O Desenvolvimento humano nos primeiros 2 anos de vida
O Desenvolvimento humano nos primeiros 2 anos de vida
O desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento sócio-afectivo (apego e desenvolvimento
emocional)
Bibliografia
Partimos do pressuposto que é importante estudar o desenvolvimento humano desde os primeiros meses de vida até ao fim, pois é fundamental saber sobre esse processo.
CONCEITOS:
DESENVOLVIMENTO
Segundo TAKUIT (2008), desenvolvimento é a transformação complexa, continua, dinâmica e progressiva, que inclui além do crescimento, a
maturação, a aprendizagem e os aspectos psíquicos e sociais.
CRIANÇA
O conceito de criança varia de cultura para cultura,
havendo, portanto, em todas as culturas a percepção de que uma criança é
diferente de um adulto. Assim, esta diferença pode ser muito profunda,
consoante as diferentes civilizações que existem, pois a linha que separa uma
criança de um adulto é constituída pelos papéis determinados pela sociedade em
cada momento histórico.
Mas em Moçambique ao abrigo do Art. 1º
da Convenção sobre os Direitos da Criança ratificada por Moçambique através da
Resolução nº 19/90, entende-se por criança “todo
o ser humano menor de dezoito anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for
aplicável, a maioridade for atingida mais cedo”.
Dentro
da faixa etária dos 0 aos 18 anos, em Moçambique é definido o conceito de jovem
como sendo todo o indivíduo moçambicano do grupo etário dos 15 aos 35 anos de
idade (Resolução nº 32/2006). O que significa neste caso que entende-se por
criança, todo o ser humano com idade inferior a 15 anos, e por jovem todo o indivíduo
com idade superior a 15 anos.
As fontes de desenvolvimento da criança
Para que uma criança possa se desenvolver de forma sadia,
precisa de muitos factores. Um desses factores ou fontes de desenvolvimento é o
próprio ambiente envolvente ou onde se encontra a criança (grifos nossos). Na
perspectiva de ZICK (2010) o ambiente possui as fontes necessárias para o
desenvolvimento da criança, bem como apresenta traços humanos específicos que
são característicos do desenvolvimento social.
O ambiente já possui uma forma
apropriada, a qual deve estar em relação com a criança, para que o
desenvolvimento possa ocorrer sem falhas. Se o ambiente não é adequado, se não
há uma interacção da criança com este, então, surge à possibilidade de um
fracasso em algum aspecto do desenvolvimento infantil.
A mesma autora defende que o papel que o ambiente representa
no desenvolvimento infantil varia muito, dependendo da idade da criança.
À
medida que esta se desenvolve, seu ambiente também muda e, consequentemente, a
sua forma de relação com ele também se altera.
Para o bebé, por exemplo, o
mundo que se relaciona imediatamente com ele é um mundo limitado e ligado aos
fenómenos conectados ao seu corpo e aos objectos que o rodeiam.
Depois, com o
passar dos meses, este mundo começa a se ampliar, embora ainda restrito ao
ambiente onde ele vive.
Quando o bebé começa a andar, seu ambiente expande e
novos relacionamentos são formados entre a criança e as pessoas que estão à sua
volta. Nesse momento, o indivíduo começa a descobrir outros ambientes que estão
em sua volta (social, cultural...) (ZICK, idem).
O desenvolvimento psicomotor e controle postural
O desenvolvimento psicomotor
Segundo MORGADO (2007), a psicomotricidade é actualmente uma
ciência que tem como um dos objectivos principais fazer com que o indivíduo
descubra seu próprio corpo em relação ao seu mundo interno e externo, e sua
capacidade de movimento-acção.
Na visão da mesma autora, o papel da psicomotricidade é
auxiliar o individuo a aprender e integrar sua corporeidade, é portanto, a
consciência sobre o movimento, que vai da intencionalidade à sua manifestação.
Assim, o movimento psicomotor é construído pelo individuo, o que exige uma
consciência e um domínio sobre a motricidade. É através da harmonização entre o
psiquismo e a motricidade que se edificarão manifestações efectivas na
descoberta do outro, de si e dos objectos (MORGADO, 2007).
Nos primeiros dois anos de vida, segundo OLIVEIRA (2007)
essa é uma fase que é denominada pela experiência vivida pela criança que
incessantemente explora o meio em que vive. Ela amplia suas experiências, passa
pouco a pouco a se diferenciar do seu meio ambiente, tem uma necessidade muito grande
de movimentação.
