sábado, 27 de maio de 2017

CUIDADO E SOFRIMENTO DO TRABALHADOR

CUIDADO E SOFRIMENTO DO TRABALHADOR




O sofrimento no trabalho constitui-se uma das consequências da insistência do ser humano em viver em um ambiente que lhe é adverso. A relação do homem com o trabalho nunca foi fácil, até mesmo a etimologia da palavra denota algo penoso e, até mesmo, indesejado (“tripalium”, instrumento de tortura feito com três paus). Houve tempos em que as patologias associadas ao trabalho eram, na sua grande parte, somáticas. No entanto, essa realidade tem mudado, especialmente, no período pós anos 1960, quando o trabalho começou a ganhar componentes, cada vez mais, psicopatológicos, sendo, justamente. O homem sempre quer progredir na sua formação profissional, investe muito tempo em trabalhos com objectivos de sair-se bem sempre; procurando neste caso ter sucessos naquilo que faz. Em contra partida, certas profissões exigem do trabalhador muito esforço que até chega a provocar problemas na saúde mental.
Deste modo, neste trabalho pretende-se abordar a questão relacionada com a saúde do trabalhador onde no decurso do mesmo iremos saber de que maneira o trabalho influencia a saúde e o adoecimento dos trabalhadores. Existem no entanto vários factores que contribuem para que o trabalhado afecte negativamente a saúde do trabalhador, por essa razão que ainda dentro deste trabalho iremos abordar algumas teorias explicativas que irão nos dar a conhecer até que o ponto o trabalho afecta a saúde mental do trabalhador; iremos também descrever qual o papel do pessoal da saúde mental quanto a estas situações.
Este, é portanto, um trabalho realizado com base na pesquisa bibliográfica que foi feita através de consulta de alguns manuais e artigos que explicam as questões relacionadas com o cuidado e a saúde do trabalhador; essa é assim a metodologia deste trabalho.



Sofrimento não é o mesmo que dor, embora a dor possa levar a um sofrimento, mas não é qualquer dor que nos faz sofrer. Da mesma forma, o sofrimento não equivale a uma perda, embora as perdas possam, ocasionalmente, nos fazer sofrer. Deste modo, pode-se entender o sofrimento como uma vivência da ameaça de ruptura da unidade/identidade de uma pessoa.


RIO e PIRES (1999 citado por FERRAZ, GENEROSO, ARAÚJO, AZEVEDO & SÁ, 2009) relatam que na Grécia e na Roma antiga o trabalho era reservado para escravos, sendo considerado indigno de seres humanos livres.
Trabalho em português, travail em francês, tem sua origem na palavra latina tripallium, que designava instrumento de tortura, destinado a domesticar seres humanos para o trabalho. A função básica do acto tripalliare (usar o tripalliumpara tortura) era mostrar ao torturado, simultaneamente, que ele estava condenado ao trabalho e que não tinha dignidade humana superior.
FREUD (1887 citado por FERRAZ et al., 2009) destaca que apesar de não ter concentrado seus estudos sobre o trabalho, considerou que a felicidade se constituía, fundamentalmente, na capacidade de amar e trabalhar. A partir de uma perspectiva psicológica, considerou o trabalho como uma das duas bases mais fundamentais para a realização humana.
O trabalho é uma actividade humana, individual e colectiva, desenvolvida com o fim de receber compensações em troca, seja económica e material, psicológicas ou sociais, desde que suas necessidades estejam satisfeitas. Pelo seu trabalho, os indivíduos buscam a satisfação de necessidades biológicas, de segurança, de relação social, de auto-estima e de auto realização (CARREIRO, 2010).


De acordo com (MERLO, BOTTEGA & PEREZ, 2014:5) dizem que de uma forma geral, saúde do trabalhador e da trabalhadora pode ser entendida como um conjunto de factores que determinam a qualidade de vida, como as condições adequadas de alimentação, moradia, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais que contribuem para a saúde. Também, como direito de todo trabalhador e trabalhadora está a garantia de trabalho e o ambiente saudável que não gere adoecimento ou morte.


