Género, Sexualidade, Violência e Poder
Género, Sexualidade, Violência e Poder
Homens não nascem prontos, não nascem violentos, nem saem da
barriga da mãe sedentos de poder, nem dispostos a “comer todas” usando o sexo como
arma contra as mulheres. Os homens são ensinados, dia a dia, nas sociedades, a
serem assim. Por um lado, esta constatação é preocupante, pois nos indica uma
sociedade com mecanismos bastante violentos de produção de indivíduos. Dá medo
viver numa sociedade que, quotidianamente coloca em acção estratégias que
exigem do homem desempenhos que o produzem enquanto um guerreiro: indivíduo
violento, competitivo e agressor (SEFFNER, 2008:15).
Por outro lado, essa mesma constatação – os homens são assim
porque foram educados para serem assim – nos permite pensar em modos de mexer
na equação, buscando um regime de equidade de género, uma situação em que
homens e mulheres possam conviver com distribuição igualitária de poder. Se os
homens são assim porque foram educados para serem assim, se forem educados de
outro modo poderemos ter homens com outras características[1].
3. Violência doméstica e poder (a
hegemonia masculina)
A masculinidade hegemónica seria aquela que garante a
reprodução das situações de dominação dos homens em relação às mulheres. As
práticas de subordinação e dominação incluem o abuso, a violência legal, a
discriminação económica e pessoal (MUSZKAT, 2006).
CONNEL (1995 citado por MUSZKAT, 2006) enfatiza que a
masculinidade hegemónica não tem um carácter fixo, igual em qualquer tempo ou
lugar. É uma masculinidade que ocupa a posição hegemónica em um dado padrão de
relações de género, sendo uma posição sempre contestável. A masculinidade
hegemónica não diz respeito a um estilo de vida, mas a configurações que formam
as relações de género.
Por sua vez, ALMEIDA (1995 citado por MUSZKAT, 2006)
compartilha das ideias de Connel, pois este autor considera que a masculinidade
hegemónica envolve um discurso que atribui aos homens potencial privilegiado de
dominação e superioridade social.
Em quase todas sociedades tem-se pensado que a violência
praticada por homens contra as mulheres seja algo normal[2]
pelo facto de homem ser mesmo homem. Nas relações conjugais, os homens
apresentam diversos comportamentos. MUSZKAT (2006) apresenta-nos alguns
comportamentos que envolvem essas práticas de violência, tais como: agressão
física, desqualificação sistemática da/o companheiro/a, negligencia afectiva em
relação a/o companheiro/a e/ou aos filhos, negligência financeira em relação
aos filhos, proibição de que a mulher exerça um trabalho profissional fora do
âmbito doméstico, proibição de que mulheres tenham vida social, acusações que
poem em duvida o caracter moral da mulher, violência praticada por homens sob
efeito de substancias toxicas (principalmente álcool), são identificados nem
como praticas violentas nem como actos que visam a manutenção do lugar de
poder, mas como praticas naturais, ligadas a um ou outro sexo, frequentemente
consideradas necessárias para a constituição do caracter de identidade
masculina, como descreve HEILBORN (1999 citado por MUSZKAT, 2006) ao referir
aos roteiros prescritos para o género masculino.
COSTA (2002 citado por COELHO & CARLOTO, 2007), ao
abordar a questão da masculinidade hegemónica, afirma existirem vários modelos
de masculinidade hegemónica competindo entre si, sendo que masculinidades
hegemónicas distintas produzem diferentes masculinidades subordinadas. Ou seja,
em contextos diversos, diferentes masculinidades hegemónicas são impostas,
salientando alguns atributos e negando outros. Por exemplo, explicam que,
dependendo do contexto, revidar fisicamente a um insulto pode ser visto como
prova de masculinidade ou, ao contrário, ser prova de masculinidade não revidar
à agressão e controlar os impulsos.
A visão de que existe uma masculinidade hegemónica,
auto-explicativa e universal é limitada e nos reporta a explicações biológicas
e naturalistas de que o sexo masculino é dotado de alguns atributos universais
e imutáveis, como por exemplo, o poder e a virilidade, enquanto as mulheres
seriam o sexo frágil, devendo ser dóceis e submissas e conformadas com esta condição
que seria definida pela natureza (COELHO & CARLOTO, 2007).