Ainda na visão do mesmo autor, esta é uma fase em que adquire
o conhecimento das partes do seu corpo. “No
final desta fase pode-se falar em imagem do corpo, pois o “eu” se torna unificado
e individualizado”.
Segundo a autora MATEUS (2012) refere que da primeira semana
de nascimento até aos 12 meses de vida, a criança:
- Vira para um lado;
- Vira para ambos os lados;
- Segura-se com apoio;
- Desencosta o queixo da superfície de contacto;
- Tem um bom controlo em decúbito ventral;
- Tem também um bom controlo em decúbito dorsal;
- Levanta cabeça e peito;
- Tenta virar de bruços;
- Rola com sucesso para ficar de bruços;
- Rola de bruços para a posição de barriga para cima;
- Senta com apoio;
- Senta com o próprio apoio;
- Senta sozinho;
- Fica em pé com apoio;
- Apoia-se segurando com as mãos;
- Puxa-se para ficar em pé com apoio;
- Fica em pé sozinho
O desenvolvimento do controle postural
Numa definição rápida, TEIXEIRA (2010) refere que o controle
postural é a base do sistema de controlo motor humano, produzindo estabilidade
e condições para o movimento, como a habilidade de assumir e manter a posição
corporal desejada durante uma actividade quer seja essa estática ou dinâmica.
Para o mesmo autor, o início do controle postural, visando a
posição vertical, se dá por volta do primeiro ano de vida quando a criança
descobre que pode ficar em pé independentemente de apoio (idem).
Outros autores como BARELA et al., (2000); FEITOSA et
al., 2008) citados por TEIXEIRA (2010) referem que as primeiras tentativas
são realizadas com movimentos simples e ainda desorganizados, mas que irão se
aperfeiçoar no decorrer da vida.
Já para GRAAFF-PETERS et
al., (2007) citados por TEIXEIRA (2010), existe uma transição de três
meses, após a idade de desenvolvimento neural principal, na capacidade para
adaptar-se a actividade postural aos constrangimentos ambientais emergentes.
BARELA, POLASTRI e GODOI (2000) referem que por volta do
primeiro ano de vida, crianças descobrem como ficar em pé independentemente.
Inicialmente, a manutenção desta posição representa um grande desafio para
elas. E nestes primeiros anos de vida, crianças necessitam de considerável
esforço para solucionar a complexa tarefa de manter o corpo na posição
vertical.
O desenvolvimento cognitivo
Nessa vertente procurar-se-á abordar o desenvolvimento
cognitivo da criança nos primeiros dois anos de vida, com destaque para a
inteligência sensório-motor, a percepção, a atenção e a memória, conforme será
desenvolvimento a seguir.
Inteligência sensório-motor
Nessa perspectiva da inteligência sensório-motora, nos
primeiros dois anos de vida segundo a autora CAVICCHIA (s/d) é um período
fundamental para o desenvolvimento cognitivo.
Suas realizações formam a base de
todos os processos cognitivos do indivíduo.
Para a autora, os esquemas sensórios-motores são as
primeiras formas de pensamento e expressão; são padrões de comportamento que
podem ser aplicados a diferentes objectos em diferentes contextos.
A evolução
cognitiva da criança nesse período pode ser descrita em seis Subperíodos nos quais estabelecem-se as bases para
a construção das principais categorias do conhecimento que possibilitam ao ser
humano organizar a sua experiência na construção do mundo: objecto, espaço,
causalidade e tempo. Assim, descreveremos a seguir os seis Subperíodos referenciadas pela autora.
a) Subperíodo I: O Exercício dos Reflexos (até 1 mês)
No que tange a este primeiro subperíodo, segundo a autora (idem) os primeiros esquemas do recém-nascido são esquemas reflexos:
acções espontâneas que surgem automaticamente em presença de certos estímulos.