Foi a partir do início dos anos 80 que a Psicopatologia do Trabalho se preocupou em fundamentar a clínica do sofrimento, na relação psíquica com o trabalho. Nessa nova abordagem o trabalho (CODO et al., 1993 citado por RODRIGUES, ALVARO & RONDINA), na clínica psicológica, pode então ultrapassar seus conceitos filosóficos, económicos e sociológicos, passando a ser definido como uma psicopatologia, sendo que a etiologia (o agente causal) dessa psicopatologia tem sua origem nas pressões do trabalho; pressões essas que põem em xeque o equilíbrio psíquico e a saúde mental, na organização do trabalho (DEJOURS, 1994).

DEJOURS (1998 citado por RODRIGUES, ALVARO & RONDINA, 2006) afirma que as relações de trabalho, dentro das organizações, frequentemente, despojam o trabalhador de sua subjectividade, excluindo o sujeito e fazendo do homem uma vítima do seu trabalho.

Um dos mais cruéis golpes, que o homem sofre com o trabalho é a frustração de suas expectativa iniciais sobre o mesmo, à medida que a propaganda do mundo do trabalho promete felicidade, e satisfação pessoal e material, para o trabalhador; porém, quando lá adentra, o que se tem é infelicidade e, na maioria das vezes, a insatisfação pessoal e profissional do trabalhador, desencadeando, então, o sofrimento humano nas organizações.

Segundo (DEJOURS, 1998 citado por RODRIGUES et al., 2006), essa situação deu-se com maior intensidade após a década de 1960, quando houve uma aceleração desigual das forças produtivas, das ciências, das técnicas e das máquinas. Todos esses factores, aliados às novas condições de trabalho - que podem ser entendidas por meio do ambiente físico (luminosidade, temperatura, barulho); do ambiente químico (poeiras, vapores, gases e fumaças); do ambiente biológico (presença de vírus, bactérias, fungos, parasitas); pelas condições de higiene, de segurança e as características antropométricas do posto de trabalho nas indústrias; facilitaram o aparecimento de sofrimentos insuspeitos na vida dos operários.

Os sofrimentos insuspeitos não se apresentam de uma maneira uníssona, no pensamento de DEJOURS (1993); eles estão associados a factores históricos, laborativos e àqueles favoráveis ou não para a vida do trabalhador, relacionados à própria vida humana e ao trabalho. São discriminados como: a) sofrimento singular (dimensão diacrónica): é herdado da história psíquica de cada indivíduo; b) sofrimento actual (dimensão sincrónica): ocorre quando há o reencontro do sujeito com o trabalho; c)sofrimento criativo: quando o sujeito produz soluções favoráveis para sua vida, especialmente, para sua saúde; e d) sofrimento patogénico: é ao contrário do sofrimento criativo, ou seja, quando o indivíduo produz soluções desfavoráveis para sua vida e que estão relacionados à sua saúde.

Desde os tempos mais remotos, o trabalho ocupa lugar importante na vida dos indivíduos. Na pré-história e na história antiga, o trabalho era tido como fonte de sobrevivência. Com o passar do tempo, outras funções foram sendo agregadas ao sentido do trabalho. Actualmente, o trabalho envolve também o sentido de bem-estar, auto-realização, fonte de prazer e importante factor na construção da subjectividade dos sujeitos (MERLO et al., 2014:7).

Desse modo, o trabalho ocupando lugar tão relevante na vida das pessoas, passa a ter relação directa com as condições de saúde tanto física quanto mental. O trabalho, por ser um dos factores centrais na construção da subjectividade humana, afecta a relação de prazer e sofrimento no trabalho que, por sua vez, pode se transformar em adoecimento físico e psíquico; daí sua estreita ligação com a saúde.