Na opinião grupal, podemos dizer que muitas vezes os homens
são os principais actores envolvidos em situações de violência, e sob um olhar
sociocultural, poderemos concluir que isso ocorre porque eles são influenciados
por características de “ser homem” presentes em modelos culturais de
masculinidades.
3.1. O exercício do poder masculino
na esfera doméstica
A masculinidade, construída socialmente nos homens, possui
um elemento chave que é a relação de poder que existe entre eles e as mulheres.
A masculinidade, situada no âmbito do género, representa um
conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se espera de um homem
numa determinada cultura. Em várias sociedades, a socialização dos homens e a
incorporação dos atributos masculinos se caracterizam por processos violentos.
Culturalmente, porém, a percepção do uso da violência física pelos homens pode
ser diferente, pois em alguns contextos culturais pode ser simbolicamente
valorizado e, em outros, pode ser repudiado, denotando fraqueza e inferioridade
(CECCHETTO, 2004).
Tratando-se de relações de género, também consideramos que
dominação seja um conceito útil. Partindo da teoria weberiana, podemos afirmar
que entre homens e mulheres, na maioria das vezes, a dominação é do tipo
tradicional, legitimada pela crença cotidiana das tradições vigentes desde
sempre[3].
A dominação dos homens sobre as mulheres, via de regra,
ocorre no campo do simbólico. O dominado (no caso, a mulher) adere a dominação
de maneira irreflectida e passa a considerar que aquilo seja natural. A esfera
doméstica é um ambiente onde tradicionalmente ocorre o exercício de poder e
dominação masculina. Em um contexto doméstico e conjugal (em relações estáveis
ou mesmo no namoro), homens violentos tendem a encarar o sexo como as
companheiras como um direito adquirido[4].
Enfim, para (NADER & CAMINOTI, 2014) referem que a
relação entre os entre os géneros é caracterizada pelo poder dos homens sobre
as mulheres e sua legitimação pela sociedade, o que caracteriza o processo de
dominação masculina. Essa dominação é calcada pela tradição, pela naturalização
do fenómeno que, na verdade, é social.
Para estas autoras, tanto a masculinidade quanto a
feminilidade também são socialmente construídas. Sendo que a noção de
masculinidade é normalmente entendida como uma metáfora de poder acesso pelos
homens quando necessário. O acto sexual está intimamente ligado a
masculinidade. Os homens são ensinados socialmente a encarar o sexo como um acto
de conquista, um atestado de virilidade e uma forma de dominação.
Equidade de género significa conceder oportunidades iguais
para mulheres e homens, meninas e meninos para desenvolver o seu potencial.
Para garantir a equidade, as medidas são postas em prática para
enfrentar a discriminação social ou histórica e desvantagens enfrentadas pelas
meninas em relação aos meninos.
Por sua vez, a Igualdade de género significa que mulheres e
homens, meninas e meninos devem desfrutar do mesmo status na sociedade; gozam dos mesmos direitos e oportunidades; o
mesmo nível de respeito na comunidade podendo então aproveitar as mesmas
oportunidades de fazer escolhas sobre suas vidas, e têm o mesmo poder de moldar
os resultados dessas escolhas.
A Igualdade de género não significa que homens e mulheres, ou
meninas e meninos sejam os mesmos. Mulheres e homens, meninas e meninos têm necessidades
diferentes relacionadas com prioridades, face a diferentes restrições,
desfrutam de diferentes oportunidades.
Os padrões orientadores das suas posições sociais espelham as
vantagens e desvantagens entre meninas e meninos consequentemente, eles são afectados
de formas diferentes por políticas e programas.
5. Escola e Estratificação Social
A estratificação social indica a
existência de diferenças, de desigualdades entre pessoas de uma determinada
sociedade. Ela indica a existência de grupos de pessoas que ocupam posições
diferentes. Os três principais tipos de estratificação social são: i.
Estratificação económica: baseada na posse de bens materiais, fazendo com que haja
pessoas ricas, pobres e em situação intermediária; ii. Estratificação política:
baseada na situação de mando na sociedade (grupos que têm e grupos que não têm poder);
e, iii. Estratificação profissional: baseada nos diferentes graus de
importância atribuídos a cada profissional pela sociedade.