Nas primeiras vezes que se manifestam os esquemas reflexos apresentam uma
organização quase idêntica. Aqui verifica-se que a estimulação de qualquer
ponto da zona bucal do bebé, por exemplo, desencadeia imediatamente o esquema
reflexo de sucção; uma estimulação da palma da mão provoca, automaticamente, a
reacção reflexa de preensão. Os esquemas reflexos caracterizam a actividade cognitiva
da criança no seu primeiro mês de vida.
b) Subperíodo II: As Primeiras Adaptações
Adquiridas e a Reacção Circular Primária (1 mês a 4 meses e meio)
No que tange ao segundo subperíodo, verifica-se que no transcorrer
dos intercâmbios da criança com o meio ambiente logo os esquemas reflexos vão
mostrar certos desajustes, exigindo transformações. A criança parece considerar
o mundo como um conjunto de quadros que aparecem e desaparecem. Neste subperíodo
das primeiras adaptações adquiridas as condutas observadas ainda não são
inteligentes no seu verdadeiro sentido. Elas fazem a transição entre o orgânico
e o intelectual, preparando a inteligência (op.
cit.).
c) Subperíodo III: As Adaptações
Sensório-Motoras Intencionais e as Reacções Circulares Secundárias (4 meses e
meio a 8-9 meses)
Segundo CAVICCHIA (s/d) a terceira etapa desse período
caracteriza-se pelo surgimento das reacções circulares secundárias voltadas
para os objectos. Pode-se defini-las como movimentos centralizados sobre um
resultado produzido no ambiente exterior, com o único propósito de manter esse
resultado. Após ter aplicado as reacções circulares sobre o corpo próprio, a
criança vai, pouco a pouco, utilizando esse procedimento sobre os objectos
exteriores.
Ainda nesta etapa verifica-se pela primeira vez o elemento
de previsão de acontecimentos. No terreno espacial a criança mostra-se capaz de
perceber, de modo prático, um conjunto de relações centralizadas em si própria
(grupos subjectivos).
d) Subperíodo IV: A Coordenação dos Esquemas
Secundários e sua Aplicação Às Situações Novas (8-9 Meses A 11-12 Meses
Segundo CAVICCHIA (s/d) a principal novidade do quarto subperíodo
é a busca, pela criança, de um fim não imediatamente atingível através da
coordenação de esquemas secundários. A coordenação de esquemas observa-se no
facto da criança se propor a atingir um objectivo não directamente acessível
pondo em acção, nessa intenção, esquemas até então relativos a outras
situações. O que se verifica nesta etapa é que a criança quando vê um objecto à
sua distância tenta alcançar este objecto, mas quando ela não consegue alcançar
o objecto ela põe-se a chorar, até que então alguém leve o objecto e entregue
para ela.
Ainda nesta etapa, A criança é capaz, por exemplo, de
esconder um objecto sob um anteparo e depois retirá-lo novamente; mas, se o objecto
escondido for deslocado para outra posição, ela ainda o procurará na primeira posição
(ibid).
e) Subperíodo V: A Reacção Circular Terciária e
a Descoberta dos Meios Novos por Experimentação Activa (11-12 Meses A 18 Meses)
Já para a quinta etapa, verifica-se que a actividade
imitativa apresenta a imitação deliberada e a actividade lúdica apresenta a
reacção circular terciária, na qual a criança explora objectos desconhecidos
por todos os meios que conhece: pegar, levantar, soltar, sacudir e repetições
destes esquemas (CAVICCHIA, s/d). Este é o subperíodo da elaboração do objecto
e se caracteriza pela experiência e pela busca da novidade.
f) Subperíodo VI: A Invenção dos Meios Novos por Combinação Mental e a Representação (1
Ano E Meio A 2 Anos
Neste subperíodo segundo CAVICCHIA (s/d) ocorre a transição
entre a inteligência sensório-motora e a inteligência representativa, que
começa em torno dos dois anos, com o aparecimento da função simbólica. A
criança começa a ser capaz de representar o mundo exterior mentalmente em
imagens, memórias e símbolos, que é capaz de combinar sem o auxílio de outras
acções físicas. Na actividade lúdica ela é capaz de “fingir”, “fazer de conta”,
fazer “como se”: é o “símbolo motivado”.
Em forma de resumo sobre os primeiros dois anos de vida no
que tange a essa vertente da inteligência sensório-motor a criança se
desenvolve no sentido de uma descentração progressiva. No estádio
sensório-motor o instrumento principal de apoio e de constituição de si mesma e
do mundo é a percepção, pela qual a criança estabelece relações directamente
com o mundo exterior.