O trabalho influencia a saúde e o adoecimento dos trabalhadores e trabalhadoras, em primeiro lugar, pelas condições dos ambientes onde ele é realizado. Na realidade Moçambicana por exemplo, é muito frequente encontrarmos agressões à saúde provocadas pelo ruído, pelo contacto com substâncias químicas e com agentes biológicos, como bactérias e vírus. A saúde pode ser agredida, também, devido a problemas na relação entre trabalhadores e trabalhadoras com seus instrumentos de trabalho e pelas más condições ergonómicas e ambientais, de forma geral.

Conforme afirma DEJOURS (1999 citado por MERLO et al., idem, p. 12), o trabalho nunca é neutro em relação à saúde, e pode favorecer tanto a doença quanto a saúde.
A divisão entre espaço de trabalho e espaço privado não é possível quando a questão se remete às relações sociais e às questões de saúde, já que não se separa a vida na família, em casa, da vida no trabalho, nos seus diversos locais. Gradativamente, inclusive, esses ambientes misturam-se, confundem-se, tornando essa separação ainda mais complicada.

Para DEJOURS (2004), no momento em que o trabalho for visto como uma simples execução de tarefas, e a subjectividade for anulada, consequentemente a saúde mental do trabalhador estará abalada. A subjectividade tem lugar, justamente, em uma “fenda”, que se dá entre o trabalho prescrito e o trabalho real, em que o sujeito pode fazer uso de sua criatividade[2].
Ao mesmo tempo em que o trabalho gera sofrimento, é também factor de crescimento e desenvolvimento psicossocial do adulto (DEJOURS, 2004). Mesmo levando o trabalhador ao sofrimento e ao adoecimento, o trabalho pode constituir-se em fonte de prazer e de desenvolvimento.
FEITOSA (2013) aborda algumas teorias sobre a relação saúde mental e o trabalho. Sendo assim, vamos a seguir descrever os contributos destas teorias.
A abordagem teórica do desgaste mental fundamenta-se na concepção do processo de trabalho como elemento fundamental de análise. Assim, o processo e a carga de trabalho direccionam a compreensão dos aspectos biopsicossociais que exercem influência no processo saúde-doença mental. Nessa acepção, o desgaste é compreendido como a perda da capacidade efectiva e/ou potencial, biológica e psíquica, na medida em que o trabalho converteu-se em actividade comprometedora e desgastante para o trabalhador (FEITOSA, 2013).

Para se reportar ao desgaste psíquico, essa abordagem teórica faz uma associação à imagem de “mente consumida”. E três aspectos estão relacionados ao desenvolvimento do desgaste físico: o primeiro refere-se aos quadros clínicos relacionados ao desgaste orgânico da mente (seja por motivos de acidentes do trabalho, seja pela acção de produtos tóxicos); a segunda, compreendendo as variações do “mal-estar”, das quais faz parte a fadiga (mental e física); a terceira, que identifica os desgastes que afectam a identidade do trabalhador, ao atingir valores e crenças que podem ferir a sua dignidade e esperança (LAURELL; NORIEGA, 2004 citados por FEITOSA, 2013).
Dentre os quadros clínicos identificados através da abordagem do desgaste, destacam-se: a síndrome do esgotamento profissional, também denominada de estafa ou burnout[3]; síndrome da fadiga crónica ou ainda fadiga patológica; síndromes pós- traumáticas, depressivas e paranóides. Iremos especificar algumas delas, pois teremos uma melhor percepção sobre os argumentos que envolvem a classificação destas doenças (op. cit.).

A síndrome do esgotamento e da fadiga patológica, corresponde à estafa acumulada ao longo dos anos e/ou períodos de trabalho, apresentando uma duração variável, ou seja, sua “durabilidade” depende das características físicas e mentais do trabalhador. A doença não permite uma recuperação por intermédio de sono e repouso. A característica principal é a fadiga ininterrupta, física e mental, acompanhada de distúrbios do sono, associado ao cansaço, irritabilidade e desmaios (SELIGMANN-SILVA, 1995 citado por FEITOSA, 2013).