A estratificação social é, por definição, a separação da
sociedade em grupos de indivíduos que apresentam características parecidas,
como por exemplo: negros, brancos, católicos, protestantes, homem, mulher,
pobres, ricos, etc. A estratificação é fruto das desigualdades sociais, ou
seja, existe estratificação porque existem desigualdades.
BUCHMANN e HANNUM (2001 citado por LUZ, 2006), ao analisar a
estratificação social em países em desenvolvimento, consideram a educação como
factor decisivo tanto na reprodução das desigualdades existentes quanto na
possibilidade de mobilidade social. As autoras apontam que as diferenças de
desempenho educacional entre os indivíduos podem ser explicadas pela interacção
entre os factores de oferta[6]
e de demanda[7].
5.1. Estratificação Social do Género
LÉTTI (s/d) nos relata que em todas as sociedades, os
indivíduos categorizam-se uns ao outros como masculino ou feminino e, com base
nessa distinção, as crenças culturais e normas indicam quais status os homens e as mulheres deveriam
ocupar e como eles deveriam desempenhar os papéis associados com esses status.
Tem havido no curso da evolução humana enorme variação no que é definido como
adequado aos homens e às mulheres, um facto que indica que distinções entre os
sexos são mais socioculturais do que biológicas. Esse processo de definir
culturalmente status e papéis
adequados para cada sexo é denominado de diferenciação de género; e esse
conceito deveria ser distinto da diferenciação sexual, que denota as diferenças
biológicas entre homens e mulheres.
Para a autora acima supracitada, quando as posições ocupadas
por homens e mulheres implicam diferentes quantidades de renda, poder,
prestígio e outros recursos de valor, um sistema de estratificação de género
pode ser considerado existente. Desde que os homens abandonaram a caça e a
colheita entre 12 mil a 18 mil anos atrás, a estratificação de género existe em
todas as sociedades conhecidas. E esse sistema tem favorecido homens, que têm a
maior probabilidade em ocupar posições e desempenhar papéis que trazem mais poder,
riqueza material e prestígio.
A estratificação de género é sustentada por ciclos que se
reforçam mutuamente. As mulheres são identificáveis; apresentam ameaças à
dominação masculina de papéis sociais-chave; são sujeitas a crenças
preconceituosas sobre sua formação "biológica"; estão expostas a uma
longa lista de práticas discriminatórias[8].
6. Crises nas Relações de Género
A crise nas relações de género é uma crise em torno da
distribuição do poder, e a balança tem pendido para as mulheres, embora ainda
esteja longe do estado de equilíbrio.
Outro aspecto é que determinados grupos de homens têm
questionado o privilégio de outros grupos de homens. Homens negros têm lutado
por uma justa distribuição de oportunidades quando concorrem com homens brancos
por uma vaga no mercado de trabalho, por exemplo. Ou para ingresso no ensino
superior público, juntamente com as mulheres negras, como no caso da discussão
dos regimes de cotas. Homens homossexuais têm lutado para que sua orientação
sexual não lhes impeça o exercício de direitos reservados até agora aos homens heterossexuais.
Exemplo disso são os casos de adopção de filhos por casais homossexuais masculinos,
ou o direito de pensão por morte do companheiro. Homens homossexuais têm lutado
para que a homofobia seja crime.
Homens portadores de alguma modalidade de deficiência
física, e até mental, lutam para ter acesso a oportunidades de trabalho em pé
de igualdade com os demais homens.
7. Género e VIH/SIDA
O conceito de género deve ser entendido como uma construção social,
histórica e cultural, elaborado sobre as diferenças sexuais e sobre as relações
que são socialmente construídas. Nesse sentido, a sociedade constrói concepções
e funções diferentes para mulheres e homens. Portanto, os estudos de género
permitem reflectir como valores culturais, morais e éticos influenciam a vida
das diversas mulheres (COLLING, 2004 citado por VON MUHLEN, SALDANHA &
STREY, 2014).
Segundo estudo de KORNFIELD (2010 citado por VON MUHLEN et al., 2014), mulheres são 20 vezes
mais vulneráveis do que homens de serem infectadas através de relações sexuais
com o vírus do VIH, provavelmente devido à exposição prolongada da vagina, da
cérvice e do útero ao líquido seminal.