Percepção
Ao nascer, o sistema sensorial, que liga o bebé ao mundo
exterior, possui limitações. Um exemplo disso é o facto de que o bebé,
inicialmente, vê o mundo de modo simplista e rudimentar, sendo incapaz de
realizar sínteses, categorizações, interpretações ou abstracções. Para VIGOTSKI
e LURIA (1996) os objectos, no geral, são percebidos apenas quando estão bem
próximos ao toque e ao tacteio, o que indica a ausência da perspectiva visual,
que será desenvolvida posteriormente.
Segundo PAPALIA e FELDMAN (2013) a percepção sensorial
permite aos bebés aprenderem sobre si próprios e seu ambiente, de modo que
possam fazer melhores avaliações sobre como percorrê-lo. Entre 5 e 7 meses,
depois que o bebé consegue esticar o braço e agarrar objectos, ele desenvolve a
percepção táctil, a capacidade de adquirir informação pelo manuseio de objectos
e não meramente olhar para eles.
Na perspectiva de Bushnell e Boudreau (1993) citado por PAPALIA
e FELDMAN (2013) a percepção táctil permite ao bebé responder a indicativos
como tamanho relativo e diferenças de textura.
Segundo VIGOTSKI e LURIA (1996), a percepção da criança é
instável e variável, o que dificulta sua actuação sobre um mundo mutável.
A
adaptação perceptual consiste em “transformar as percepções de um estágio
ingénuo-fisiológico para outro estágio, onde a experiência anterior introduzirá
uma correcção na imagem fisiológica de um objecto”.
VIGOTSKI (2007) refere que estudos realizados por Binet e
analisados por Stern acerca da relação entre o estágio de desenvolvimento e a
percepção da criança concluíram que a forma pela qual uma criança percebe o
mundo ao seu redor difere a cada sucessivo estágio do seu desenvolvimento.
Estes dois autores citados por Vigotski inferiram que o momento em que a
criança percebe os objectos isolados precede o momento em que ela é capaz de
perceber relações como um todo.
Para terminar esse tópico PIMENTA e CALDAS (2014) apontam que
a primeira percepção infantil é afectiva, a criança interage com o seu meio de
forma que sentimento e percepção tornam-se uma unidade indissociável. Este
sistema de consciência é muito peculiar, sendo que na relação entre acção e
afecto tem-se que a atracção de cada objecto se dará pela sua carga afectiva.
Atenção
Na perspectiva de OLIVEIRA (2003) quando bebé, estímulos
como barulhos mais altos, movimentos de objectos, mudanças no ambiente, um
vento forte, uma luz mais intensa, muitas vozes, chamam-lhe atenção de modo
involuntário. Esse tipo de atenção permanece connosco, mesmo no nosso
desenvolvimento.
Uma das autoras que aborda a questão do desenvolvimento da
atenção na infância é LURIA (1979). Segundo este autor, a primeira atenção
manifestada pelo bebé, é a atenção involuntária.
Nos dois primeiros anos de vida observam-se segundo TANAKA
(2007) os primeiros sintomas de manifestação do reflexo orientado: a fixação do
objecto pelo olhar e a interrupção dos movimentos de sucção à primeira vista
dos objectos ou com a manipulação deles.
Os primeiros reflexos condicionados
começam a formar-se no recém-nascido com base no reflexo orientado, ou seja,
somente se a criança presta atenção ao estímulo, discrimina-o e se concentra
nele.
No ponto de vista de LURIA (1979), no primeiro ano de vida a
atenção involuntária tem carácter de um simples reflexo orientado para
estímulos fortes ou novos. Já para a atenção voluntária para este autor, é
muito instável, bastando aparecer outro objecto para cessar a manipulação do
primeiro objecto. Isso mostra que nessa fase da vida da criança o reflexo
orientado para a busca é rapidamente esgotante.
Essa forma de atenção voluntária se manifesta, antes de
tudo, no surgimento de formas estáveis de dependência do comportamento a
instruções verbais do adulto, que regulam a atenção e, posteriormente, na
construção das formas estáveis da atenção voluntária auto-reguladora da
criança. Isto significa que a forma como o adulto fala, age e faz gestos é imprescindível
no desenvolvimento pleno da atenção voluntária da criança (idem).
