sábado, 27 de maio de 2017

FENOMENOLOGIA DESCRITIVA E FENOMENOLOGIA GENÉTICO-ESTRUTURAL



FENOMENOLOGIA DESCRITIVA E FENOMENOLOGIA GENÉTICO-ESTRUTURAL





A fenomenologia surgiu no início do século, na Alemanha, por Edmundo Husserl, que recebeu influências do pensamento de Platão, Descartes e Brentano. O termo fenomenologia significa estudo dos fenómenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo. A própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenómeno com o ser de que é fenómeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é fenómeno. Diante disto, o presente trabalho tem como tema a psicopatologia, fenomenologia e existência onde vamos falar da fenomenologia descritiva e fenomenologia genético-estrutural. De referir que a fenomenologia em si é considerada um método, por isso que antes tentamos explicar a sua origem e seu significado.


Segundo (CARDOSO, 2005) diz que a psicopatologia visa conhecer os fenómenos psíquicos patológicos oferecendo à clinica as bases para a compreensão da sua origem. A psicopatologia tenta conhecer os fenómenos que suportam a acção curativa e preventiva da clinica.


O método fenomenológico teve sua origem com Edmund Husserl (1859-1938 citado por CARVALHO, NASCIMENTO & SOARES, 2012); de acordo com Moreira (2004), a palavra fenomenologia, possivelmente, foi utilizada pela primeira vez pelo matemático, astrónomo, físico e filósofo suíço-alemão Johan Heinrich Lambert (1728-1777) e, posteriormente, por Hegel em sua publicação Fenomenologia do Espírito.
Foi no início do século XX com a obra Investigações Lógicas: Elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento, que Husserl apresenta a fenomenologia como método e movimento filosófico com o sentido e as ramificações actuais.

Assim, de acordo com escritos de CHAUÍ (2000 citado por CARVALHO et al., 2012), a fenomenologia tendia a tornar-se a chave de explicação da teoria do conhecimento e da lógica, assim como corrobora MOREIRA (2004), ao escrever que o movimento fenomenológico Husserliano, de certa forma, influenciou todas as áreas das ciências humanas e que por meio do movimento fenomenológico Husserl se posiciona tanto frente às formulações teóricas desvinculadas da experiência (crítica ao psicologismo) quanto ao positivismo amarrado às demonstrações experimentais.


A fenomenologia descritiva é dado como percursor o Karl Jaspers, e segundo Jasper a tarefa inicial da “psicologia subjectiva” deveria consistir precisamente em distinguir os fenómenos subjectivos, descrevê-los e nomeá-los.
Somente assim, a abordagem à subjectividade deixaria de ser um mero compartilhamento de experiência para se tornar conhecimento sistematizável, comunicável e testável. Isto caracterizaria a própria fenomenologia, como concebia. Neste sentido, Jaspers sugere a psicopatologia descritiva ou fenomenologia como um programa frutífero e convoca às explorações na área (RODRIGUES, 2005).
Uma das preocupações da fenomenologia jasperiana, que se tornou mais conhecida, mesmo pelos não especialistas em psicopatologia, seria quanto ao desejável posicionamento pré-teórico e livre de pressuposições no processo descritivo (idem).

Além de trabalhar apenas com os fenómenos realmente vividos pelos pacientes, Jasper propunha que a descrição e delimitação dos mesmos deveria ser realizada por meio de parâmetros exteriormente observáveis – modo de surgir, contexto de aparecimento, conteúdo etc. Jaspers não ignorava que esta solução também apresenta limitações quanto aos conhecimentos que pode fornecer (op cit.).
Decerto também reconhecia a multiplicidade dos possíveis recortes ou métodos discriminativos para as experiências de terceira pessoa. Jamais lhes rejeitou a utilidade ou mesmo a vantajosa associação entre as distintas perspectivas teóricas e plataformas de trabalho que daí poderiam surgir (RODRIGUES, 2005).