As autoras ainda observam que mulheres de baixa renda têm
maior risco de infecção pelo VIH e de ter uma gravidez indesejada. Contudo, o
risco de contrair o VIH também está relacionado a factores como a pobreza, o
desemprego, o analfabetismo, as desigualdades de género, as práticas culturais,
a falta de informação e de serviços, e talvez à desinformação, já que muitas
mulheres não se consideram em risco (SILVA & VARGENS, 2009; UNAIDS, 2008
citado por VON MUHLEN et al., 2014).
Apesar da crescente incorporação da dimensão das relações de
género e do respeito à diversidade nas opções sexuais em acções de prevenção, o
género ainda é pensado no singular, no feminino, como sinónimo de opressão
feminina; e não se aprofunda nas acções de prevenção (PAIVA, 2002); dessa
forma, crenças sociais a respeito de comportamentos femininos dificultam a
prevenção e fazem reflectir sobre estratégias preventivas (CARVALHO &
PICCININI, 2008)[9].
Muitas mulheres seropositivas usam preservativo para evitar
gravidez e não para se proteger da reinfecção e/ou impedir a transmissão do
VIH. Ao engravidar, interrompem o uso de preservativos, uma vez que a motivação
do seu uso já não tem razão de ser. Casais seropositivos também devem fazer uso
do preservativo para evitar uma reinfecção com um vírus diferente e até mesmo
mais resistente que o seu (KORNFIELD, 2010)[10].
Muitas mulheres não têm conseguido dialogar com o parceiro
sobre o uso do preservativo. Não o fazem devido a tabus relacionados à
sexualidade, relações amorosas que não primam pela igualdade, respeito,
fantasias de fidelidade permanente, dependência financeira e afectiva, temor da
perda do amor se demonstrar dúvidas a respeito da fidelidade do parceiro.
Nas relações amorosas, às vezes há mecanismos de opressão
sobre as mulheres que acarretam dificuldades para que expressem medo de
contaminação do VIH pois elas se vêm não ter muita escolha ou poder de decisão.
Em contrapartida, uma das causas da exposição do homem às
doenças sexualmente transmissíveis diz respeito à necessidade de se
auto-afirmar, cuja expressão maior é a mistura (TORRES, BESERRA, & BARROSO,
2007)[11].
Esses aspectos estão estreitamente correlacionados aos
papéis de género tradicionais regidos por padrões heterossexistas assimétricos.
Além da submissão, dependência afectiva e ingenuidade, os tabus e preconceitos
também são factores de vulnerabilidade feminina; estereótipos de perfis e
condutas desviantes levam ao afrouxamento da preocupação com o autocuidado
(SILVA & VARGENS, 2009)[12].
A não adesão ao preservativo denota, em muitos casos,
negligência e subestimação dos riscos, em que a razão perde para a emoção[13].
8. Abuso Sexual de Menores
Segundo HARTMAN e BURGESS (1989 citado por PEREIRA, 2006)
definem o abuso sexual, como a exploração da criança por um adulto, que utiliza
como fonte de prazer sexual. Esta exploração pode revestir diversas formas,
desde o exibicionismo, à produção de filmes e outro material pornográfico com
criança, até à consumação do acto sexual ou práticas sexuais aberrantes.
Segundo MAGALHAES (2002 citado por PEREIRA, 2006), o abuso
sexual é ainda intra ou extrafamiliar (sendo mais frequente o primeiro) e
ocasional ou repetido, ao longo da infância. São exemplo deste tipo de abuso:
A obrigação do menor tomar conhecimento e
presenciar conversas ou escritos obscenos, espectáculos ou objectivos
pornográficos ou actos de caracter exibicionista;
A utilização do menor em fotografias filmes ou
gravações pornográficas, ou em práticas sexuais de relevo (ex: beijos na boca
ou caricias nos órgãos genitais e nas mamas do menor, manipulação dos órgãos
genitais do abusador, contacto entre os órgãos genitais de ambos);
A realização de coito (penetração oral, anal
e/ou vaginal).
8.1. A vítima e o seu meio
intrafamiliar
Constata-se que geralmente a violência sexual praticada
contra menores é praticada por pessoas conhecidas e próximas à vítima, tais
como, família, vizinhos, professores, amigos). Desta forma o agressor ocupa uma
posição de poder em relação à vítima, utilizando esse poder de várias formas
como forma de intimidar a vítima, nomeadamente através de chantagem emocional
ou intimidação e ameaça.
