ALFABETIZAÇÃO Versus ALFABETIZAÇÃO FUNCIONAL
ALFABETIZAÇÃO Versus ALFABETIZAÇÃO FUNCIONAL
Alfabetização
A Alfabetização é a aquisição e aplicação de habilidades
básicas de leitura, escrita e cálculo (EAEA, 2010-2015).
Por outro lado (CANÁRIO, 2000 citado por DELGADO, s/d) diz
que o termo alfabetização no sentido etimológico significa a aquisição do
alfabeto e no sentido restrito significa ler e escrever. Mas, no sentido amplo
é um processo contínuo de transformações sociais significativas, dando ao
indivíduo que nele está inserido ferramentas para lutar pelos seus direitos e
tomar consciência do cumprimento dos seus deveres.
No entanto, quando fala-se da alfabetização, na maioria das
vezes a ideia que nos vem da cabeça é que está se falando da educação de jovens
e adultos que são pessoas que não tiveram oportunidade de frequentar a escola
enquanto cedo.
Alfabetização
Funcional
A Alfabetização Funcional é a aprendizagem através de um
conjunto de actividades de leitura, escrita e cálculo que permitem que as
pessoas, individual ou colectivamente, apliquem os seus conhecimentos de forma
efectiva para a melhoria das suas condições de vida e da comunidade (EAEA,
2010-2015).
3. Breve história de alfabetização
Segundo afirma ARAÚJO (1996 citado por OLIVEIRA, 2014), a
história da alfabetização pode ser analisada em três períodos: o primeiro
abarca a Antiguidade e a Idade Média, quando preponderou o método da
soletração: o segundo se distinguiu pelas reacções ao processo da soletração e
concepção de novos métodos sintéticos e analíticos, compreende os séculos XVI a
XVIII, e que se alargou até a década de 60; e o terceiro período, o
contemporâneo caracterizado pelo questionamento da necessidade de agregar os
sinais gráficos da escrita aos sons da fala para aprender a ler.
Na antiguidade foi instituído o alfabeto e o primeiro método
de ensino: a soletração, também chamado alfabético ou abc. Conforme MARROU
(1969 citado por OLIVEIRA, 2014), a alfabetização acontecia por um processo
lento e complicado, começava pela aprendizagem de 24 letras do alfabeto e as
crianças tinham que decorar os nomes das letras, primeiro na ordem, depois em
sentido inverso. Apenas depois de decorar era exibida a forma gráfica. A tarefa
seguinte era integrar o valor sonoro à respectiva representação gráfica. As
primeiras letras exibidas eram as maiúsculas, distribuídas em colunas, depois
vinham as minúsculas, quando os aprendizes haviam memorizado a associação das letras
às formas, processos semelhantes eram feito com as famílias silábicas. Assim,
muitos estudiosos designaram a soletração como a “maior tortura do espírito”.
Conforme ARAÚJO (1996), haviam muitas estratégias empregadas
na Idade Média para promover o alcance da leitura pelas crianças. Onde na
examinação de peças de museus, foi possível descobrir suportes de textos usados
na época, como alfabetos de couro, tecido e até mesmo em ouro. Porém,
acredita-se que as crianças das famílias de baixo poder aquisitivo também
tinham acesso à aprendizagem da leitura e da escrita[1].
Em outras partes do mundo, haviam ainda outras estratégias
usadas na alfabetização. Na Itália por exemplo, era como servir bolos e doces
com formatos de letras. Após apresentarem o alimento com formato de letra,
ensinavam o seu nome e as crianças comiam. Eis a origem das actuais sopas de
letrinhas.
A partir do século XVI, pensadores começaram a manifestar-se
contra o método da soletração, em função da sua dificuldade. Na Alemanha, é
apresentado um método com base no som das letras de palavras conhecidas pelos
alunos. Na França é reinventado o método da soletração: em lugar de ensinar o
nome das letras ensinavam o som, na tentativa de facilitar a soletração.
Em 1719, Vallange (citado por ARAÚJO, 1996) cria o
denominado método fónico com o material chamado “figuras simbólicas”, cujo
objectivo era mostrar palavras acentuando o som que queria representar. O
excesso na pronúncia do som das consoantes isoladas levou tal método ao
ridículo e fracasso. Ter em vista à superação das dificuldades do método
tónico, na França foi criado o método silábico: estratégia de juntar consoante
e vogal constituindo à sílaba e unir as sílabas para compor as palavras[2].
