FENOMENOLOGIA DESCRITIVA E FENOMENOLOGIA GENÉTICO-ESTRUTURAL
FENOMENOLOGIA DESCRITIVA E FENOMENOLOGIA GENÉTICO-ESTRUTURAL
A fenomenologia surgiu no início do século, na Alemanha, por
Edmundo Husserl, que recebeu influências do pensamento de Platão, Descartes e Brentano.
O termo fenomenologia significa estudo dos fenómenos, daquilo que aparece à
consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo. A própria coisa que se
percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenómeno
com o ser de que é fenómeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é
fenómeno. Diante disto, o presente trabalho tem como tema a psicopatologia,
fenomenologia e existência onde vamos falar da fenomenologia descritiva e
fenomenologia genético-estrutural. De referir que a fenomenologia em si é
considerada um método, por isso que antes tentamos explicar a sua origem e seu
significado.
Segundo (CARDOSO, 2005) diz que a psicopatologia visa
conhecer os fenómenos psíquicos patológicos oferecendo à clinica as bases para
a compreensão da sua origem. A psicopatologia tenta conhecer os fenómenos que
suportam a acção curativa e preventiva da clinica.
O método fenomenológico teve sua origem com Edmund Husserl
(1859-1938 citado por CARVALHO, NASCIMENTO & SOARES, 2012); de acordo com
Moreira (2004), a palavra fenomenologia, possivelmente, foi utilizada pela
primeira vez pelo matemático, astrónomo, físico e filósofo suíço-alemão Johan
Heinrich Lambert (1728-1777) e, posteriormente, por Hegel em sua publicação
Fenomenologia do Espírito.
Foi no início do século XX com a obra Investigações Lógicas:
Elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento, que Husserl
apresenta a fenomenologia como método e movimento filosófico com o sentido e as
ramificações actuais.
Assim, de acordo com escritos de CHAUÍ (2000 citado por
CARVALHO et al., 2012), a
fenomenologia tendia a tornar-se a chave de explicação da teoria do
conhecimento e da lógica, assim como corrobora MOREIRA (2004), ao escrever que
o movimento fenomenológico Husserliano, de certa forma, influenciou todas as
áreas das ciências humanas e que por meio do movimento fenomenológico Husserl
se posiciona tanto frente às formulações teóricas desvinculadas da experiência
(crítica ao psicologismo) quanto ao positivismo amarrado às demonstrações
experimentais.
A fenomenologia
descritiva é dado como percursor o Karl Jaspers, e segundo Jasper a tarefa
inicial da “psicologia subjectiva” deveria consistir precisamente em distinguir
os fenómenos subjectivos, descrevê-los e nomeá-los.
Somente assim, a
abordagem à subjectividade deixaria de ser um mero compartilhamento de
experiência para se tornar conhecimento sistematizável, comunicável e testável.
Isto caracterizaria a própria fenomenologia, como concebia. Neste sentido,
Jaspers sugere a psicopatologia descritiva ou fenomenologia como um programa
frutífero e convoca às explorações na área (RODRIGUES, 2005).
Uma das preocupações
da fenomenologia jasperiana, que se tornou mais conhecida, mesmo pelos não
especialistas em psicopatologia, seria quanto ao desejável posicionamento
pré-teórico e livre de pressuposições no processo descritivo (idem).
Além de trabalhar
apenas com os fenómenos realmente vividos pelos pacientes, Jasper propunha que
a descrição e delimitação dos mesmos deveria ser realizada por meio de
parâmetros exteriormente observáveis – modo de surgir, contexto de aparecimento,
conteúdo etc. Jaspers não ignorava que esta solução também apresenta limitações
quanto aos conhecimentos que pode fornecer (op cit.).
Decerto também
reconhecia a multiplicidade dos possíveis recortes ou métodos discriminativos
para as experiências de terceira pessoa. Jamais lhes rejeitou a utilidade ou
mesmo a vantajosa associação entre as distintas perspectivas teóricas e
plataformas de trabalho que daí poderiam surgir (RODRIGUES, 2005).
Assim, para o autor,
a opção por se dirigir àquilo que se afigura – e como se afigura – ao paciente,
bem como recorrer a parâmetros objectivos de descrição, não se trata de uma
recusa à fertilidade de outras propostas de abordagens psico(pato)lógicas.