AIKEN & PURDY (1998 citado por CAMÕES, s/d) propõem
direitos iguais para adultos e crianças, já que estas estariam a ser
prejudicadas pelos limites do Direito.
CAMÕES (s/d) diz que desta forma seria salvaguardada a
protecção dos menores, que ainda não tendo o seu processo de desenvolvimento
concluído estariam em desvantagem em relação aos adultos, na hora de serem
defendidos judicialmente.
A denúncia[14]
Quando eventualmente e criança decide transmitir a alguém os
abusos sexuais, muitas vezes já se passaram meses ou até mesmo anos, o que
comprometerá a perícia médica legal. A criança é de seguida encaminhada para um
médico legista que irá fazer o exame médico-legal e envia-lo posteriormente
para seguir os trâmites legais. Neste percurso muitas vezes o menor continua a
conviver com o agressor, originando a perda de indícios e provas, que poderão
prejudicar a incriminação do agressor.
A razão do Silêncio[15]
São vários os factores que poderão levar o menor a silenciar
a violência sexual. O silêncio vai permitir que a violência contra o menor se
perpetue no tempo, desta forma será importante que os adultos estejam atentos
aos sinais e sintomas que poderão evidenciar a existência de violência sexual.
Numa criança abusada sexualmente poderemos encontrar
variados sinais e sintomas:
Mudança comportamental na escola ou no contexto
familiar;
Diminuição do rendimento escolar;
Necessidade de super-estimulação ou insegurança;
Recusa ou medo de ficar com um adulto, ou
sozinho com ele;
Medo de algumas pessoas ou lugares;
Problemas com os esfíncteres;
Perturbações do sono;
Depressão, ansiedade, afastamento, apatia ou
indiferença;
Automutilação;
Fuga;
Problemas com álcool ou drogas;
A nível físico, irritações na boca, vagina ou
ânus.
Muitas vezes o agressor é alguém que está próximo da criança
e a confunde-a entre a violência sexual e um acto de carinho, servindo-se da
persuasão, recompensa ou ameaças, levando a criança a confundi-lo(a) com uma
pessoa boa e que gosta de si[17].
Isto promove o silêncio e alimenta o medo da criança perder
a pessoa que acha gostar de si.
Por outro lado estas crianças alimentam por vezes um
sentimento de culpa e vergonha temendo a desagregação familiar.
9. Violência com Base no Género
O género – o ser homem ou mulher, é um processo de
construção não só social mas predominantemente cultural. As normas e valores
culturais variam de cultura para cultura, dependem do seu contexto
sociocultural e histórico e, mesmo dentro da mesma cultura e sociedade,
encontramos diversidade entre diferentes grupos (LEVESQUE, 2001 citado por DIAS
& MACHADO, 2008). Assim, partindo da noção de que o género é uma construção
sociocultural, os significados associados ao feminino e ao masculino, ao que é
ser homem e mulher, também diferem consoante o contexto cultural, conforme
vários estudos interculturais e antropológicos confirmam (DAWLA, 2000; HORNE,
1999; KOZU, 1999 citado por DIAS & MACHADO, 2008).
Por exemplo, nas sociedades árabes e africanas a virgindade
é um valor sagrado, significando a integridade da mulher e a honra para o
homem. Nestas sociedades, o ter vários relacionamentos é sinal de masculinidade
para o homem, enquanto tal hipótese nem se coloca à mulher.
No entanto, apesar da diversidade de normas e práticas
associadas a cada um dos géneros, verifica-se uma assimetria de género
sistemática no sentido da superioridade e dominância do masculino face ao
feminino (DE WELDE, 2003; STOCKARD & JOHNSON, 1992 citado por DIAS &
MACHADO, 2008). Esta assimetria de género está presente na própria
diferenciação do corpo feminino, sendo percepcionado como violável e fraco
(CAHILL, 2000, citado por DE WELDE, 2003), socialmente e sexualmente
vulnerável.
Segundo DE WELDE (2003 citado por DIAS & MACHADO, 2008),
a ideologia de género dominante aprisiona a mulher em ciclos de vitimação e na
auto-percepção de fraqueza, havendo uma perspectiva essencialista que reifica a
mulher como subordinada e mais fraca.