No método silábico, ensina-se o nome das vogais, depois de
uma consoante, e, em seguida, são expostas as famílias por elas compostas. Ao
contrário do fónico, no método da silabação, a sílaba é exibida pronta, sem se
esclarecer a articulação das consoantes com as vogais. Em seguida, ensinam-se
as palavras compostas por sílabas e outras já aprendidas.
Ainda segundo ARAÚJO (1996) os métodos da soletração, o
fónico e o silábico são de origem sintética, pois parte da unidade menor rumo à
maior, isto é, apresentam a letra, depois unindo letras se obtém a sílaba,
unindo as sílabas compõem-se palavras, unindo palavras formam-se sentenças e
juntando-se sentenças formam-se textos. Há um percurso que caminha da menor
unidade (letra) para a maior (texto)[3].
Os métodos da palavração, sentenciação ou os textos actuais
são de origem analítica, pois partem de uma unidade que possui significado,
fazem sua análise (segmentação) em unidades menores.
3.1. História da Alfabetização em
Moçambique
De acordo com MÁRIO (2002 citado por
MÁRIO & NANDJA, 2005) identifica três etapas distintas na provisão de
programas de alfabetização e educação de adultos em Moçambique. A 1ª etapa
começa em 1975, após a proclamação da independência nacional, e estende-se até
meados da década de 80. Tem como marco de referência a consagração da Educação
de Adultos como um dos pilares do Sistema Nacional de Educação. O autor refere
que esta é uma etapa caracterizada por um processo dinâmico e multifacetado de
mobilização popular para as tarefas de reconstrução nacional, de construção da
unidade nacional e de afirmação da identidade moçambicana.
Por causa disto, realizaram-se
sucessivas campanhas de alfabetização e educação de adultos em todo o
território nacional; um conjunto de acções planificadas e concertadas de
educação e formação de adultos junto de determinadas empresas, comunidades ou
sectores sociais definidos como “estratégicos” para o desenvolvimento
socioeconómico do país pelo governo foram desencadeadas (...).
Graças a este esforço concertado, no
espaço de cinco anos, foi possível reduzir a taxa de analfabetismo entre a
população adulta em cerca de 25%, tendo passado de 97% em 1974 para cerca de
72% em 1982 (MÁRIO (2002:129-30 citado por MÁRIO &
NANDJA 2005).
A 2ª etapa teve início nos meados da
década de 1980, e esta prolonga-se até 1995. Ela é caracterizada por uma
redução significativa das actividades de alfabetização e educação de adultos
devido à intensificação da guerra de desestabilização então movida pelo regime do
“apartheid” da África do Sul.
Para além da destruição de infra-estruturas
e perda de vidas humanas, a guerra esteve na origem directa do afluxo de
milhares de refugiados moçambicanos nos países vizinhos e de milhões de deslocados
em todo o país. Assim, a alfabetização e educação de adultos passaram a estar
confinadas às grandes cidades. A única excepção foram as iniciativas de organizações
não-governamentais, religiosas e de indivíduos que mantiveram os programas em pequena
escala, tendo produzido, em muitos casos, programas inovadores, como a
alfabetização com base em línguas locais. Esta fase culminou com a extinção da Direcção
Nacional de Educação de Adultos (DNEA), cujas actividades e pessoal foram integrados
na Direcção Nacional do Ensino Básico (MÁRIO & NANDJA 2005).
A 3ª etapa que é no entanto considerada
a última começa em 1995 e estende-se até aos nossos dias. Ela pode ser caracterizada
como um processo de redescoberta e o resgate da alfabetização e educação de
adultos “no contexto de paz e estabilidade social que o país vive, e como instrumento
indispensável de um desenvolvimento económico e social sustentável, centrado no
homem e na mulher moçambicanos” (MÁRIO, 2002 citado por MÁRIO
& NANDJA, 2005).
No
entanto, a taxa de analfabetismo no grupo etário dos 15 aos 24 anos é de 30%,
dos quais 51% do sexo feminino. O efectivo estudantil no ensino superior
público e privado representa cerca de 100.000 estudantes, dos quais 72% em
instituições públicas e 27.1% em privadas (MINED, 2010).