Antes, visava garantir à psicopatologia a ancoragem empírica em dados passíveis
de observação por qualquer um, e não em construções que, embora coerentes,
tenham natureza teórica (ibidem).
Evidentemente,
poder-se-ia alegar que mesmo os elementos externos por ele privilegiados têm
sua realidade ontológica tão questionável quanto a de qualquer elemento teórico
– sendo dependentes do observador para seleccioná-los e organizá-los numa
construção pessoal do “estado de coisas”. Todavia, ainda que não seja absolutamente
evidente se este era o propósito de Jaspers, chama-se atenção para o facto de
que o privilégio concedido aos tais descritores “externos” resulta em construir-se
a psico(pato)logia sobre a plataforma da linguagem comum de determinada forma
de vida ou sociedade (op. cit.).
Nota-se que,
compreender a fenomenologia jasperiana como mera actividade descritiva e de
delimitação das ocorrências psíquicas não reflecte todo seu valor.
De facto, estas
primeiras etapas apenas sinalizam, na interface entre as linguagens dos dois
indivíduos (observador e paciente), a região para a qual o primeiro estará
direccionando sua capacidade empática e a partir da qual elaborará, com
linguagem explícita, a “compreensão empática”. Todavia, em que pese ter
reservado um espaço privilegiado para a empatia em seu modelo, um entendimento
apenas parcial de sua proposta ainda poderia tornar estranho lhe creditarmos o
mérito de ter misturado a desejada cientificidade à preservação da
subjectividade no foco da psico(pato)logia. Isto porque, até este ponto, tal
subjectividade surgiria apenas como “conclusão” de uma técnica objectiva e
restrita às expressões exteriores do psíquico. (RODRIGUES, 2005).
Como o próprio autor[1] o
fundamenta: “a fenomenologia dá-nos apenas conhecimento das diferentes formas
em que todas as nossas experiências, a nossa realidade psíquica como um todo,
acontecem.
Nada nos ensina, no
entanto, acerca dos conteúdos da experiência pessoal do indivíduo, e menos
ainda acerca de uma qualquer base extra-consciente dos acontecimentos
psíquicos. [...] A vida de todos os dias desdobra-se e torna-se acessível à
nossa compreensão somente através destas formas fenomenologicamente
estabelecidas” (JASPERS, 1968b:1323 citado por PERDIGÃO, 2014).
Segundo a autora,
Jasper não a encara, portanto, como uma metodologia de tratamento dos fatos
psicopatológicos, mas como uma via de sinalização e apreensão segura desses
mesmos fatos que deverão, depois, ser articulados e compreendidos (PERDIGÃO,
2014).
Nestes moldes, a
fenomenologia é uma psicologia descritiva mas, enquanto tal, é proposta como
etapa inicial, ou seja, de ligação ao mundo e, portanto, de ancoragem do
“fenómeno” subjectivo.
Ela é o método
habilitado a responder tanto às necessidades de cientificidade da
psicopatologia como ao imperativo de não exclusão da experiência subjectiva
assumida como verdadeiro objecto da psicologia (RODRIGUES, 2005 citado por
PERDIGÃO, 2014). Jaspers vem assim demarcar a própria psicopatologia de uma
etiologia dos estados mentais. Pode dizer-se que, na sua obra, a psicopatologia
deixa de ser encarada como um domínio confinado à doença mental passando a ser
perspectivada como via de abertura descritiva ao domínio das vivências
psíquicas individuais.
Refere-se que na
fenomenologia descritiva não se propõe explicar o indivíduo através da
perturbação mental, mas antes compreender os estados mentais perturbados a
partir do vivido contínuo do indivíduo enquanto Ser-em-situação. Em termos
práticos, a fenomenologia deve ser então “uma psicopatologia descritiva das
manifestações da consciência”, dedicada “às modalidades como os pacientes
experimentam (vivenciam) os fenómenos psicopatológicos, uma fenomenologia dos
seus estados de consciência” (CARVALHO TEIXEIRA, 1993 citado por PERDIGÃO, 2014).