Assim, para o autor, a opção por se dirigir àquilo que se afigura – e como se afigura – ao paciente, bem como recorrer a parâmetros objectivos de descrição, não se trata de uma recusa à fertilidade de outras propostas de abordagens psico(pato)lógicas. Antes, visava garantir à psicopatologia a ancoragem empírica em dados passíveis de observação por qualquer um, e não em construções que, embora coerentes, tenham natureza teórica (ibidem).
Evidentemente, poder-se-ia alegar que mesmo os elementos externos por ele privilegiados têm sua realidade ontológica tão questionável quanto a de qualquer elemento teórico – sendo dependentes do observador para seleccioná-los e organizá-los numa construção pessoal do “estado de coisas”. Todavia, ainda que não seja absolutamente evidente se este era o propósito de Jaspers, chama-se atenção para o facto de que o privilégio concedido aos tais descritores “externos” resulta em construir-se a psico(pato)logia sobre a plataforma da linguagem comum de determinada forma de vida ou sociedade (op. cit.).

Nota-se que, compreender a fenomenologia jasperiana como mera actividade descritiva e de delimitação das ocorrências psíquicas não reflecte todo seu valor.
De facto, estas primeiras etapas apenas sinalizam, na interface entre as linguagens dos dois indivíduos (observador e paciente), a região para a qual o primeiro estará direccionando sua capacidade empática e a partir da qual elaborará, com linguagem explícita, a “compreensão empática”. Todavia, em que pese ter reservado um espaço privilegiado para a empatia em seu modelo, um entendimento apenas parcial de sua proposta ainda poderia tornar estranho lhe creditarmos o mérito de ter misturado a desejada cientificidade à preservação da subjectividade no foco da psico(pato)logia. Isto porque, até este ponto, tal subjectividade surgiria apenas como “conclusão” de uma técnica objectiva e restrita às expressões exteriores do psíquico. (RODRIGUES, 2005).


Como o próprio autor[1] o fundamenta: “a fenomenologia dá-nos apenas conhecimento das diferentes formas em que todas as nossas experiências, a nossa realidade psíquica como um todo, acontecem.
Nada nos ensina, no entanto, acerca dos conteúdos da experiência pessoal do indivíduo, e menos ainda acerca de uma qualquer base extra-consciente dos acontecimentos psíquicos. [...] A vida de todos os dias desdobra-se e torna-se acessível à nossa compreensão somente através destas formas fenomenologicamente estabelecidas” (JASPERS, 1968b:1323 citado por PERDIGÃO, 2014).

Segundo a autora, Jasper não a encara, portanto, como uma metodologia de tratamento dos fatos psicopatológicos, mas como uma via de sinalização e apreensão segura desses mesmos fatos que deverão, depois, ser articulados e compreendidos (PERDIGÃO, 2014).

Nestes moldes, a fenomenologia é uma psicologia descritiva mas, enquanto tal, é proposta como etapa inicial, ou seja, de ligação ao mundo e, portanto, de ancoragem do “fenómeno” subjectivo.
Ela é o método habilitado a responder tanto às necessidades de cientificidade da psicopatologia como ao imperativo de não exclusão da experiência subjectiva assumida como verdadeiro objecto da psicologia (RODRIGUES, 2005 citado por PERDIGÃO, 2014). Jaspers vem assim demarcar a própria psicopatologia de uma etiologia dos estados mentais. Pode dizer-se que, na sua obra, a psicopatologia deixa de ser encarada como um domínio confinado à doença mental passando a ser perspectivada como via de abertura descritiva ao domínio das vivências psíquicas individuais.

Refere-se que na fenomenologia descritiva não se propõe explicar o indivíduo através da perturbação mental, mas antes compreender os estados mentais perturbados a partir do vivido contínuo do indivíduo enquanto Ser-em-situação. Em termos práticos, a fenomenologia deve ser então “uma psicopatologia descritiva das manifestações da consciência”, dedicada “às modalidades como os pacientes experimentam (vivenciam) os fenómenos psicopatológicos, uma fenomenologia dos seus estados de consciência” (CARVALHO TEIXEIRA, 1993 citado por PERDIGÃO, 2014). Equivale a pôr “entre parêntesis” a doença como pré-conceito ou pré-conhecimento para, numa dialéctica descritiva e compreensiva, deixar emergir o que em cada sujeito é vivido como comprometedor do sentido do Todo.

