sábado, 8 de setembro de 2018

Um breve historial sobre a Acção Social ou Serviço Social em Moçambique


Um breve historial sobre a Acção Social ou Serviço Social em Moçambique


A questão da acção social ou serviço social em Moçambique é um assunto que é regida por diversas etapas.
Quive (s/d) cita Kassotche (1998), apontando que a primeira etapa é o período pré-colonial onde refere-se que a tarefa de assegurar socialmente as pessoas era baseada no princípio de solidariedade e ajuda mútua enquadrado nas “relações e práticas sociais que, por via de trocas de bens e serviços, asseguram na sociedade algo do bem-estar e alguma protecção social”.
Assim, de acordo Faleiros (1991) citado por Quive (s/d), diz que estas relações caracterizam-se por ser de familiaridade, de amizade e vizinhança, em que cada um pode ajudar o outro na esperança de que amanhã também vai receber ajuda, sem, no entanto, precisar de pagar monetariamente. Os moçambicanos adoptaram este princípio ao longo da sua vida, com o propósito de enfrentar as diferentes formas de riscos sociais que predominam até hoje nas zonas rurais e urbanas, referenciadas a um grupo de pertença e obedecendo a regras sociais de cada grupo ou comunidade “numa economia de subsistência”.
Faleiros (2001), ao abordar o surgimento do serviço social a nível mundial, aponta que o serviço social era estruturado por organizações religiosas, especialmente da Igreja Católica Romana e nesse momento, tinha sua prática fundamentada e inspirada na providência divina, uma vez que “o trabalho social consistia no reforço da moralidade e da submissão das classes dominadas. Era, portanto, o controlo social da família operária para adequar e ajustar seu comportamento às exigências da ordem social estabelecida”.
Voltando ao contexto moçambicano sobre o surgimento do serviço social, Quive (s/d), refere que a segunda etapa ocorreu nos finais do século XIX. Com a colonização introduziram-se novas formas de trabalho, o trabalho assalariado, particularmente nas zonas urbanas, o que promoveu o êxodo rural, bem como à dissociação dos indivíduos dos seus grupos de referência, criando-lhes novas necessidades por passarem a trabalhadores assalariados.
Neste período colonial, o regime colonial, dada a sua natureza, era constituído por três classes de cidadãos:
1ª classe: os colonos que tinham direito ao gozo pleno de cidadania;
2ª classe: os assimilados que gozavam de alguns direitos e;
3ª classe: os indígenas que não gozavam de nenhum direito de cidadania.
Ainda de acordo com Quive (s/d), aponta que com o objectivo de beneficiar os servidores do regime colonial, foi introduzido em 1901 em Moçambique o Regulamento da Fazenda do Ultramar, redigido na Metrópole, que garantia a Previdência Social aos Servidores do Aparelho do Estado Colonial, em detrimento dos trabalhadores moçambicanos e indígenas. Uma das razões primordiais para a aplicação deste Regulamento visava a reintegração destes trabalhadores portugueses no sistema de segurança social português quando regressassem à Metrópole. Outra razão, é justificada pelo facto destes possuírem condições económicas e financeiras que lhes possibilitavam as contribuições para a segurança social.
Aponta-se segundo Quive (idem) que os trabalhadores indígenas ocupavam posições subalternas e auferirem salários muito baixos. Além disso, o movimento associativo nos locais de trabalho era quase inexistente, o que neste período fragilizou muito a luta dos moçambicanos pelo alargamento dos seus direitos sociais, incluindo os de segurança social. Assim, apenas alguns trabalhadores que, na altura, já estavam organizados em pequenos sindicatos, como por exemplo, os da SOGER, é que já manifestavam a necessidade de serem também integrados em programas de segurança social.
Assim, com a independência nacional em 1975, o Regulamento Ultramarino da Fazenda de 1901 foi actualizado através do decreto 52/75 de 8 de Fevereiro, tendo sido introduzidas alterações de acordo com as novas condições dos funcionários do aparelho do Estado. Por exemplo, o tempo de serviço reduziu de 40 para 35 anos, (Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, artigo n.º 430), e passaram a ser concedidas prestações em caso de acidentes de trabalho, doença, invalidez, aposentadoria e morte (idem).
De acordo com Castel-Branco (1995) citado por Quive (s/d), diz que neste período, a situação da protecção social em Moçambique alterou-se completamente. O Governo de Moçambique independente, caracterizou-se por uma centralização do poder político e económico, o que implicava a preocupação de organizar e controlar a sociedade. Assim, introduziu uma política de ocupação (trabalho) para todos, através das empresas e machambas estatais, ao mesmo que subvencionava diversos serviços para a população, como saúde, educação, habitação etc. O novo Estado em implantação, segundo Castel-Branco “era o intérprete supremo do modelo ‘Socialista’.