As instruções de feminilidade perpetuam o dualismo
homem/masculino e mulher/feminino, em que o masculino é visto como sendo mais
físico e mais forte comparativamente ao feminino[18].
Segundo UNFPA (2005) refere que a violência baseada em
género envolve homens e mulheres, sendo as mulheres, usualmente mas não sempre,
as vítimas. A violência se origina a partir de relações de poder desiguais
dentro das famílias, comunidades e Estados. A violência é geralmente dirigida
especificamente contra as mulheres por diversas razões, e as atinge
desproporcionalmente. A violência tornou-se ainda mais pronunciada em situações
de conflito e pós-conflito na África, incluindo Burundi, Chade, República
Democrática do Congo, Somália e Sudão.
Ainda segundo a UNFPA (2005) diz que a Declaração da ONU
sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, adoptada pela Assembleia Geral
no dia 20 de Dezembro de 2003 define a violência contra a mulher como:
“Qualquer acto de violência baseada em género que resulte ou possa
resultar em danos mentais ou sexuais, ou sofrimento para a mulher, incluindo
ameaças, como actos de coerção ou privação arbitrária de liberdade, seja na
vida pública ou privada”.
As principais causas da pobreza das mulheres estão contidas
nas relações de poder desiguais entre mulheres e homens, direitos à herança
discriminatórios e falta de acesso à propriedade e a recursos produtivos. A
disseminação da pobreza também afecta de forma adversa a saúde e a educação das
mulheres[19].
As mulheres pobres são mais vulneráveis a todas as formas de
violência porque elas tipicamente vivem em ambientes incertos e perigosos. A
violência contra a mulher é o principal resultado das desigualdades baseadas em
género, criando consequências muito maiores para o bem-estar e a autonomia das
mulheres do que se pensava anteriormente. Isso é reconhecido no parágrafo 117
da Plataforma de Acção de Beijing:
“O medo da violência, incluindo o assédio, é um
permanente constrangimento na mobilidade das mulheres e limita o acesso delas
aos recursos e às actividades básicas. Altos custos sociais, para a saúde e
para a economia dos indivíduos e da sociedade estão associados com a violência
contra a mulher. A violência contra a mulher é um dos mecanismos sociais
cruciais pelo qual as mulheres são forçadas a posições de subordinação...” (Nações
Unidas: A Declaração de Beijing e a Plataforma de Acção, 1996, p.75).
10. Violência, Violação e Assédio
Sexual na Escola
A Save the Children
define o abuso sexual de crianças como a imposição de actos sexuais, ou actos
de natureza sexual, por uma ou mais pessoas sob uma criança, seja à força ou
através do abuso duma situação de vulnerabilidade, poder diferencial ou
confiança[20].
Segundo ARTHUR (1998 citado por MATAVELE, 2005), o assédio é
definido pelos comités sindicais como “a busca de favores sexuais numa relação
de poder. Na maioria dos casos está envolvido um chefe, que sob pena de
sanções, apresentadas de forma mais ou menos explícita, compele uma subordinada
a práticas sexuais que não são do seu agrado, podendo culminar com o
despedimento ou a exclusão da possibilidade de promoção, caso haja recusa em
ceder[21].
10.1. Assédio e Abuso Sexual no meio
Escolar
No que concerne ao meio escolar, o abuso e assédio sexual é
referido como sendo uma realidade nas escolas moçambicanas. O abuso sexual nas
escolas pode ser praticado por professores, funcionários e pelos colegas da
rapariga[22].
Um estudo realizado pela ActionAid (2005) sobre abuso sexual nas escolas
moçambicanas que aborda as formas, manifestações e percepções da população
estudantil, concluiu que o abuso sexual não é encarado no contexto da violação
dos direitos humanos da mulher, mas sim da ruptura das expectativas
relacionadas com o papel social atribuído à mulher nas relações de género, onde
a educação tradicional prevê a sua transacção como objecto[23].