A atenção voluntária é desenvolvida pela ordenação e
nomeação das acções, como a seguinte fala: “Pegue devagar a caneca, segure pela
alça, beba com calma”. Exemplos de fala de um adulto como este ensinam a
criança a focar a atenção e oferece dicas do que seleccionar, ou melhor, de
como desenvolver a atenção selectiva (LURIA, 1979).
Ainda nesta vertente da atenção, refere-se que ao término do
primeiro ano de vida e no início do segundo, a nomeação do objecto ou a ordem
verbal começa a ter influência orientadora e reguladora; a criança dirige o
olhar para o objecto nomeado, distingue-o entre outros ou a procura, caso o
objecto não esteja no campo visual. Ainda nessa idade, a influência da fala do
adulto, que orienta a atenção da criança, continua muito instável, e a reacção
é imediata, orientada para o objecto mais nítido, novo ou interessante para a
criança.
Um exemplo disso é quando pedimos à criança que pegue um
objecto que está a alguma distância dela. Seu olhar se dirige ao objecto, mas
se desvia rapidamente para outros objectos mais próximos e a criança estende o
braço, não para o objecto mencionado, mas para o estímulo mais próximo ou mais
nítido (LURIA, 1979).
Ademais, nos meados do segundo ano de vida, a instrução
verbal do adulto adquire a capacidade bastante sólida de organizar a atenção da
criança, embora nesta etapa ela também perca facilmente seu significado
regulador. Desta forma, a criança nessa idade cumpre facilmente a instrução: “a
bola está atrás da porta, dê-me a bola”; se a bola foi escondida atrás de outro
objecto e está fora do campo visual da criança, a atenção orientadora da
instrução se perde facilmente pelo reflexo orientado imediato e a criança
começa a dirigir-se aos objectos situados diante dela, agindo independentemente
da instrução verbal.
Assim, a instrução verbal que orienta a atenção da criança
só é mantida nas etapas iniciais, nos casos em que coincide com a percepção
imediata da criança (LURIA, 1979).
Memória
De uma forma mais generalizada a memória representa a
capacidade humana de registar, conservar e transmitir, para os demais
indivíduos, tudo aquilo que já foi anteriormente construído pelo conjunto dos
homens, nas suas produções materiais e intelectuais, nos diferentes estágios de
evolução da humanidade.
Nos primeiros dois anos, segundo KONIG (2011), a criança
desenvolve a memória em três etapas, primeiro de forma localizada, depois de
forma rítmica e por fim de forma lógica. A primeira forma de recordação surge
no primeiro ano quando a criança pode associar locais a acontecimentos, como
chorar quando está no trocador. A segunda forma está associada ao ritmo das
palavras e dos sons e se desenvolve ao longo do segundo ano. Tendo conquistado
a linguagem ela passa a manifestar a memória lógica.
Tipos de memória
Segundo LURIA (1981) a memória é uma função cognitiva
complexa composta por sistemas distintos, mas que se relacionam entre si.
Na opinião de DIAS e LANDEIRA-FERNANDEZ (2011) classicamente,
a memória pode ser dividida em estágios, que se classificam conforme o tempo de
retenção ou armazenamento de uma informação: muito rápido (na ordem de
milissegundos, denominada de memória sensorial), de curto e de longa duração.
A memória de curto prazo é aquela que apresenta
armazenamento temporário de poucas informações por curto intervalo de tempo
advindas da memória sensorial ou da memória de longo prazo.
Cabe ressaltar que dentro do contexto de curto prazo há a
memória de trabalho ou operacional. Essa função mantém uma informação na
consciência, manuseando-a com objectivo de resolver algum tipo de problema.
Finalmente, a memória
de longo prazo tem a capacidade de armazenar informações por períodos de
tempo bem mais longos, na ordem de minutos, horas, dias, semanas, meses, anos.
Esse tipo de memória também apresenta diversos componentes.
A memória explícita ou declarativa depende de processos conscientes e é
passível de verbalização. Ela se subdivide em episódica e semântica.
A memória
episódica tem relação com as experiências vividas e que se pode delimitar no
tempo e espaço. Já a memória semântica tem relação com conhecimentos gerais,
que nem sempre têm ligação com os factos vividos, como conceitos e teorias. Ela
está mediada por estruturas neocorticais anteriores e posteriores (MOSCOVITCH et al.,
2005 citado por DIAS & LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011).