É fundamental acrescentar que a Constituição da então República Popular de Moçambique de 1975 já impunha o direito à segurança social quando, no artigo 32º, se refere a protecção de todos os cidadãos em caso de incapacidade e velhice. A Lei 8/85 de 14 de Dezembro (Lei do Trabalho) retoma a questão, mostrando necessidade da criação de um sistema de segurança social (Quive, s/d).
Quive (s/d), diz que houve uma reformulação das políticas do País, onde começaram a vigorar os Programas de Reajustamento Estrutural (PRE), o que obrigou o Estado a reduzir à sua intervenção na economia e a diminuir despesa pública, como exigência do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Kassotche (1998), afirma que foi no IV Congresso do Partido FRELIMO, em 1983, que ficou decidida a adesão de Moçambique a estas instituições da Breton Woods.
Estas instituições lideram um novo contexto sócio-económico e político demarcado por três tipos de processos de legitimação: i) políticos; ii) económicos e iii) científicos, marcados pela “expansão do capitalismo e da economia liberal à escala mundial” (Giddens, 1998 citado por Quive, s/d).
E foi neste contexto que se criam os serviços de protecção social que coincidem com a implantação de uma economia do tipo capitalista, e cujo objectivo era providenciar um sistema de segurança social capaz de dar resposta às necessidades da sociedade e dos cidadãos na nova realidade.
Neste período, o governo de Moçambique cria os alicerces para a implantação de um Sistema de Segurança Social para cobrir também os trabalhadores do sector público e privado, o qual deve garantir a subsistência material dos trabalhadores em caso de invalidez, velhice e outras contingências (ibid).
O autor (idem), refere que é neste mesmo contexto que surge o Decreto 14/87 de 20 de Maio que substitui o de 3/83, e aprova o Estatuto Geral dos Funcionários do Estado (EGFE). Fixa, no âmbito da sua aplicação, o consagrado princípio de rigoroso acatamento da legalidade na Administração Estatal, pelos órgãos do poder popular e pelos funcionários, garantindo que os actos da administração, que se desenvolvem também na esfera dos direitos do cidadão, obedeçam a Lei, com vista à eliminação das arbitrariedades e da usurpação e/ou desvio de poderes. Este estatuto veio a ser actualizadas em 1996, e define o direito à aposentação para os funcionários do aparelho do Estado (EGFE, MAE, 1996).
Importa ainda referir segundo Quive (s/d) que logo depois da independência nacional, em 1975, o Governo moçambicano criou vários programas de assistência social. Mais tarde em 1994, a partir da Secretaria do Estado para a Acção Social, é criado o Ministério para a Coordenação da Acção Social (MCAS), o qual, por decreto presidencial n.º 01/2000 de 17 de Janeiro, deu origem ao Ministério da Mulher e da Coordenação da Acção Social (MMCAS). A partir de 2005, este Ministério foi transformado em Ministério da Mulher e Acção Social.
De forma mais resumida, o desenvolvimento da protecção social em Moçambique conheceu várias fases, sendo de destacar as seguintes:
Período pré-colonial que se estende até 1901;
1901 - Regulamento da Previdência Social;
1914 – Criação do Montepio; Regulamento do Funcionalismo do Ultramar;
1963 – Fundo da Acção Social para Trabalhadores Rurais (FAST);
1966 – Surgimento de primeiros sindicatos de trabalhadores;
1967 - Aprovação do Abono de Família);
1975 até 1987 - Adaptação do sistema de protecção social colonial para à nova realidade de Moçambique independente;
1987 até à actualidade (Aprovação do novo Estatuto dos Funcionários do Estado
1989 - Criação do INSS;
1994 - Criação do Ministério para a Coordenação da Acção Social;
2000 – Criação do Ministério da Mulher e Coordenação da Acção Social;
2005 – Criação do Ministério da Mulher e Acção Social).
O QUE SE ESPERA DE UM ASSISTENTE SOCIAL EM MOÇAMBIQUE? (Uma visão da Universidade Católica de Moçambique)
Segundo a Universidade Católica de Moçambique (UCM), o Serviço Social em Moçambique visa formar um assistente humanista, solidário, crítico, íntegro e inovador, capaz de intervir social e comunitariamente, e de fazer uso de um corpo de competências técnicas e científicas para a promoção, animação, execução e avaliação de iniciativas, tendo em vista a promoção do bem-estar individual e social.

