sábado, 27 de maio de 2017

PERSONALIDADE E AUTO-AFIRMAÇÃO



PERSONALIDADE E AUTO-AFIRMAÇÃO

1. Introdução

O estudo da personalidade constitui um domínio particularmente interessante nas áreas Sociais e Humanas. Desde os tempos remotos, este termo tem sofrido significativas mudanças. Alguns autores referem que a personalidade não corresponde a uma justaposição de peças, mas sim representa uma organização; por outro lado, a personalidade não se encontra num local específico, ela é activa e representa um processo dinâmico no interior do indivíduo; também, a personalidade é algo constituída por padrões de respostas recorrentes e consistentes. Quando se fala da personalidade é importante salientar as noções de temperamento, de caracter e de traços da personalidade, pois são elementos que fazem parte da personalidade. Deste modo, no presente trabalho pretende-se trabalhar questões relacionadas com a personalidade e auto-afirmação. São dois termos interligados pois para alguém auto-afirmar-se depende da sua disposição da personalidade. A auto-afirmação é o móvel constante, o regulador da conduta humana e quando a pessoa conduz a níveis pessoais e sociais adequados, sem ferir a individualidade e a sociedade, seria o objectivo máximo do bem-estar individual e social.

1.1. Objectivos

Para a realização deste trabalho, definiu-se um objectivo geral que depois foi constituído por quatro objectivos específicos:
Objectivo geral
 Compreender a personalidade e a auto-afirmação como o repositório de todo o património genético do indivíduo.

Objectivos específicos

    Explicar a importância da personalidade e da auto-afirmação;
     Explicar a importância dos valores sociais e a auto-afirmação;
   Descrever os pontos de vista das perspectivas humanísticas e filosóficas sobre a personalidade e auto-afirmação.

1.2. Metodologia

A metodologia usada para a realização do trabalho, foi uma pesquisa bibliográfica cingida através da leitura do livro principal de Santos e alguns artigos.


Personalidade é o conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de alguém. A formação da personalidade é processo gradual, complexo e único a cada indivíduo[1].

Sob ponto de vista do grupo, a personalidade seria um caracter ou alguma qualidade que alguém representa como sendo algo especialmente de si; a personalidade seria aquilo que determina a forma de ser de uma pessoa a nível moral; o que certamente distingue a pessoa de uma outra pessoa[2]. Quanto ao conceito de auto-afirmação, veremos ao longo do desenvolvimento do trabalho.

3. Personalidade e a Auto-afirmação

3.1. O Eu Pessoal, o Eu Social e a emergência da auto-afirmação

As descrições da personalidade, variadas consoante os autores, nem sempre são apoiadas em pesquisas mas em constructos teóricos. Todavia, tais constructos não nascem do nada; têm origem em observações e na experiência quotidiana (HALL & LINDSEY, 1973; ALLPORT, 1969 citado por SANTOS, 1982).
De acordo com (SANTOS, 1982) diz que a experiência de cada teórico da personalidade, embora sujeita a distorções próprias do observador e profundamente subjectiva, pode nos levar, porém, a novos enfoques que, por sua vez, produzem novas interpretações e, possivelmente, novas aproximações da verdade. O que se relata, agora, pode ser um passo nesse sentido, embora coexistam explicações análogas, com outra nomenclatura.
Na primeira infância geralmente até os 3 anos de idade o Eu Pessoal e o Eu Social estão separados. A partir do terceiro ano de vida, em geral, o Pessoal e o Eu Social se juntam formando uma área de conexão entre os dois Eu, com áreas de interpenetração pessoal e social extremamente variadas (SANTOS, Idem).