OSÓRIO (2007) faz uma análise do género e sexualidade entre
os jovens do ensino secundário e constata que o assédio sexual é amplamente
conhecido, debatido e objecto de rumores pelos/as jovens (de todas as idades) e
é reconhecido como u m acto visando estabelecer uma troca de favores sexuais em
troca do aproveitamento escolar das alunas. Neste estudo foram identificadas no
discurso das entrevistadas três posições relativamente ao perfil das raparigas
no contexto de assédio sexual: as que são assediadas e se conformam (70%), as
que assediam (10%) e as que resistem ao assédio (20%)[24].
Analisando o abuso sexual na perspectiva da corrupção, MOSSE
& CORTEZ (2006), chamam atenção para o facto de uma das grandes formas de
extorsão no sector da educação em Moçambique ser por via do sexo. Referida como
extorsão sexual, este estudo menciona que os professores usam a intimidação e a
ameaça para fazer com que as alunas lhes prestem favores sexuais em troca de
uma passagem de classe. Nalguns casos, a cobrança de sexo acontece quando
determinada aluna não tem dinheiro para pagar o professor. Caso a aluna se
recuse chumba de classe, o que faz com que esta opte por mudar de escola[25].
No entanto, os autores referem que existem casos em que as
alunas que se envolvem nas situações de extorsão sexual com menos resistência,
parecendo aceitar a situação com mais facilidade. Nestes casos, as alunas
discutem abertamente as formas de pagamento dos favores com o professor (acesso
prévio aos testes ou obtenção de notas positivas nas pautas) com vista a
melhorar as suas notas. Em relação aos professores, de acordo com os dados do
estudo, estes justificam o seu envolvimento com as estudantes devido aos seus
trajes, que de acordo com estes deixam as partes íntimas do corpo à vista[26].
10.2. Abuso e Assédio Sexual no
Contexto Escolar em Moçambique
10.2.1. Tipos de Abuso e Assédio
Sexual no Contexto Escolar
A Actionaid (2008) refere que o abuso sexual na educação
consiste em:
- Molestar ou atacar sexualmente uma rapariga ou permitir
que este acto ocorra na escola ou fora dela, protagonizado por professores seus
ou outros funcionários da escola, em troca de benefícios materiais, nota para
passar, matrícula, entre outros;
- Encorajar ou forçar uma rapariga a ser usada para a
satisfação sexual de professores, funcionários da escola, ou mesmo elementos da
comunidade numa situação de desigualdade e coerção;
- Envolvimento de uma rapariga em qualquer acto ou
actividade sexual com um adulto ou outra pessoa mais velha, ligados ao
estabelecimento de ensino que frequenta, antes da idade ou de consentimento
reconhecido legalmente[27].
10.3. Causas do Abuso e Assédio
Sexual no Contexto Escolar
De acordo com a Actionaid (2008), existem várias causas do
abuso sexual da rapariga nas escolas dentre elas destacam-se:
- O facto de a personalidade e as convicções da rapariga
nesta idade estarem ainda em processo de desenvolvimento, significando que elas
não têm capacidade de defesa, perante a situação de abuso;
- Pobreza e vulnerabilidade económica;
- Raparigas vivendo com pais separados, divorciados ou com
outros parentes, portanto, numa situação de vulnerabilidade;
- Degradação dos valores morais por parte dos abusadores;
- Crenças culturais, normas e instituições sociais que
legitimam e perpetuam a violência contra as mulheres em geral;
- Desigualdades nas relações de género[28].
11. Conclusão
Este trabalho teve como objectivo principal analisar aspectos
relacionados com as questões de Género, Sexualidade, Violência e Poder.
Entretanto, após a nossa pesquisa feita através da revisão bibliográfica compreendemos
que de facto, as coisas não são tão simples como podem parecer, mas o mais
importante seria investir na educação de homens e mulheres, tendo como
objectivo um regime de igualdade e equidade de género. E os processos
educativos devem abranger também as mulheres, que na maior parte dos casos
convivem de modo a permitir que os homens tenham estes comportamentos
violentos, mesmo quando deles discordam. Mas sabemos que as dificuldades são
muitas, porque não estamos apenas tratando de processos educativos, mas de uma
redistribuição de poder, e que implica retirar poder dos homens e distribuir
numa relação igualitária com as mulheres.
Ademais, verifica-se que o nível de escolaridade das pessoas
tem criado a estratificação das oportunidades também. Os modos de constituir
agregados familiares podem gerar situações de maior equidade de género, ou não.