1. Dotar as pessoas de uma formação técnica favorecendo ao educando uma visão holística ajudando a criar hábito de objectividade;

2. Formar técnicos com intuito de resolver os males sociais;

3. Formar técnicos munidos de princípios inerentes a profissão como sendo métodos do serviço social, métodos de desenvolvimento comunitário, métodos de desenvolvimento grupal.

4. Um Assistente Social em moçambique deve adquirir as competências profissionais:
5. Conhecer a legislação da acção social nacional e internacional;
6. Conhecer a realidade humana e social da comunidade;
7. Elaborar, executar, monitorar e avaliar projectos na área social;
8. Identificar as necessidades presentes na sociedade e dar-lhes uma resposta profissional;
9. Investigar e avaliar problemas de natureza social;
10. Orientar e apoiar as pessoas com necessidades educativas especiais;
11. Planear, organizar e administrar bens e serviços sociais;
12. Prestar apoio psicológico e moral aos trabalhadores com problemas no local de trabalho;
Prestar assessoria a órgãos da administração pública, empresas privadas e movimentos sociais, em matéria relacionada com as políticas e a garantia de direitos civis, políticos e sociais da colectividade;
13. Promover um diagnóstico, rápido e participativo, sobre fenómenos sociais, no âmbito do serviço social;
14. Reflectir de uma maneira crítica sobre a profissão do serviço social;
15. Saber aconselhar e encaminhar os indivíduos com necessidades especiais;
16. Saber expressar-se, ler e escrever correctamente em língua portuguesa;
17. Saber trabalhar com grupos marginalizados ou vulneráveis, reabilitando-os e inserindo-os na comunidade;
18. Ser ético e íntegro no exercício das suas funções profissionais;
19. Usar um conjunto de técnicas de intervenção para melhorar a vida social, pessoal, educativa e cultural da comunidade.
A UCM acrescenta que assim a formação do pessoal em Serviço Social no nosso País prevê um leque alargado de opções profissionais, tanto nas entidades públicas e privadas, como nas organizações sem fins lucrativos, a todos os níveis: local, regional, nacional, comunitário e internacional, podendo trabalhar:
1. Nas entidades ao serviço das populações com necessidades especiais (por exemplo, idosos, pessoas/grupos com deficiências físicas ou de desenvolvimento, seropositivos, pessoas a transitar das instituições psiquiátricas, prisionais ou unidades de reabilitação, para a comunidade, entre outras;
2. Nas organizações de defesa dos direitos da mulher, da criança e do adolescente, do emigrante e das minorias étnicas, das vítimas de violência ou maus-tratos, e das pessoas que sofrem de doenças crónicas;
3. Nas organizações dedicadas à investigação social e à formação;
4. Nos conselhos municipais, nas paróquias e noutras organizações do poder local e regional;
Nos serviços e organizações, nas áreas de segurança social, saúde, ensino, aconselhamento, justiça e reinserção social.

Conclusão

Ficou claro no desenvolvimento deste trabalho que o serviço social começou com objectivos de ajudar as pessoas desfavorecidas, uma questão de carisma onde as pessoas devem estar dispostas a ajudar os outros a melhorarem as condições da sua vida. Assim, acção social  desenvolve-se a partir  dos  ideias de humanismo e democracia e os seus valores radicam no respeito pela Igualdade, valor e dignidade de todos. Desde o seu inicio, há anos atrás, o trabalho social centra a sua acção na resposta às necessidades das pessoas, bem como o desenvolvimento das capacidades do ser humano. Os direitos humanos e a justiça social motivam e legitimam a sua acção. Solidariamente com os mais desfavorecidos visa mitigar a pobreza e liberar as pessoas vulneráveis e oprimidas promovendo a sua inclusão social. O assistente social é o indivíduo que já se encontra com capacidades plenas para desenvolver suas acções em diferentes áreas e suas tarefas são de ajudar as pessoas na resolução dos seus problemas. 

Referências

FALEIROS, V. P. Saber profissional e poder institucional. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

Quive, S. Sistemas formais e informais de protecção social desenvolvimento em Moçambique. (s/d).

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