4. Alfabetização e Alfabetização
Funcional
Segundo (CASTELL, LUKE &
MACLENNAN 1986 citado por RIBEIRO, 1997:145) refere que o termo alfabetismo
funcional foi originado nos Estados Unidos na década de 1930 e utilizado pelo
exército norte-americano durante a Segunda Guerra, indicando a capacidade de
entender instruções escritas necessárias para a realização de tarefas
militares. A partir de então, o termo passou a ser utilizado para designar a
capacidade de utilizar a leitura e a escrita para fins pragmáticos, em
contextos quotidianos, domésticos ou de trabalho, muitas vezes colocado em
contraposição a uma concepção mais tradicional e académica, fortemente referida
a práticas de leitura com fins estéticos e à erudição.
A autora refere no seu artigo que em alguns casos, o termo
analfabetismo funcional foi utilizado também para designar um meio-termo entre
o analfabetismo absoluto e o domínio pleno e versátil da leitura e da escrita,
ou um nível de habilidades restrito às tarefas mais rudimentares referentes à
“sobrevivência” nas sociedades industriais. Há ainda um conjunto de fenómenos
relacionados que podem ser associados ao termo analfabetismo funcional, por
exemplo, o analfabetismo por regressão, que caracterizaria grupos que, tendo
alguma vez aprendido a ler e escrever, devido ao não uso dessas habilidades,
retornam à condição de analfabetos (RIBEIRO,
idem, p. 145).
Para a autora supracitada, a ampla disseminação do termo
analfabetismo funcional em âmbito mundial deveu-se basicamente à acção da
UNESCO, que adoptou o termo na definição de alfabetização que propôs, em 1978,
visando padronizar as estatísticas educacionais e influenciar as políticas
educativas dos países-membros. A definição de alfabetização que a UNESCO
propusera em 1958 fazia referência à capacidade de ler compreensivamente ou
escrever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Vinte anos
depois, a mesma UNESCO proporia outra definição, qualificando a alfabetização
de funcional quando suficiente para que os indivíduos possam inserir-se
adequadamente em seu meio, sendo capazes de desempenhar tarefas em que a
leitura, a escrita e o cálculo são demandados para seu próprio desenvolvimento
e para o desenvolvimento da sua comunidade (ibidem,
p. 147).
O qualitativo funcional insere a definição do alfabetismo na
perspectiva do relativismo sociocultural. Tal definição já não visa limitar a
competência ao seu nível mais simples (ler e escrever enunciados simples
referidos à vida diária), mas abrigar graus e tipos diversos de habilidades, de
acordo com as necessidades impostas pelos contextos económicos, políticos ou
socioculturais.
O processo desta alfabetização existe uma variância no
número de anos de estudo considerado como suficiente em diferentes regiões. Por
exemplo, CASTELL, LUKE e MACLENNAN (1986) reportam que, no Canadá, análises de
dados censitários tomam nove anos de escolaridade formal como indicador do
alfabetismo funcional; por sua vez, documentos oficiais do governo espanhol,
comentados por FLECHA et al. (1993
citado por RIBEIRO, 1997), aparece a referência a seis anos de escolaridade,
enquanto nos países do Terceiro Mundo[4],
o mais comum é identificar o alfabetismo funcional a apenas três ou quatro anos
de estudo (LODOÑO 1991 citado por RIBEIRO, 1997).
Certamente, essa variância no número de anos de escolaridade
considerados como mínimo necessário não deriva, necessariamente, de diferentes
graus de exigências impostos pelos diferentes contextos, mas, principalmente,
das metas educacionais consideradas como factíveis para os países, de acordo
com seu nível de desenvolvimento socioeconómico. Não podemos perder de vista
que o papel desempenhado internacionalmente pela UNESCO é, principalmente, de
influência política e não de carácter científico (idem, p. 148).
Neste caso, percebemos nós que cada país olha o nível do seu
desenvolvimento socioeconómico para poder executar esse processo de
alfabetização de pessoas jovens e adultas. Mas GRAFF (1995 citado por RIBEIRO,
1997:149) reúne suficientes evidências históricas de que não necessariamente os
graus de alfabetismo da população estão correlacionados ao desenvolvimento ou à
modernização económica. E se tomamos o caso de Moçambique nos dias actuais, é
também inegável que uma grande parte dos postos de trabalho disponíveis exigem
habilidades de leitura e escrita, ou seja, sempre exige-se um mínimo de nível
básico e médio. Em contrapartida, é possível encontrar nestes postos de
trabalho pessoas que não têm essas habilidades de leitura e escrita porque são
aquelas pessoas que muitas vezes são contratadas pelas familiaridades.