É consequência directa da fadiga a perda da eficiência, ou seja, a diminuição da capacidade do trabalhador em realizar suas actividades.
Por sua vez, a neurose pós-traumática é compreendida como um quadro de irritabilidade, angústia, reacções emocionais exageradas. O indivíduo, nesse estado, revive mentalmente a cena traumática, apresentando sintomas como mal-estar, acompanhado, frequentemente, por sudorese[4] e taquicardia[5]. Os pesadelos tornam-se constantes, provocando distúrbios do sono e irritabilidade (JACQUES, 2003 citado por FEITOSA, 2013).
No que se refere aos quadros depressivos, ainda na abordagem sobre o desgaste mental, estes podem ter sua patogenia, desencadeamento e evolução nitidamente associados às situações de trabalho. Tais quadros podem se apresentar de forma aguda ou crónica em virtude de tristeza, experiência de perda, falta de esperança. Contudo, os quadros depressivos associados ao trabalho não se constituem da mesma forma, não são típicos, revelando-se de modo sútil, apresentando o desânimo diante da vida como a principal manifestação sintomática (FERNANDES et al., 2006).

A abordagem teórica do estresse - Nesta acepção o estresse é compreendido como um desequilíbrio que ocorre entre as demandas do trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores. As fontes de estresse no trabalho e sua consequência sobre o processo saúde-doença mental são estudadas através de categorias analíticas que permeiam factores relacionados ao processo de trabalho, a função que o indivíduo ocupa na organização, as relações intersubjectivas e atmosfera institucional (SELIGMANNSILVA, 1994 citado por FEITOSA, 2013).
Segundo os pesquisadores dessa vertente, uma área de funcionamento que é frequentemente afectada pelo estresse excessivo é o das relações interpessoais, posto que sentimentos de irritabilidade, desprazer, ansiedade impossibilitam relacionamentos plenos e interferem até nas relações ocupacionais. Nesta última, seus efeitos fazem sentir-se no desânimo, na falta de ideias originais e na queda da produtividade. O trabalhador estressado perde a capacidade de concentrar-se e pensar de modo racional e lógico (LIPP, 2001).
A vertente analítica da ergonomia – constitui-se num campo interdisciplinar, envolvendo engenharia, medicina, psicologia, sociologia, psicofisiologia e economia. A ergonomia enquanto disciplina científica possui um objecto de estudo direccionado para o funcionamento do homem durante a realização de suas actividades no ambiente de trabalho.
Nesta perspectiva, a abordagem ergonómica traz em seu cerne teórico-metodológico três momentos distintos. O primeiro deles se refere à preocupação, sobretudo, nas modificações fisiológicas exercidas pelo processo de trabalho, privilegiando a fadiga física. O segundo momento diz respeito à investigação dos aspectos psicofisiológicos que ocorrem com o trabalhador durante o exercício das suas actividades e, por fim, o objecto de estudo está também centrado nos factores psicossociais e suas repercussões na fadiga mental crónica (Op. cit).

Aproximações da Praxis de Profissionais de Saúde Mental

Nos últimos anos, assiste-se o grande avanço de desenvolvimento no campo da saúde mental do trabalhador, em especial, a partir da compreensão proposta pela Psicodinâmica do Trabalho, a qual analisa a inter-relação entre saúde mental e trabalho, e enfatiza a centralidade do trabalho na produção da saúde e da doença. Porém, existe, ainda, grande dificuldade para a definição de condutas e procedimentos estruturados para a investigação e para o acompanhamento terapêutico dos trabalhadores com sofrimento mental relacionado ao trabalho (MERLO et al., 2014).