O Eu Pessoal pode ser definido como o repositório de todo o património genético, inclusive temperamento, inteligência e outras aptidões, estrutura física, características sexuais, estrutura e dinâmica sensorial e motora, necessidades biológicas e, ainda, as experiências e seus efeitos introjectados e já incorporados ao funcionamento do organismo (SANTOS, 1982). Entretanto, entendemos aqui que no Eu Pessoal é onde esta toda a constituição do indivíduo por ser o centro da pessoa
Por sua vez, o Eu Social seria segundo (SANTOS, 1982) a figura resultante do conjunto das expectativas, das direcções, imposições e pressões sociais que actuam sobre o Eu Pessoal; é, sobretudo, um produto da Educação que elegendo valores manipula o indivíduo modelando-o nas ideologias, hábitos e costumes de uma dada sociedade, nos seus conteúdos políticos, religiosos, económicos ou de qualquer outra natureza. Compreende-se neste ponto que o Eu social é aquele que é adquirido pela interacção e socialização do indivíduo com outras pessoas a sua volta.

Segundo o autor (Op. cit.), refere que nestas situações, o indivíduo estaria sob duas ordens de pressões, na qual: a primeira, são as características que provêm de seu estado natural, orgânico, constitucional, predominantemente genético, que traça direcções e limites da sua acção. Na verdade é segundo o autor todo um comportamento natural, simples, de sobrevivência e de adaptação ao ambiente. A criança alimenta-se, excreta resíduos, chora, repousa, responde a estímulos sensoriais; mais tarde, anda, fala, explora o meio e o cultiva; percebe-se, pouco a pouco, como um ente vivo, actuante, consciente de certas características suas, inerentes a seu funcionamento como pessoa;

A segunda passa a sentir uma manipulação externa que provém de outros seres, iguais a ele, e que, isoladamente ou em grupo, o influenciam e passam a dirigir suas acções. Sente-se levado a comer, a dormir, a colocar-se em posturas ditadas por outros. É levado a falar, a vestir-se, a interagir com seus semelhantes da maneira pela qual estes agem ou estabelecem normas de conduta. Precisa ir à escola, aprender uma profissão, orientar sua actividade sexual de certas maneiras, participar de acções comunitárias de acordo com padrões grupais e assim por diante (idem).
A sociedade impõe normas e exige conformismo a seus estilos de pensar, de agir e de sentir. Para não ser marginalizado, punido ou destruído, o indivíduo obedece a essas imposições; conforma-se. O processo de acomodação faz-se, às vezes, às custas da perda de seu Eu Pessoal; de concessões. O estilo pessoal, primitivo, natural, cede lugar aos gabaritos sociais e à alienação de si mesmo, com graus variados de aceitação ou de repulsa às imposições e referenciais externos.

A pessoa passa a sentir-se invadida no seu território, a perder o que é seu e que lhe dá segurança existencial. Quando as pressões sociais assumem formas traumáticas, a pessoa vê-se aniquilada, sem ser alguém. Busca, então, recompor-se; mostrar que existe; afirmar-se. Quanto mais profunda e traumática a imposição, maior é o sentimento de não-ser e maior a necessidade de auto-afirmação (Op. cit.).
O fenómeno exposto ocorre todos os dias, todas as horas, em pequenas ou grandes dimensões.

É a criança que vê o novo irmão tomar-lhe o lugar e as preferências dos pais e dos parentes; é o menino ou menina que, deixado de lado pelos seus amigos em um jogo ou brinquedo, sente-se rejeitado e, portanto, não-sendo; etc.
Por outro lado, há pessoas que, embora queiram aparecer ou auto-afirmar-se, o fazem em escala moderada; não foram aniquiladas ao ponto de procurarem constante evidência de si mesmos; conservam grande parte de seu Eu individual e com isso se satisfazem.

O processo de ser inicia-se com a percepção organísmica, já afectada pelas experiências ambientais e sociais. O “self seria, de acordo com CHEIN (1944 citado por SANTOS, 1982) e outros autores, o conjunto de conteúdo auto-referentes, relativos a si mesmo; é aquilo que percebemos como sendo nosso. A consequência é a percepção de uma identidade que, no dizer de ERICKSON (1971 citado por SANTOS, 1982). Seria a reflexão e a observação do indivíduo sobre si mesmo. Essa percepção de si pode incluir dimensões no tempo e no espaço com noções de continuidade e de contiguidade e de igualdade e de comparabilidade, que permitem responder à pergunta “quem sou eu?”[3]