Tendo em consideração que a psicopatologia fenomenológica colhe as suas categorias da psicopatologia descritiva e se centra nas vivências e nos dados imediatos da consciência (CARVALHO TEIXEIRA, 1993 citado por PERDIGÃO, 2014), pode dizer-se que uma parte do legado inovador de Jaspers reside em assegurar “o exame científico das relações compreensivas” na medida em que garante a conexão entre os fenómenos psicológicos (inacessíveis à “terceira pessoa”) e os referentes externos que validam a sua “solidez” em diferentes situações, conferindo-lhe uma base “objectiva” de verdade (RODRIGUES, 2005: 65-66 citado por PERDIGÃO, 2014).

Na fenomenologia descritiva, Jasper fala também da compreensão empática no processo de aconselhamento psicológico. Para Jasper esse é um caminho para a psique, isto é, para o psicológico propriamente dito que, enquanto tal, não é tangível nem observável de maneira imediata.


Nesta fenomenologia descritiva, Jasper fala de sintomas “objectivos” e “subjectivos”. Por sintomas objectivos, ele designa “todos os acontecimentos concretos que podem ser percepcionados pelos sentidos, tais como a fisionomia, os reflexos, a expressão verbal e a actividade motora, assim como as performances mensuráveis como é o caso de competências cognitivas como a memória, a capacidade de trabalho e aprendizagem” (JASPERS, 1968b: 1313 citado por PERDIGÃO, 2014).
Devem inclui-se também os conteúdos racionais das narrativas do indivíduo, como por exemplo, ideias maníacas ou falsas memórias porque, embora não possam ser percepcionados pelos sentidos, só se alcançam por via de um pensamento racional e não por via da empatia à psique do indivíduo. Entende-se desta maneira que os sintomas objectivos são, portanto, aqueles que podem ser demonstrados de forma convincente tanto pela via perceptiva como pela via lógica.

Por sua vez, os sintomas subjectivos envolvem um “processo subjectivo” e, por “subjectivo”, Jaspers quer dizer “transferidos ou transportados para a psique do outro indivíduo” (JASPERS, 1968b: 1313 citado por PERDIGÃO, 2014) (neste caso, o psiquiatra e/ou o psicólogo). É deste modo que passam a “estar ao alcance”. Ou seja, apenas se tornam acessíveis em “segunda mão” (JASPERS, 1968b), “através da participação do “observador” nas experiências do indivíduo, não por um esforço intelectual”. E tornam-se uma “realidade interna para o próprio observador”.

Designam as emoções e os processos internos que, como o medo, a alegria, a tristeza, etc., as pessoas julgam apreender de forma mais ou menos imediata através das respectivas manifestações físicas. No entanto, como “o que aconteceu” e “o que se sentiu” por via desse acontecer nem sempre coincidem, destes sintomas subjectivos também fazem parte os processos mentais que são inferidos a partir de fragmentos deste tipo de dados que se manifestam através das acções do sujeito e da forma como este conduz a sua vida.
Para Jaspers, qualquer acontecimento psicopatológico que possa ser encarado como uma expressão possível de acontecimentos anteriores é um fenómeno compreensível (OPPENHEIMER, 1974 citado por PERDIGÃO, 2014). Mostrar empatia com o conteúdo da angústia/dor do indivíduo não equivale a compreender ou “ver” o significado dessa mesma angústia/dor. É este significado que constitui a essência da experiência psicopatológica. Ou seja, é possível compreender a razão desse/s conteúdo/s a partir de um conhecimento da situação/contexto do indivíduo, mas isso não equivale a compreender porque é que o indivíduo acredita em algo que embora não possa ser demonstrado constitui um valioso contributo de significação na vida desse mesmo indivíduo.