Contribuem para essa situação a complexidade do desenvolvimento dos distúrbios psíquicos, as dificuldades para a realização de diagnósticos diferenciais e para o estabelecimento da relação com o trabalho. De acordo com SILVA (2011 citado por MERLO et al., 2014), os quadros actuais de adoecimento que se apresentam em acções de Saúde Mental Relacionada ao Trabalho têm desafiado o diagnóstico clínico e etiológico, dificultando, também, as acções terapêuticas e a reabilitação.
Entre essas dificuldades, encontra-se a não vinculação entre os quadros clínicos e o trabalho:
Não existe um consenso que tenha permitido uma classificação dos distúrbios psíquicos vinculados ao trabalho, existe uma concordância da importância etiológica do trabalho, mas não a respeito do modo como se exerce a conexão trabalho/psiquismo de forma suficiente a permitir um quadro teórico. Os distintos modelos teóricos vêm trazendo dificuldades para a clínica e prevenção (SELIGMANN-SILVA, 1995:289 citado por MERLO et al., 2014).

As metamorfoses simultâneas, conforme nomina a autora, que fazem sofrer e produz desgaste humano, precarizam a saúde mental dos trabalhadores, “pois os processos de produção de desgaste mental e do sofrimento psíquico se transformaram, e as configurações dos agravos desafiam as políticas sociais e, de modo especial, os profissionais de saúde e todos os envolvidos em acções voltadas ao desenvolvimento social” (SELIGMANN-SILVA, 2011, p.18).

O exemplo mais evidente é o uso do assédio moral como instrumento banalizado de gestão, que atinge ao processo de reconhecimento descrito anteriormente, na medida em que promove a própria desumanização do indivíduo assediado (FREITAS, HELOANI, BARRETO, 2008; SOBOLL, 2008).
Na maioria dos casos de atendimentos na saúde do trabalhador, o cuidado de enfermagem volta-se para a observação e o registo do comportamento, a medida comparativa é a referência à “norma” e aos “desvios” psíquicos que o trabalhador possa apresentar (FEITOSA, 2013).

MERLO et al., (2014) diz que uma das grandes dificuldades está em separar o que é da história de cada um, do que é provocado por esses modelos de gestão e das relações do trabalho. Para tanto, os autores referem que é necessário investigar as características da organização do trabalho a qual o usuário/trabalhador está submetido, buscando identificar os aspectos patológicos ali presentes.
O esforço de separação dessas duas fontes é necessário, caso contrário, a tendência será, tanto para o profissional de saúde que atende, como para o próprio trabalhador, considerar que toda a sua sintomatologia tem uma causa exclusivamente endógena, ou seja, levando o trabalhador a vivenciar o quadro que apresenta como da sua exclusiva responsabilidade.

Os profissionais da saúde podem neste caso, contribuir para a identificação das situações de sofrimento e adoecimento psíquico relacionado ao trabalho em sua investigação e estudo, produzindo assim conhecimento especializado. Para tanto, são necessárias acções inter, multi e transdisciplinares na implementação de propostas concretas e de políticas nesta área.

Para conhecer a “verdade do facto patológico”, o médico precisa abstrair o indivíduo, pois sua disposição, temperamento, fala, idade, modos de vida perturbam a identificação da doença, segundo o desenho nosográfico preestabelecido. Portanto, a história da doença não está mais acessível no indivíduo, mas em seus prontuários, basta consultá-los (SIMANKE, 2002 citado por FEITOSA, 2013).
Nesta acepção, o olhar do médico assume um poder capaz de detectar os acontecimentos singulares, assim como de descrevê-los sob a sua razão. Esse olho que é capaz de ver e falar serve apenas à verdade do médico. Portanto, o signo só adquire valor de sintoma quando sua descrição passa a ser suplementada pela consciência do médico, ou seja, aquilo que aparece legível na relação entre o olhar do médico e o corpo do doente. Pois, o que depende da fala ou da lembrança do paciente ou do relato dos seus familiares possui valor secundário e suspeito. Essa passagem implica a captura no discurso e na sanção da ordem médica (DUNKER, 2011 citado por FEITOSA, 2013).