A memória episódica e a memória semântica representam
componentes independentes da memória de longo prazo. Por via de regra, a
primeira possibilita a formação da segunda, fornecendo conteúdo para isso,
enquanto a semântica facilita que novas memórias episódicas sejam formadas
(Greenberg & Verfaellie, 2010 citado por DIAS & LANDEIRA-FERNANDEZ,
2011).
Segundo Carver, Bauer e Nelson (2000) citado por DIAS e LANDEIRA-FERNANDEZ,
(2011) há possibilidade de que a memória de longo prazo possa se desenvolver no
final do primeiro ano de vida.
Ainda aos 6 meses o bebé tem sua memória dependente do
contexto, ou seja, só reproduzirá um treinamento um tempo depois se estiver no
mesmo ambiente treinado.
Aos 8 ou 9 meses é que ele se torna independente do
contexto, podendo responder em ambiente diferente do treinado. Se mesmo assim
não responder, é porque apresenta a memória como na época da codificação, mas
se responder de uma maneira no contexto treinado e de outra no testado é porque
sua memória se apresenta conforme a idade do teste (Hartshorn &
RoveeCollier, 2003 citado por DIAS e LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011).
O desenvolvimento da linguagem
Segundo VASCONCELLOS (s/d) a criança ao nascer não entende o
que lhe é dito. Somente aos poucos começa a atribuir um sentido ao que escuta.
Do mesmo modo acontece com a produção da linguagem falada. Para a mesma autora,
o entendimento e a produção da linguagem falada evoluem. Existem diferentes
tipos de linguagem: a corporal, a falada, a escrita e a gráfica. Para se
comunicar a criança utiliza tanto a linguagem corporal (mímica, gestos, etc.)
como a linguagem falada, nesta vertente é importante lembrar que embora a
criança ainda não fale, ela pelo menos já produz linguagem.
Para FARIAS (2003) a manifestação da linguagem ocasiona
modificações importantes nos aspectos cognitivos, afectivos e sociais da
criança, já que ela possibilita as interacções humanas e fornece,
principalmente, a capacidade de trabalhar com representações para atribuir
significados à realidade.
Já BOOK, FURTADO e TEIXEIRA (1996) dizem que embora o
alcance do pensamento apresente transformações importantes, ele caracteriza-se,
ainda, pelo egocentrismo, uma vez que a criança não concebe uma realidade da
qual não faça parte, devido à ausência de esquemas conceituais e da lógica.
Para esta autora (idem), o
desenvolvimento da linguagem se divide em dois estádios: pré-linguístico,
quando o bebé usa de modo comunicativo os sons, sem palavras ou gramática; e o
linguístico, quando usa palavras.
Assim, no estádio pré-linguístico a criança, de princípio,
usa o choro para se comunicar, podendo ser rica em expressão emocional. Logo ao
nascer este choro ainda é indiferenciado, porque nem a mãe sabe o que ele
significa, mas aos poucos começa a ficar cheio de significados e é possível,
pelo menos para a mãe, saber se o bebé está chorando de fome, de cólica, por
estar se sentindo desconfortável, por querer colo etc. (op. cit.).
Por seu turno, segundo DEL RÉ (2006) o balbucio ocorre de
repente, por volta dos 6-10 meses, e caracteriza-se pela produção e repetição
de sons de consoantes e vogais como “ma-ma-ma-ma”, que muitas vezes é
confundido com a primeira palavra do bebé.
No desenvolvimento da linguagem, os bebés começam imitando
casualmente os sons que ouvem, através da ecolalia[1].
Por exemplo: os bebés repetem repetidas vezes os sons como o “da-da-da”, ou
“ma-ma-ma-ma”. Por isso, as crianças que têm problema de audição, não evoluem
para além do balbucio, já que não são capazes de escutar.
SAMPAIO (2003) refere que por volta dos 10 meses, os bebés
imitam deliberadamente os sons que ouvem, deixando clara a importância da
estimulação externa para o desenvolvimento da linguagem. Para esta autora, ao
final do primeiro ano de vida, o bebé já tem certa noção de comunicação, uma
ideia de referência e um conjunto de sinais para se comunicar com aqueles que
cuidam dele. O estádio linguístico está pronto para se estabelecer. Sendo
assim, contando com a maturação do aparelho fonador da criança e da sua
aprendizagem anterior, ela inicia a dizer suas primeiras palavras.