Mas, sempre é possível localizar, no interior de uma determinada ordem de
género, um conjunto de características que configura um modo hegemónico de
masculinidade.
12. Referência Bibliográfica
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CAMÕES, C. Violência Sexual em Menores. (s/d).
CECCHETTO, F. R. Violência e estilos de masculinidade. Rio
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COELHO, S. M. P. F. & CARLOTO, C. M. Violência
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Sector da Educação em Moçambique. Documento de Discussão Nº 2. Centro de
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[1] SEFFNER, Fernando. Educação
para a Igualdade de Género. Ano XVIII - Boletim 26 - Novembro de 2008.
[2] Pelo facto de pensar-se
que o homem é o chefe da família, é que manda, etc., ao mesmo tempo eles pensam
que pode mandar e desmandar e essas acções incluem a violência que os homens
fazem contra suas mulheres usando o seu poder de masculinidade.
[3] NJAINE, SILVA, RODRIGUES, GOMES
e DELZIOVO. Violência e perspectiva
Relacional de género. FLORIANÓPOLIS, UFSC, 2014.
[4] Idem, NJAINE, SILVA, RODRIGUES,
GOMES e DELZIOVO. Violência e perspectiva
Relacional de género. FLORIANÓPOLIS, UFSC, 2014.
[5] UE-PAANE – MANUAL DE
IGUALDADE EQUIDADE DE GÉNERO. Programa de Apoio aos Atores Não Estatais “Nô Pintcha Pa Dizinvolvimentu”.
[6] Factores de oferta são as
oportunidades educacionais disponíveis,
[7] Factores de demanda dizem
respeito às decisões familiares quanto à educação, processo directamente ligado
às características socioeconómicas e estruturais da família.
[8] Idem, LÉTTI (s/d).
[9] Idem, citado por VON
MUHLEN et al., 2014.
[10] Idem, citado por VON
MUHLEN et al., 2014
[11] Idem, citado por VON
MUHLEN et al., 2014.
[12] Idem, citado por VON
MUHLEN et al., 2014.
[13] Muitas pessoas quando o
assunto é sexo, perdem automaticamente o controlo de si e das suas emoções
razão pela qual a própria razão perde. Em alguns casos a ideia é de aproveitar
ao máximo a parceira (no caso de homens), situações estas que acontecem quando
a parceira é muito bonita.
[14] Cristina Camões. Violência
Sexual Em Menores (s/d).
[15] Cristina Camões. Violência
Sexual Em Menores (s/d).
[16] Cristina Camões. Violência
Sexual Em Menores (s/d).
[17] Idem, Cristina Camões
(s/d).
[18] Idem, DE WELDE, 2003.
[19] FUNDO DE POPULAÇÕES DAS
NAÇÕES UNIDAS (2005)
[20] Save the Children UK
(2007). Proteger as Crianças. Atitudes comunitárias em relação ao abuso sexual
de crianças nas zonas rurais de Moçambique, p.1.
[21] Matavele, Joaquim (ed)
(2005). Relatório do Estudo sobre Abuso Sexual da Rapariga nas Escolas
Moçambicanas, p. 11.
[22] Neste caso é considerada
rapariga a qualquer ser humano do género feminino com idade compreendida entre
os 7 e 18 anos, conforme o Manual da Campanha contra o Abuso Sexual da Rapariga
na Educação, elaborado pela ActionAid.
[23] ActionAid (2008), Manual
da Campanha. Não ao Abuso Sexual contra a Rapariga na Educação, p.10.
[24] Osório refere que os
discursos sobre as raparigas que assediam e as que são assediadas (e se
conformam) são sempre feitos na terceira pessoa, isto é, não foi encontrada
nenhuma situação se descrição por jovens que tenham vivido esta experiência. O
que se procura reflectir nestes casos, são as representações das entrevistadas
sobre o assédio sexual.
[25] MOSSE & CORTEZ
(2006). A Pequena Corrupção no Sector da Educação em Moçambique, p. 23.
[26] Idem.
[27] Actionaid (2008), Manual
de Campanha. Não ao abuso sexual da rapariga na educação, p. 22.
[28] Actionaid (2008), Manual
de Campanha. Não ao Abuso Sexual Contra a Rapariga na Educação, p 22.
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