Enquadrados por dinâmicas inter-relacionais, os limites da empatia convergem com os limites da própria racionalidade e, aí-mesmo, tornam necessária a compreensão empática que só pode ocorrer no seio de dinâmicas intersubjectivas. “Conhecer” o Outro e “compreendê-lo”, não são a mesma “coisa”. Tratá-lo como objecto de conhecimento e acolhê-lo/cuidá-lo como indivíduo -em-situação, também não (op cit.). A singularidade deste não equivale a afirmar que ele é tudo ou se basta a si-mesmo enquanto Existência. Pelo contrário, o indivíduo está-no-mundo-com-o-Outro mas é através da comunicação (abertura e inter-presença) que, por excelência, a sua liberdade se exercita e ele pode vir a ser “Quem é” (PERDIGÃO, 2001). Na sua autenticidade existencial, a comunicação “acontece entre existentes históricos insubstituíveis, de tal modo, que o enriquecimento espiritual de um se traduz no enriquecimento espiritual do outro” (idem: 551).

Todavia, nem mesmo a compreensão empática poderá (ou, sequer, deverá) evitar que o Outro (o psiquiatra, o psicólogo ou o psicoterapeuta, neste caso) esteja existencialmente confinado ao papel de “outro olhar” (RODRIGUES, 2005 citado por PERDIGÃO, 2014).

Os descritores externos apenas asseguram uma plataforma de linguagem e entendimento comum, uma espécie de interface entre dois Ser-em-situação. Ajudam a criar o topos onde a “terceira pessoa” (o encontro empático – um “terceiro analítico”; OGDEN, 2004) viabiliza uma aproximação ao “lugar” onde o Ser-em-situação já se encontra.

Mas será sempre uma aproximação em diferido porque o seu olhar só alcançará um locus[2] de transformação do Mundo pela experiência de um anterior olhar em “primeira pessoa”. Um encontro que se dá em zooms[3] que são vieses[4] sucedidos e sucessivos em relação ao próprio Mundo. Perde-se em “objectividade” o que se ganha em profundidade e significação.


A Fenomenologia genético-estrutural: busca as conexões e inter-relações entre os dados que se apreende do conjunto das diferentes experiências do paciente para levantar o transtorno básico.
A fenomenologia genética da consciência empreende uma descrição da vivência na sua génese de constituição - a génese dos próprios actos de constituição que é ainda anterior a própria doação de sentido operada pelo eu puro. Enfim, o que deve ser totalmente esclarecido numa descrição genética é a própria génese do eu puro, a sua origem que é anterior e possibilitadora de todas as suas operações (THOMÉ, 2008).
O proponente da fenomenologia genético-estrutural é Minkowski. O pensamento de Minkowski foi fortemente marcado pela fenomenologia, por intermédio do estudo de Husserl, Heidegger, Bergson e, sobretudo, de Binswanger.
Por meio desse percurso intelectual, o psiquiatra polonês foi um dos introdutores, na França, das contribuições de Bleuler sobre a recém-criada “esquizofrenia” e da Daseinanalyse binswangeriana. Esta propunha-se, baseada na filosofia de Heidegger, a descrever e a compreender as estruturas fundamentais da presença humana, sob suas formas malogradas, tal como estudadas pela psicopatologia (PEREIRA, 2005).

Contrário a qualquer reducionismo objectivista dos fenómenos psíquicos, sua metodologia fenómeno-estrutural baseava-se no encontro mais próximo possível com o humano. A partir daí, seu método não se limitava a descrever a experiência vivida [Erlebnis] pelo indivíduo em sofrimento psíquico, ligando-a, também, a “... uma estrutura que organiza as perturbações, a uma forma, a um fundo mental concebido de modo dinâmico numa perspectiva que pode ser, no plano fenomenológico, qualificada de genético-estrutural” (BEAUCHESNE, 1989: 123 citado por PEREIRA, 2005).
A análise psicopatológica que propôs foi uma análise empírico-fenomenológica dos modos e formas da existência perturbada, centrada na estrutura do Dasein, com a finalidade de explicar e descrever a totalidade do ser psíquico do Homem perturbado. Trata-se, essencialmente, de uma abordagem dos estados psicopatológicos enquanto modos de existência frustrada, tomando como pontos de partida as categorias da Psicopatologia (TEIXEIRA, 2015).