Equivale a pôr “entre parêntesis” a doença como pré-conceito ou
pré-conhecimento para, numa dialéctica descritiva e compreensiva, deixar
emergir o que em cada sujeito é vivido como comprometedor do sentido do Todo.
Tendo em
consideração que a psicopatologia fenomenológica colhe as suas categorias da
psicopatologia descritiva e se centra nas vivências e nos dados imediatos da
consciência (CARVALHO TEIXEIRA, 1993 citado por PERDIGÃO, 2014), pode dizer-se
que uma parte do legado inovador de Jaspers reside em assegurar “o exame
científico das relações compreensivas” na medida em que garante a conexão entre
os fenómenos psicológicos (inacessíveis à “terceira pessoa”) e os referentes
externos que validam a sua “solidez” em diferentes situações, conferindo-lhe
uma base “objectiva” de verdade (RODRIGUES, 2005: 65-66 citado por PERDIGÃO,
2014).
Na fenomenologia
descritiva, Jasper fala também da compreensão empática no processo de
aconselhamento psicológico. Para Jasper esse é um caminho para a psique, isto
é, para o psicológico propriamente dito que, enquanto tal, não é tangível nem
observável de maneira imediata.
Nesta fenomenologia
descritiva, Jasper fala de sintomas “objectivos” e “subjectivos”. Por sintomas
objectivos, ele designa “todos os acontecimentos concretos que podem ser
percepcionados pelos sentidos, tais como a fisionomia, os reflexos, a expressão
verbal e a actividade motora, assim como as performances mensuráveis como é o
caso de competências cognitivas como a memória, a capacidade de trabalho e
aprendizagem” (JASPERS, 1968b: 1313 citado por PERDIGÃO, 2014).
Devem inclui-se
também os conteúdos racionais das narrativas do indivíduo, como por exemplo,
ideias maníacas ou falsas memórias porque, embora não possam ser percepcionados
pelos sentidos, só se alcançam por via de um pensamento racional e não por via
da empatia à psique do indivíduo. Entende-se desta maneira que os sintomas
objectivos são, portanto, aqueles que podem ser demonstrados de forma
convincente tanto pela via perceptiva como pela via lógica.
Por sua vez, os
sintomas subjectivos envolvem um “processo subjectivo” e, por “subjectivo”,
Jaspers quer dizer “transferidos ou transportados para a psique do outro indivíduo”
(JASPERS, 1968b: 1313 citado por PERDIGÃO, 2014) (neste caso, o psiquiatra e/ou
o psicólogo). É deste modo que passam a “estar ao alcance”. Ou seja, apenas se
tornam acessíveis em “segunda mão” (JASPERS, 1968b), “através da participação
do “observador” nas experiências do indivíduo, não por um esforço intelectual”.
E tornam-se uma “realidade interna para o próprio observador”.
Designam as emoções
e os processos internos que, como o medo, a alegria, a tristeza, etc., as
pessoas julgam apreender de forma mais ou menos imediata através das
respectivas manifestações físicas. No entanto, como “o que aconteceu” e “o que
se sentiu” por via desse acontecer nem sempre coincidem, destes sintomas
subjectivos também fazem parte os processos mentais que são inferidos a partir
de fragmentos deste tipo de dados que se manifestam através das acções do
sujeito e da forma como este conduz a sua vida.
Para Jaspers,
qualquer acontecimento psicopatológico que possa ser encarado como uma
expressão possível de acontecimentos anteriores é um fenómeno compreensível
(OPPENHEIMER, 1974 citado por PERDIGÃO, 2014). Mostrar empatia com o conteúdo
da angústia/dor do indivíduo não equivale a compreender ou “ver” o significado
dessa mesma angústia/dor. É este significado que constitui a essência da
experiência psicopatológica. Ou seja, é possível compreender a razão desse/s
conteúdo/s a partir de um conhecimento da situação/contexto do indivíduo, mas
isso não equivale a compreender porque é que o indivíduo acredita em algo que
embora não possa ser demonstrado constitui um valioso contributo de
significação na vida desse mesmo indivíduo.
