a representação de comportamentos masculinos e
femininos expressa, fundamentalmente, um padrão de estereótipos frequentemente
inflexível, compulsivo e persistente. Ou seja, o conceito de papel de género
diz respeito a características que a própria pessoa não pode controlar mas que
lhe são atribuídas porque se encontra imersa num contexto social construído em
conformidade com os sexos biológicos.
“Os estereótipos veiculados numa sociedade e o grau de
adesão dos indivíduos mostram que essas representações «prontas a usar», por
vezes caricaturais, que temos de nós próprios ajudam a forjar a nossa
identidade e têm efeitos nos nossos comportamentos.” (Angers, 2003, p.89).
Assim, ao identificarem-se social e culturalmente como
masculinos ou femininos os indivíduos constroem a sua identidade de género.
Esta é “uma espécie de autoconstrução, simultaneamente
singular e colectiva, [onde] a participação num determinado género (…) dá forma
aos sentimentos e às cognições de cada indivíduo pelo facto se ser homem ou de
ser mulher.” (Ferreira, 2002, p.80).
O medo e a insegurança são evitados a qualquer preço, cedo
se ensina aos meninos que, através do sucesso e dos ganhos permitidos pelas conquistas
sexuais e pelo trabalho, sua identidade masculina, nos moldes do que é esperado
convencionalmente, poderá ser alcançada a contento. Desse panorama, constrói-se
a ideia de que os homens só se sentem homens quando realizam actividades
externas a si mesmos, que não exijam intimidade, interiorização e afectividade
(FILHO, 2012:188).
Entretanto, os meninos, em sua maioria, passam a ser criados
para assumir comportamentos intimistas que favoreçam a discrição quanto aos
seus problemas e dificuldades, na mesma medida em que são estimulados a serem
contundentes quanto aos seus méritos e vitórias amorosas ou profissionais,
mesmo que sejam tais narrativas frutos de suas prodigiosas imaginações ou
desejos (FILHO, idem).
A descaracterização de um género que fosse concebido
estaticamente como sendo só masculino ou só feminino, e a de uma linguagem
formulada enquanto neutra na construção de seus significados, foram duas
batalhas que se iniciaram no século XIX e se perpetuaram ao longo do século XX,
corporificando-se através das lutas sociais empreendidas pelas ditas minorias
preocupadas em acabar com a hegemonia branca, masculina, heterossexual e
monogâmica, entronizada como sendo o grande parâmetro no qual todos os demais
grupos periféricos deveriam se esforçar para se enquadrar, em um trabalho de
mutilação das diferenças e das peculiaridades que constituem o humano (CAMPOS,
2001, p.7-16).
2.4 Quadro
legal para a igualdade de género e não descriminação em Moçambique
•
Constituição
da República (Artigo 67);
•
Política de
Género e Estratégia de Implementação;
•
Plano
Nacional para o avanço da Mulher;
•
Plano
Nacional de Prevenção e Combate a Violência contra a Mulher;
•
Programa
Quinquenal do Governo;
•
Plano de
Acção para Redução da Pobreza - PARP;
•
Estratégia
de Género da Função Pública;
•
Lei dos
Órgãos Locais de Estado;
•
Lei de
Terras;
•
Estratégias
Sectoriais para a Promoção da IGEM.
3. Conclusões
Compreendeu-se que a proposta
desse tema foi no sentido de se promoverem debates, reflexões críticas no campo
social e da educação em torno das desigualdades de género, bem como discutir e
aprofundar os temas relativos às sexualidades, especialmente no que diz
respeito à construção das identidades sexuais e de género no âmbito escolar. A
nosso ver, trata-se, da necessidade de discutir as relações de poder que se
estabelecem socialmente, a partir de concepções naturalizadas em torno das
masculinidades e feminilidades.
4. Referências bibliográficas
ANGERS, M. (2003). A sociologia e o conhecimento de si.
Lisboa: Instituto Piaget.
ESTAVELA, A. J. & SEIDL, E. M. F. (2015).
Vulnerabilidades de género, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/psoc/v27n3/1807-0310-psoc-27-03-00569.pdf>; Acesso no dia 12-05-2016 às 12:07.
FERREIRA, A. (2002). Desigualdades de Género no Actual Sistema
Educativo Português. Coimbra: Quarteto Editora.
FILHO, Francisco Maciel Silveira. (2012). Conflitos na
Construção de Identidades de Género: A Pedagogia Sexual viabilizada por
Práticas Discursivas, Mediáticas e Publicitárias. Revista Litteris – ISSN: 19837429.
n. 9 - Março 2012. Disponível em: <revistaliter.dominiotemporario.com/.../Midia,_Discurso_e_Publicidade_2>;
acesso no dia 12-05-2016 às 14:25.
JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque. (2010). Máquina de
fazer machos: género e práticas culturais, desafio para o encontro das
diferenças. In: NUNES et al., (2010).
Género e práticas culturais: Desafios históricos e saberes interdisciplinares. Campina
Grande-PB. 21. ed. CDD. Editora filiada a ABEU. Disponível em: <books.scielo.org/id/tg384/pdf/machado-9788578791193.pdf>; Acesso no
dia 12-05-2016 às 10:15.
RODRIGUES, P. (2003). Questões de género na infância.
Lisboa: Instituto Piaget.
TEIXEIRA, Ana Luísa. (s/d). “A construção sociocultural de
‘género’ e ‘raça’ em Moçambique: continuidade e ruptura nos períodos colonial e
pós-colonial”. Disponível em: <conferencias.ulusofona.pt/index.php/sopcom_iberico/sopcom>; Acesso no dia 12-05-2016 às 11:46.
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