A grande finalidade das análises fenomenológicas feitas por Minkowski seria o da reconstrução do mundo interior da experiência do paciente, para elucidar a estrutura pessoal do mundo individual que, todavia, ainda não permitiria compreender o significado da sua existência. Nisso entendemos que na fenomenologia genético-estrutural o fim é de que o paciente possa compreender a si mesmo sobre aquilo que acontece na sua vida.
TEIXEIRA (2015) diz que Minkowski evidenciou a doença mental como um modo de existência, que teria que revelar a intervenção do próprio Homem, mas que realizaria uma redução da sua capacidade de viver e de conhecer. Considerou a existência como estrutura total que abarca a continuidade do sujeito e as suas relações com o outro, as estruturas sociais e as coisas.

No entanto, pela sua importância, é de destacar a fenomenologia de E. Minkowski que, por exemplo, conceptualizou o transtorno fundamental da esquizofrenia como perda de contacto vital com a realidade, desenvolveu a noção de tempo vivido e da sua importância em vários estados psicopatológicos, com destaque para a melancolia, conceptualizada como doença do tempo (idem).

Em síntese, a abordagem fenomenológica genético-estrutural tem por finalidade a compreensão dos fenómenos psicopatológicos tal como são dados e vividos, e elucidar qual é a forma mesma do funcionamento mental do paciente, que dá conta da alteração da realização da experiência vivida e da qual emergem os sintomas.

Especificamente, a contribuição da Daseinanalyse deu lugar a uma conceptualização psicopatológica dos modos de estar-doente (BOSS & CONDRAU, 1975 citado por TEIXEIRA, 2015):
- Estar-doente caracterizado por afectação evidente do corporal do existir, de que podem ser exemplos uma fractura da perna, uma paralisia histérica e uma demência pós-traumática que, em comum, têm uma afectação da possibilidade de corporalizar uma certa relação com o mundo;
- Estar-doente caracterizado por uma afectação pronunciada da espacialidade;
- Estar-doente constituído por obstáculos importantes a realização da disposição do humor própria a essência da pessoa, onde se destacam as psicoses afectivas e outros distúrbios afectivos, nomeadamente depressivos;
- Estar-doente constituídos por obstáculos importantes ci realização do ser-aberto e da liberdade, envolvendo sobretudo as psicoses esquizofrénicas.
Assim, o modo de estar-doente esquizofrénico aparece como uma manifestação da privação extrema que consiste em não-poder ser de forma livre e autónoma. No entanto, também nos neuróticos obsessivos há afectação da liberdade e da abertura do existir, de forma menos intensa, particularmente porque são constrangidos a manterem-se rigorosamente a distância das coisas e a protegerem-se: a existência é aqui uma luta constante contra as ameaças de um universo impuro e corrompido.
Finalmente, para uma melhor compreensão dos modos de estar-doente, convém referir que a abordagem fenomenológica da psicopatologia é indiferente a distinção entre normal e patológico, uma vez que o método fenomenológico suspende qualquer tese de valor e, portanto, de normatividade (TATOSSIAN, 1990 citado por TEIXEIRA, 2015): esta indiferença é compreensível na medida em que a fenomenologia encara os modos de estar-doente como possibilidades humanas universais. O acento tónico no interior do sujeito, na existência ou ausência do poder de aplicar ou não a norma que é a sua. Ou seja, a perturbação começa quando há limitação a liberdade, quando o sujeito deixa de poder adoptar outras modalidades comportamentais.