Enquadrados por
dinâmicas inter-relacionais, os limites da empatia convergem com os limites da
própria racionalidade e, aí-mesmo, tornam necessária a compreensão empática que
só pode ocorrer no seio de dinâmicas intersubjectivas. “Conhecer” o Outro e
“compreendê-lo”, não são a mesma “coisa”. Tratá-lo como objecto de conhecimento
e acolhê-lo/cuidá-lo como indivíduo -em-situação, também não (op cit.). A
singularidade deste não equivale a afirmar que ele é tudo ou se basta a
si-mesmo enquanto Existência. Pelo contrário, o indivíduo está-no-mundo-com-o-Outro
mas é através da comunicação (abertura e inter-presença) que, por excelência, a
sua liberdade se exercita e ele pode vir a ser “Quem é” (PERDIGÃO, 2001). Na
sua autenticidade existencial, a comunicação “acontece entre existentes
históricos insubstituíveis, de tal modo, que o enriquecimento espiritual de um
se traduz no enriquecimento espiritual do outro” (idem: 551).
Todavia, nem mesmo a
compreensão empática poderá (ou, sequer, deverá) evitar que o Outro (o
psiquiatra, o psicólogo ou o psicoterapeuta, neste caso) esteja
existencialmente confinado ao papel de “outro olhar” (RODRIGUES, 2005 citado
por PERDIGÃO, 2014).
Os descritores
externos apenas asseguram uma plataforma de linguagem e entendimento comum, uma
espécie de interface entre dois
Ser-em-situação. Ajudam a criar o topos
onde a “terceira pessoa” (o encontro empático – um “terceiro analítico”; OGDEN,
2004) viabiliza uma aproximação ao “lugar” onde o Ser-em-situação já se
encontra.
Mas será sempre uma
aproximação em diferido porque o seu olhar só alcançará um locus[2]
de transformação do Mundo pela experiência de um anterior olhar em “primeira
pessoa”. Um encontro que se dá em zooms[3] que
são vieses[4] sucedidos e sucessivos em relação ao próprio Mundo.
Perde-se em “objectividade” o que se ganha em profundidade e significação.
A Fenomenologia
genético-estrutural: busca as conexões e inter-relações entre os dados que se
apreende do conjunto das diferentes experiências do paciente para levantar o
transtorno básico.
A fenomenologia
genética da consciência empreende uma descrição da vivência na sua génese de
constituição - a génese dos próprios actos de constituição que é ainda anterior
a própria doação de sentido operada pelo eu puro. Enfim, o que deve ser
totalmente esclarecido numa descrição genética é a própria génese do eu puro, a
sua origem que é anterior e possibilitadora de todas as suas operações (THOMÉ,
2008).
O proponente da
fenomenologia genético-estrutural é Minkowski. O pensamento de Minkowski foi
fortemente marcado pela fenomenologia, por intermédio do estudo de Husserl,
Heidegger, Bergson e, sobretudo, de Binswanger.
Por meio desse
percurso intelectual, o psiquiatra polonês foi um dos introdutores, na França,
das contribuições de Bleuler sobre a recém-criada “esquizofrenia” e da Daseinanalyse binswangeriana. Esta
propunha-se, baseada na filosofia de Heidegger, a descrever e a compreender as
estruturas fundamentais da presença humana, sob suas formas malogradas, tal como
estudadas pela psicopatologia (PEREIRA, 2005).
Contrário a qualquer
reducionismo objectivista dos fenómenos psíquicos, sua metodologia
fenómeno-estrutural baseava-se no encontro mais próximo possível com o humano.
A partir daí, seu método não se limitava a descrever a experiência vivida [Erlebnis] pelo indivíduo em sofrimento
psíquico, ligando-a, também, a “... uma estrutura que organiza as perturbações,
a uma forma, a um fundo mental concebido de modo dinâmico numa perspectiva que
pode ser, no plano fenomenológico, qualificada de genético-estrutural”
(BEAUCHESNE, 1989: 123 citado por PEREIRA, 2005).
A análise psicopatológica
que propôs foi uma análise empírico-fenomenológica dos modos e formas da
existência perturbada, centrada na estrutura do Dasein, com a finalidade de explicar e descrever a totalidade do
ser psíquico do Homem perturbado. Trata-se, essencialmente, de uma abordagem
dos estados psicopatológicos enquanto modos de existência frustrada, tomando
como pontos de partida as categorias da Psicopatologia (TEIXEIRA, 2015).