Assim, para Ribeiro, é indiscutível o facto de que a
alfabetização é uma necessidade para todos os indivíduos que integram
sociedades modernas, provendo-lhes meios de desempenhar várias actividades
associadas ao trabalho ou ao âmbito doméstico, meios de melhorar o exercício
efectivo de direitos e responsabilidades de cidadania. O valor do acesso à leitura
e à escrita reside também no facto de serem meios para se aprender outras
habilidades, ampliando a autonomia das pessoas com relação ao auto-aprendizado
e à educação continuada (idem, p. 50).
Acrescenta que requerimentos sociais dessa magnitude
invalidam a restrição da alfabetização aos rudimentos da leitura e da escrita.
Não se podem conceber competências básicas como necessariamente simples ou
rudimentares; o básico está relacionado ao facto de se tratar de competências
que todas as pessoas, em princípio, deveriam dominar, sejam elas simples ou
complexas.
5. Conclusões
A partir deste referencial
sobre as reflexões empreendidas no tema de alfabetização versus alfabetização
funcional, percebemos que a alfabetização é um processo de aquisição da leitura
e da escrita como código de comunicação. Esse processo desenvolve-se,
primeiramente, pelo reconhecimento do valor sonoro, tornando-se possível a sua
tradução para o papel. Por sua vez, a alfabetização funcional trata-se de
pessoas que já têm uma escala de escolaridade, porém não conseguem demonstrar
as suas habilidades para as necessidades do dia-a-dia ou quotidianas,
domésticos ou de trabalho, isto é, a pessoa precisa usar o que já aprendeu para
seus fins pessoais que o podem ajudar no desenvolvimento da sua vida. Por outro
lado, percebemos que alfabetização e alfabetização funcional podem ser termos
que normalmente têm uma estreita ligação com a exclusão social na medida que
quando o indivíduo não mostra que é letrado é excluído, naquilo que nada sabe.
Deste modo, compreendemos
que precisamos no mundo todo de pessoas alfabetizadas que fazem o seu uso
social, praticando o letramento, diminuindo, assim, os índices do analfabetismo
funcional, que é a tentativa de criar nas pessoas a ideia de que a leitura do
mundo não é algo necessário. Mas, se assim proceder, veremos, então, mais que
isso, não só analfabetos funcionais, mas sim analfabetos completos, em amplas
áreas do próprio ser.
Ademais, percebemos neste
quadro teórico que, quando o processo de alfabetização falha, há, um maior grau
do analfabetismo. O analfabetismo está muito presente na realidade moçambicana,
pois a maioria dos moçambicanos acha que é dever somente da escola alfabetizar,
sendo que o trabalho em conjunto de pais e professores, em qualquer situação
terá sempre a finalidade de diminuir o índice de analfabetismo na realidade do
nosso país.
6. Referências
DELGADO, Vera. A
auto-estima em Adultos Frequentadores e não Frequentadores de um Curso de
Alfabetização. (s/d). disponível em: <bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/497/3/Índice.pdf>; Consultado
no dia: 26/04/2017 às 12:36.
MÁRIO, M. & NANDJA, D. A alfabetização em Moçambique: desafios da educação para todos.
2005. Disponível em: <unesdoc.unesco.org/images/0014/001462/146284por.pdf>; Consultado no
dia: 25/04/2017 às 16:53.
OLIVEIRA, L. A. O Processo de Alfabetização:
Leitura e Escrita nos anos Iniciais. Trabalho apresentado à Faculdade de
Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva como parte das obrigações para obtenção
do título de Bacharel em Pedagogia. 2014. Disponível em: <fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/.../gWtUFL3HGGfiUKX_2015-2-5-16-21-7.pdf>; Consultado
no dia: 25/04/2017 às 16:53.
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. CONSELHO DE MINISTROS. ESTRATÉGIA
DE ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE ADULTOS EM MOÇAMBIQUE (2010-2015). “Por um
Moçambique Alfabetizado e em Desenvolvimento Sustentável” Aprovada pelo
Conselho de Ministros aos 01 de Março de 2011. Maputo, 2011.
RIBEIRO, V. M. Alfabetismo
funcional: Referências conceituais e metodológicas para a pesquisa. Pp.
145-50. Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 60, Dezembro/97, 1997.
Comentários