Já para o grande PIAGET (1971) citado por VASCONCELLOS (s/d)
relata que é na fase inicial da fala linguística que a criança costuma dizer
uma única palavra, atribuindo a ela, no entanto o valor de frase. Por exemplo,
diz ua, apontando para porta de casa, expressando um pensamento completo; eu
quero ir pra rua. Essas palavras com valor de frases são chamadas holófrases. A
partir daqui acontece uma “explosão de nomes”, e o vocabulário cresce muito.
Para o autor, aos 2 anos espera-se que as crianças sejam capazes de utilizar um
vocabulário de mais de cem palavras.
O desenvolvimento sócio-afectivo (apego e desenvolvimento
emocional)
A afectividade é atribuída como uma condição inevitável na
construção da inteligência e o afecto faz parte de todo o processo educativo e
deve ser visto como parte inseparável da aprendizagem.
Quando o bebé está ainda na vida intra-uterina, já começa a
sentir o pulsar do coração da mãe, os barulhos e todos os sustos que a mãe
leva. Depois que o bebé nasce não é possível distinguir se suas expressões são
sensações ou sentimentos. Exactamente porque, na verdade, tais sentimentos que compõem
o ser humano, estão ainda sendo formados e serão formados, de facto, nas
relações. As trocas que ele estabelece no meio é que vão fazer com que esses
sentimentos sejam diferenciados das sensações (TOGNETTA, 2004).
A criança estabelece relações de afectividade desde o seu
nascimento, desde o contacto no meio familiar, passando depois pela creche e
jardim-de-infância, sendo estas últimas de grande importância, pois são onde a
criança, em muitos casos, tem contacto com outras crianças pela primeira vez (DA
LUZ, 2014).
Por seu turno, a autora Almeida (2015) refere que a
construção do vínculo afectivo se dá no nascimento, principalmente entre a mãe
e o bebé enquanto ela o alimento, dá carinho e atenção, atendendo a todas as
suas necessidades e passando segurança para o pequeno.
No primeiro momento a mãe
atende a todas as expectativas do bebé, deixando-o longe de ansiedades e
frustrações, o fazendo crer que tem o controlo de tudo. Após, aos poucos a mãe,
suficientemente boa, tem a tarefa de desiludir este bebé, mas isso só
acontecerá se esta já criou oportunidades de ilusão, de forma que o pequeno
possa recriá-las a qualquer momento, desenvolvendo a habilidade de construir o
subjectivo.
A supracitada cita um dos autores que mais estudou sobre a
afectividade e sua importância no desenvolvimento humano que foi o psicólogo
Henri Wallon. Segundo ele, a afectividade é a capacidade do ser humano em ser
afectado, meio externo e interno através de sensações boas e ruins (idem).
CONCLUSÕES
Discutindo essa temática, a literatura desta área deu ênfase
especial à descrição e caracterização dos estágios no desenvolvimento dos primeiros
dois anos de vida, uma vez que a sua identificação no comportamento da criança
pode orientar as pessoas no planeamento e oferecimento de estímulos ambientais
a esse desenvolvimento.
De referir que o desenvolvimento infantil tem sido
objecto de diferentes interpretações e análises nas diversas abordagens da
Psicologia ao longo da história, pois percebe-se que seja importante conhecer,
analisar e interpretar como esse processo de desenvolvimento humano, sobretudo
nos primeiros momentos da vida acontece. Uma análise que nos chamou atenção é
de PIMENTA e CALDA (2014) ao referirem que analisar o desenvolvimento infantil
sob enfoque naturalista significa explicar os fenómenos psíquicos a partir de
uma suposta natureza do homem, apresentando como naturais e universais
características sociais e historicamente constituídas e limitando a compreensão
do desenvolvimento apenas como uma adaptação às condições do meio.
No
desenvolvimento deste trabalho percebe-se a relevância de se compreender o
homem em seus momentos de desenvolvimento, pois a cada fase acontecem episódios
diferentes. Enfim, a partir desta revisão bibliográfica, consolida-se a noção
cada vez mais forte na literatura de que é importante conhecer as fases do
desenvolvimento humano.
Bibliografia
ALMEIDA, Y. F. S. O
vínculo afectivo e suas contribuições para a relação professor-aluno. XI
Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de
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[1] O termo significa a
tendência da criança repetir automaticamente sons ou palavras que ela ouve
sempre.
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