A grande finalidade
das análises fenomenológicas feitas por Minkowski seria o da reconstrução do
mundo interior da experiência do paciente, para elucidar a estrutura pessoal do
mundo individual que, todavia, ainda não permitiria compreender o significado
da sua existência. Nisso entendemos que na fenomenologia genético-estrutural o
fim é de que o paciente possa compreender a si mesmo sobre aquilo que acontece
na sua vida.
TEIXEIRA (2015) diz
que Minkowski evidenciou a doença mental como um modo de existência, que teria
que revelar a intervenção do próprio Homem, mas que realizaria uma redução da
sua capacidade de viver e de conhecer. Considerou a existência como estrutura
total que abarca a continuidade do sujeito e as suas relações com o outro, as
estruturas sociais e as coisas.
No entanto, pela sua
importância, é de destacar a fenomenologia de E. Minkowski que, por exemplo,
conceptualizou o transtorno fundamental da esquizofrenia como perda de contacto
vital com a realidade, desenvolveu a noção de tempo vivido e da sua importância
em vários estados psicopatológicos, com destaque para a melancolia,
conceptualizada como doença do tempo (idem).
Em síntese, a
abordagem fenomenológica genético-estrutural tem por finalidade a compreensão
dos fenómenos psicopatológicos tal como são dados e vividos, e elucidar qual é
a forma mesma do funcionamento mental do paciente, que dá conta da alteração da
realização da experiência vivida e da qual emergem os sintomas.
Especificamente, a
contribuição da Daseinanalyse deu
lugar a uma conceptualização
psicopatológica dos modos de estar-doente (BOSS & CONDRAU, 1975 citado
por TEIXEIRA, 2015):
- Estar-doente
caracterizado por afectação evidente do corporal do existir, de que podem ser
exemplos uma fractura da perna, uma paralisia histérica e uma demência
pós-traumática que, em comum, têm uma afectação da possibilidade de
corporalizar uma certa relação com o mundo;
- Estar-doente
caracterizado por uma afectação pronunciada da espacialidade;
- Estar-doente
constituído por obstáculos importantes a realização da disposição do humor
própria a essência da pessoa, onde se destacam as psicoses afectivas e outros
distúrbios afectivos, nomeadamente depressivos;
- Estar-doente
constituídos por obstáculos importantes ci realização do ser-aberto e da
liberdade, envolvendo sobretudo as psicoses esquizofrénicas.
Assim, o modo de
estar-doente esquizofrénico aparece como uma manifestação da privação extrema
que consiste em não-poder ser de forma livre e autónoma. No entanto, também nos
neuróticos obsessivos há afectação da liberdade e da abertura do existir, de
forma menos intensa, particularmente porque são constrangidos a manterem-se
rigorosamente a distância das coisas e a protegerem-se: a existência é aqui uma
luta constante contra as ameaças de um universo impuro e corrompido.
Finalmente, para uma
melhor compreensão dos modos de estar-doente, convém referir que a abordagem
fenomenológica da psicopatologia é indiferente a distinção entre normal e
patológico, uma vez que o método fenomenológico suspende qualquer tese de valor
e, portanto, de normatividade (TATOSSIAN, 1990 citado por TEIXEIRA, 2015): esta
indiferença é compreensível na medida em que a fenomenologia encara os modos de
estar-doente como possibilidades humanas universais. O acento tónico no
interior do sujeito, na existência ou ausência do poder de aplicar ou não a
norma que é a sua. Ou seja, a perturbação começa quando há limitação a
liberdade, quando o sujeito deixa de poder adoptar outras modalidades
comportamentais.
Segundo (RODRIGUÊS, 2005) a fenomenologia interessa apenas a
experiência real, apenas o perceptível e o concreto, não qualquer elemento que
se ensine estar subjacente aos fenómenos psíquicos e que sejam matéria de
construções teóricas. A cada um de seus achados a fenomenologia deve
questionar: isto realmente foi experimentado? Isto realmente se apresenta na
consciência do sujeito? Os achados fenomenológicos derivam sua validade do fato
de que os diversos elementos da realidade psíquica não podem ser repetidamente
evocados. Assim, estes achados apenas
podem ser refutados se os elementos de um fato foram erroneamente representados
anterior ou presentemente; jamais podem ser refutados pela demonstração de sua
impossibilidade ou erro, por meio de proposições teóricas. A fenomenologia nada
pode ganhar da teoria: pode apenas perder.