O médico, neste sentido, ouve o paciente, mas não o escuta. Pois, o objectivo é apenas ouvir para colher as informações na medida em que estas possam ser cotejadas como um referente anatomopatológico. O paciente actua, assim como mero informante daquilo que por motivos técnicos não pode ser directamente visível para o médico como, por exemplo, a dor, sofrimento, e a intensidade do sintoma (DUNKER, 2011 citado por FEITOSA, 2013).

Portanto, a consulta médica, na grande maioria, tem o objectivo de maquilhar o sofrimento mental na medida em que procura não somente o deslocamento do conflito homem-trabalho para um terreno mais neutro. O mais importante é a desqualificação do sofrimento, no que este pode ter de mental. Dessa forma, os sujeitos/trabalhadores desprovidos de subjectividade, singularidade e história de vida passaram a ser vistos como corpos e, até as próprias questões psíquicas são transformadas em condições estritamente biológicas (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2004 citado por FEITOSA, 2013).

A clínica direccionada à saúde do trabalhador pauta-se na busca de instrumentos reguladores dos níveis externos de trabalho: intensificação, jornada e ritmos de trabalho. Essa é a forma racional que os donos dos meios de produção atestam para conseguir “combater” o sofrimento psíquico do trabalhador. Entretanto, este não pode ser regulado somente a partir de factores externos, conforme a lógica capitalista preconiza (FEITOSA, 2013).


O maior desafio consiste, exactamente, no estabelecimento da relação entre o sofrimento e o adoecimento psíquico com os aspectos da organização do trabalho. Pois, o lugar onde o trabalho é realizado tem um carácter fundamental.
Cabe ao profissional da saúde, que realiza a investigação/entrevista diagnóstica da relação entre saúde mental e trabalho, dispor de técnicas diferenciadas, que podem incluir entrevistas e outras modalidades de avaliação, bem como realizar a abordagem, se possível, juntamente com outro profissional.
Estes autores dizem que é de extrema importância que se questione ao trabalhador sobre a execução da sua actividade: como, quando e onde é realizada. Como se estabelecem as relações no ambiente de trabalho, a hierarquia, as exigências físicas e psíquicas. Ao mesmo tempo, solicitar como o trabalhador e a trabalhadora percebem o seu trabalho, como eles o descrevem, qual o processo da sua execução. No entendimento de que o trabalhador também é um agente de mudanças nas relações de trabalho, a compreensão que possui sobre o seu sofrimento e adoecimento são de suma importância para a compreensão das situações ocorridas na sua história (MERLO et al., 2014:21).

O sofrimento psíquico relacionado ao trabalho, nem sempre produz sintomas claros. Durante muito tempo, o usuário-trabalhador pode apresentar apenas uma sintomatologia inespecífica, que pode ser confundida com várias outras doenças (Idem: 21).
Dificilmente, as pessoas que buscam um serviço de saúde irão associar, espontaneamente, suas queixas e sintomas com o seu trabalho. Por isso, é fundamental que o profissional de saúde sempre busque ver, se, atrás de alguns sintomas genéricos, não se escondem dificuldades nas relações de trabalho (Op. cit., p. 22)
Como já explicado anteriormente, essa busca pode começar a partir de uma simples pergunta: Como você se sente no trabalho? A experiência dos serviços que atendem à saúde mental, relacionada ao trabalho, tem mostrado que uma pergunta genérica como esta “abre a porta” para que o trabalhador possa falar de seu trabalho pela primeira vez, muitas vezes desencadeando crises de choro e de ansiedade (Ibid).


Os sintomas de doenças psíquicas no trabalho reflectem-se em todo corpo, como iremos abaixo descreve-las:

Gerais: insónia, “dor nas costas”, uso regular de bebidas alcoólicas, de maconha (cannabis) ou de tranquilizantes.

Físicas: astenia (debilidade generalizada), dores abdominais, dores musculares, dores articulares, distúrbios do sono, distúrbios do apetite etc.