Segundo (RODRIGUÊS, 2005) a fenomenologia interessa apenas a experiência real, apenas o perceptível e o concreto, não qualquer elemento que se ensine estar subjacente aos fenómenos psíquicos e que sejam matéria de construções teóricas. A cada um de seus achados a fenomenologia deve questionar: isto realmente foi experimentado? Isto realmente se apresenta na consciência do sujeito? Os achados fenomenológicos derivam sua validade do fato de que os diversos elementos da realidade psíquica não podem ser repetidamente evocados.  Assim, estes achados apenas podem ser refutados se os elementos de um fato foram erroneamente representados anterior ou presentemente; jamais podem ser refutados pela demonstração de sua impossibilidade ou erro, por meio de proposições teóricas. A fenomenologia nada pode ganhar da teoria: pode apenas perder.

Fenomenologia, assim, lida com o que é realmente experimentado. Ela vê os fenómenos psíquicos “como se vê de dentro”, e os traz à percepção imediata. Não se preocupa, portanto, com manifestações externas, com fenómenos motores, movimentos expressivos como tais, nem com qualquer tipo de rendimento objectivo. Apesar de seu emprego ser um pré-requisito para qualquer investigação causal, ela deixa as questões genéticas de lado, e estas não podem nem refutar nem corroborar seus achados. Estudos causais relacionados a cores, percepção etc., são extrínsecos à fenomenologia (RODRIGUÊS, 2005).

Por fim, a fenomenologia deve ser mantida separada do que chamamos de “compreensão genética” dos eventos psíquicos, ou seja, a compreensão de suas relações significativas. Esta é uma modalidade peculiar de compreensão que se aplica unicamente às ocorrências psíquicas; ela apreende, com característica de auto-evidência, como um evento psíquico emerge de outro; como um homem atacado sente-se raivoso, um amante traído enciumado (Idem).
Se olharmos para a psicopatologia como um todo, nosso interesse central obviamente se localiza sobre aquilo que é “geneticamente compreensível”, nas relações causais exteriores à consciência, e na determinação das bases físicas dos processos psíquicos – em outras palavras, no modo como as coisas se relacionam. A fenomenologia apenas nos torna conhecidas as formas nas quais todas as nossas experiências – toda a realidade psíquica – ocorrem; ela não nos diz nada sobre os conteúdos da experiência pessoal do indivíduo, nem qualquer coisa sobre os fundamentos extra conscientes em que os eventos psíquicos parecem flutuar como espuma na superfície do mar (op. cit.).


De forma a dar as possíveis conclusões sobre o tema, é importante referir que no decurso deste, percebeu-se que a fenomenologia tem a preocupação em explicar as estruturas em que a experiência se verifica, descrevendo-as em suas estruturas universais. O enfoque fenomenológico compreende o ser humano enquanto ser no mundo, na situação de estar lançado sendo presente e presença. A presente abordagem possibilita-nos, ser no modo do crescimento pessoal e profissional, sobretudo à compreensão do ser, em sua subjectividade enquanto ser existencial, valorizando-o e se permitindo ser presença no lidar com-o-outro, considerando-o em sua vivência, a seu modo, o ser-em-si.
A fenomenologia, essencialmente descritiva, busca chegar à essência de um fenómeno que é interrogado com vistas à sua compreensão e é dirigida para significados - expressões atribuídas pelos indivíduos que vivenciam a experiência de acordo com suas percepções sobre aquilo que está sendo pesquisado. Compreende-se deste modo que o psicólogo/psicoterapeuta ao interagir com o paciente precisa priorizar ao paciente, suas acções, valores como respeito, dignidade e amor ao próximo, já que no aconselhamento psicológico o psicólogo procura zelar pelo bem-estar daqueles que assiste. Assim, o psicólogo precisa compreender o ser humano paciente como uma pessoa pertencente a um contexto socioeconómico e cultural e não mais um objecto-coisa, número ou doença. A concepção de perceber o homem doente e não mais a doença é assentada no pensamento de Karl Jaspers, referindo que o ser doente não perde sua dimensão ontológica de Ser humano sendo merecedor de respeito, dignidade e valor em sua existência concreta.