Fenomenologia, assim, lida com o que é realmente
experimentado. Ela vê os fenómenos psíquicos “como se vê de dentro”, e os traz
à percepção imediata. Não se preocupa, portanto, com manifestações externas,
com fenómenos motores, movimentos expressivos como tais, nem com qualquer tipo
de rendimento objectivo. Apesar de seu emprego ser um pré-requisito para
qualquer investigação causal, ela deixa as questões genéticas de lado, e estas
não podem nem refutar nem corroborar seus achados. Estudos causais relacionados
a cores, percepção etc., são extrínsecos à fenomenologia (RODRIGUÊS, 2005).
Por fim, a fenomenologia deve ser mantida separada do que
chamamos de “compreensão genética” dos eventos psíquicos, ou seja, a
compreensão de suas relações significativas. Esta é uma modalidade peculiar de
compreensão que se aplica unicamente às ocorrências psíquicas; ela apreende,
com característica de auto-evidência, como um evento psíquico emerge de outro;
como um homem atacado sente-se raivoso, um amante traído enciumado (Idem).
Se olharmos para a psicopatologia como um todo, nosso
interesse central obviamente se localiza sobre aquilo que é “geneticamente
compreensível”, nas relações causais exteriores à consciência, e na
determinação das bases físicas dos processos psíquicos – em outras palavras, no
modo como as coisas se relacionam. A fenomenologia apenas nos torna conhecidas
as formas nas quais todas as nossas experiências – toda a realidade psíquica –
ocorrem; ela não nos diz nada sobre os conteúdos da experiência pessoal do
indivíduo, nem qualquer coisa sobre os fundamentos extra conscientes em que os
eventos psíquicos parecem flutuar como espuma na superfície do mar (op. cit.).
De forma a dar as possíveis conclusões sobre o tema, é
importante referir que no decurso deste, percebeu-se que a fenomenologia tem a
preocupação em explicar as estruturas em que a experiência se verifica,
descrevendo-as em suas estruturas universais. O enfoque fenomenológico
compreende o ser humano enquanto ser no mundo, na situação de estar lançado
sendo presente e presença. A presente abordagem possibilita-nos, ser no modo do
crescimento pessoal e profissional, sobretudo à compreensão do ser, em sua
subjectividade enquanto ser existencial, valorizando-o e se permitindo ser
presença no lidar com-o-outro, considerando-o em sua vivência, a seu modo, o
ser-em-si.
A fenomenologia, essencialmente descritiva, busca chegar à
essência de um fenómeno que é interrogado com vistas à sua compreensão e é
dirigida para significados - expressões atribuídas pelos indivíduos que
vivenciam a experiência de acordo com suas percepções sobre aquilo que está
sendo pesquisado. Compreende-se deste modo que o psicólogo/psicoterapeuta ao
interagir com o paciente precisa priorizar ao paciente, suas acções, valores
como respeito, dignidade e amor ao próximo, já que no aconselhamento
psicológico o psicólogo procura zelar pelo bem-estar daqueles que assiste.
Assim, o psicólogo precisa compreender o ser humano paciente como uma pessoa
pertencente a um contexto socioeconómico e cultural e não mais um objecto-coisa,
número ou doença. A concepção de perceber o homem doente e não mais a doença é
assentada no pensamento de Karl Jaspers, referindo que o ser doente não perde
sua dimensão ontológica de Ser humano sendo merecedor de respeito, dignidade e
valor em sua existência concreta.
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[1] O próprio autor é o Karl
Jasper.
[2] Esse é um termo específico
de Biologia, sobretudo
na genética onde “locus” significa um local determinado que um gene ocupa num
cromossomo: os genes alelos relativos ao carácter hereditário ocupam o mesmo
locus em cromossomos homólogos.
[3] Conjunto de lentes que
possibilita um aumento significativo da imagem sem que ela se altere ou fique
desfocada.
[4] O termo pode significar tendência;
por exemplo aquilo que tende a seguir certo caminho ou a agir de determinada
maneira (Cf. <https://www.dicio.com.br/vies/>).
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