Emocionais: irritabilidade aumentada, angústia, ansiedade, excitação, tristeza, choro frequente, sentimentos de mal-estar indefinidos etc.

Intelectuais: distúrbios de concentração, distúrbios de memória, dificuldades para tomar iniciativas ou decisões etc.

Comportamentais: modificação dos hábitos alimentares, comportamentos violentos e agressivos, isolamento social, dificuldades para cooperar etc.


O trabalho tem grande importância para cada pessoa seja trabalhador ou não e desempenha um papel na sociedade. Trabalhar pode ser fonte de realizações e de prazer. Acontece que, muitas vezes, dependendo das condições em que o trabalho é feito, ele também pode causar sofrimento, adoecimento e até mesmo a morte. Portanto, este trabalho revestiu-se de uma importância significativa à medida que expôs, de maneira sintética, a visão sobre um trabalhador que é visível para a sociedade apenas enquanto mantiver seu ritmo ‘normal’  de produção. Um sofrimento psíquico que só é visível quando detectado e comprovado por uma causalidade orgânica e/ou epidemiológica. Portanto, percebemos que estamos lidando é com a invisibilidade do sofrimento psíquico do trabalhador. No entanto, a saúde mental é influenciada directamente pelas condições onde se desempenha o trabalho pois há situações que muitas vezes não oferecem condições mínimas para se trabalhar.



CARREIRO, G. S. P. O impacto do trabalho na saúde mental dos profissionais da estratégia saúde da família. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Enfermagem. Universidade Federal de Paraíba, 2010.
FEITOSA, R. M. M. O Trabalho e a Subjectividade do Trabalhador. 2013.
FERRAZ et al., A Saúde do Trabalhador da Estratégia Saúde da Família: revisão na literatura dos factores de risco relacionados a doenças ocupacionais. Monografia para obtenção do grau de Bacharel em Enfermagem. Universidade Vale do Rio Doce. 2009.
LIPP, M.E.N. Stress emocional: a contribuição de estressores internos e externos. Revista Psiquiatria Clínica: v. 28, n. 6, p. 347-349, 2001.
MERLO et al., (Orgs.). Atenção ao sofrimento e ao adoecimento psíquico do trabalhador e da trabalhadora: cartilha para profissionais do Sistema Único de Saúde – SUS. Porto Alegre: Evangraf, 2014.
RODRIGUES, P. F., ALVARO, A. L. T. & RONDINA, R. Sofrimento no Trabalho na Visão de Dejours. Ano IV – Número 7 – Novembro de 2006 – Periódicos Semestral. REVISTA CIENTÍFICA ELETÔNICA DE PSICOLOGIA – ISSN: 1806-0625.


NOTAS



[1] RODRIGUES, Patrícia Ferreira, ALVARO, Alex Leandro Teixeira & RONDINA, Regina. Sofrimento no Trabalho na Visão de Dejours. Ano IV – Número 7 – Novembro de 2006 – Periódicos Semestral. REVISTA CIENTÍFICA ELETÔNICA DE PSICOLOGIA – ISSN: 1806-0625.
[2] DEJOURS, Christophe. Avant-propos para a edição brasileira. Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: S. Lancman & L. I. Sznelwar (Orgs.), Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2004.
[3] O burnout é uma síndrome psicológica que envolve prolongadas respostas ao estresse no local de trabalho. Acontece desde que o trabalhador não consegue resolver uma determinada actividade ou situação. Há uma tendência de procura de realização pessoal, atingir níveis mais altos na empresa, a procura de eficiência nas tarefas, incompetência e outras características que não bem-sucedidas provocam estresse e começa a surgir a síndrome que tal síndrome passa a ser denominada de burnout.
[4] Secreção de suor; transpiração; hidrorreia (Cf. dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio de Holanda Buarque, versão electrónica; 3ª edição, 2004).
[5] Aumento do número de batimentos cardíacos por minuto (Cf. dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio de Holanda Buarque, versão electrónica; 3ª edição,2004).
[6] MERLO et al., (2014:13)

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