CARDOSO, C. M. Psicopatologia Geral e Especial. 2005. Disponível em: <fpce.up.pt/.../4_fenomenologia.../fenomenologia_psicopatologica_1_19.pdf>; Acesso em: 08/05/2017 as 17:18.
CARVALHO et al., O método fenomenológico de Edmund Husserl. VI Colóquio Internacional: “Educação e Contemporaneidade”. Eixo Temático: 19 – Pesquisa fora do contexto educacional. São Cristovão-SE/Brasil. 20 a 22 de Setembro de 2012.
CARVALHO TEIXEIRA, J. A. Introdução às abordagens fenomenológica e existencial em psicopatologia (I): A psicopatologia fenomenológica. Análise Psicológica, XI(4), 621-627. 1993.
JASPERS, K. The phenomenological approach in psychopathology. The British Journal of Psychiatry, 114 (516), 1313-1323. (1968b [1912]).
OGDEN, T. H. The “analytic third”: Implications for psychoanalytic theory and technique. Psychoanalytic Quarterly, LXXIII, 167-195. 2004.
OPPENHEIMER, H. Comprehensible and incomprehensible phenomena in psychopathology: A comparison of the psychology of Sigmund Freud and Karl Jaspers. Comprehensive Psychiatry, 15(6), 503-510. 1974.
PERDIGÃO, A. C. “A filosofia existencial de Karl Jaspers”. Análise Psicológica, XIX(4), 539-557. 2001.
PEREIRA, M. E. C. Minkowski ou a psicopatologia como psicologia do pathos humano. Revista Latino americana de Psicopatologia Fundamental, III, 4, 153-155. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v3n4/1415-4714-rlpf-3-4-0153.pdf>; Acesso em: 09/05/2017 às 14h41.
PERDIGÃO, A. C. A Actualidade de Karl Jaspers face a uma Psico(Pato)Logia Geral. In: CARVALHO TEIXEIRA, J. A. 100 Anos da ‘Psicopatologia Geral’ de Karl Jaspers. 1ª Edição: Setembro de 2014. Disponível em: <repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/3270/1/Actas_KarlJaspers.pdf>; Acesso em: 09/05/2017 às 11h30.
TEIXEIRA, J. A. C. Introdução as Abordagens Fenomenológica e Existencial em Psicopatologia (I). Disponível em: <http://itgt.com.br/wp-content/uploads/2015/01/Introdu%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0s-abordagens-fenomenol%C3%B3gica-e-existencial-I.pdf >; Acesso em: 09/05/2017 às 15h18.
A Psicopatologia Fenomenológica
THOMÉ, S. C. Subjectividade e tempo na fenomenologia Husserliana. Dissertação de Mestrado em Filosofia do Sector de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008. Disponível em: <acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/16800/Disserta%5B1%5D.Husserl.pdf?sequence=1>; Acesso em: 09/05/2017 às 14h13.
RODRIGUES, A. C. T. A abordagem fenomenológica em psicopatologia em Karl Jaspers. Revista Latino americana de Psicopatologia Fundamental, VIII(4), 769-786. 2005. Disponível em: <redalyc.org/pdf/2330/233017491013.pdf>; Acesso em: 09/05/2017 às 12h24.
RODRIGUES, A. C. T. Karl Jaspers e a abordagem fenomenológica em psicopatologia. Revista Latino americana de Psicopatologia Fundamental, VIII(4), 754-768. 2005. Disponível em: <scielo.br/pdf/rlpf/v8n4/1415-4714-rlpf-8-4-0754.pdf>; Acesso em: 09/05/2017 às 11h48.






[1] O próprio autor é o Karl Jasper.
[2] Esse é um termo específico de Biologia, sobretudo na genética onde “locus” significa um local determinado que um gene ocupa num cromossomo: os genes alelos relativos ao carácter hereditário ocupam o mesmo locus em cromossomos homólogos.
[3] Conjunto de lentes que possibilita um aumento significativo da imagem sem que ela se altere ou fique desfocada.
[4] O termo pode significar tendência; por exemplo aquilo que tende a seguir certo caminho ou a agir de determinada maneira (Cf. <https://www.dicio.com.br/vies/>).

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