Inerente à identificação de si mesmo, surge o processo avaliativo no plano consciente ou inconsciente das acções do “self” como respostas ao Eu Pessoal e ao Eu Social, isto é, aos impulsos naturais da pessoa e às pressões ambientais e sociais. Tem início um julgamento do Eu na sua totalidade e em aspectos particulares da existência. A simples imagem de espelho que caracteriza sua identidade é completada pela autocrítica, dando lugar a mudanças adaptativas que a pessoa tenta operar no sentido de impor-se a si mesma com respeito e admiração; procura satisfazer seus impulsos e considera as pressões sociais (Op. cit.).

Com o processo adaptativo, seu Ego se instala (HARTMAN, 1968 citado por SANTOS, 1982); passa a conhecer-se melhor e sua identidade, antes fluida e superficial, passa a estabelecer-se e a definir-se, embora em constante mudança. Do conhecimento de si surgem a auto-estima e o autoconceito e, em consequência, o sentimento de inadequação, impotência, incapacidade ou, por outro lado, o sentimento de valor pessoal e de poder. No primeiro caso, sufocado e humilhado pelo quadro de incapacidade, revolta-se, exibindo comportamentos anti-sociais ou ingressa no campo das descompensações psicológicas. No segundo caso, suportado pelo sentimento de valor pessoal, emocionalmente satisfeito, mobiliza seu potencial para entender a realidade e para a ela adaptar-se. A auto-afirmação no sentido positivo somente se instala na medida que a pessoa tenha plena consciência do que com ela ocorre, o que corresponderia ao que WOLMAN (1977 citado por SANTOS, 1982) afirma: “what counts is not only power as it is but power as perceived by oneself”[4].

A auto-imagem, auto-estima e autoconceito sempre foram tidas como agentes importantes na conduta humana (HORNEY, 1950; MOUSTAKAS, 1966; ROSENBERG, 1972 citado por SANTOS, 1982) como se verifica pela simples observação de que os comportamentos individuais se alteram consoante a flutuação dessa percepção na própria pessoa. Todo ser humano tende a agir de acordo com o que acha que é. “A estrutura da auto-imagem determina dia após dia, de momento a momento, o comportamento da pessoa” (ANDERSON, 1952 citado por SANTOS, 1982). Trabalhar, pois, com a auto-afirmação como produto de auto-imagem, da auto-estima e do autoconceito é operar sobre a pessoa, educando-a ou reinstalando comportamentos pessoal e socialmente úteis. O gráfico da página 87 pretende ilustrar como ocorre o processo da auto-afirmação.

Diz Laing que o indivíduo pode “sentir seu próprio ser como real, vivo, total, diferenciado do resto do mundo, em circunstâncias normais, tão claramente que sua identidade e autonomia nunca são duvidadas; como contínuo no tempo; como possuidor de uma estabilidade, importância e autenticidade e merecimento internos coexistindo espacialmente com o corpo e, geralmente, como iniciado pelo nascimento e passível de extinção pela morte. Assim, ele apresenta uma essência firme de segurança ontológica” (p. 46).

Ao explicar os comportamentos psicóticos, continua dizendo, “se o indivíduo não pode ter certas a autenticidade, a vida, a autonomia e a identidade de si e de outros, então se deixará absorver inventando meios de tentar ser real, de se manter e, aos outros, vivos; de preservar sua identidade num esforço, como frequentemente o diz, para evitar perder o seu eu” (idem: 47). Essa desvinculação do Eu ocorreria, também, segundo Laing, no sentido material, havendo pessoas rotuladas como esquizofrénicos que se sentem dissociadas de seu corpo, perdem sua identidade física e consequentemente ingressam em profunda angústia existencial; é o Eu dividido, segundo Laing; o indivíduo é uma coisa e não uma pessoa[5].
Conhecer o eu, senti-lo como real, sentir-se como alguém, apreciar seus valores físicos, intelectuais ou afectivos, bem como suas limitações nesses e noutros campos e, assim, sentir-se como pessoa a quem cabe um espaço no mundo e um sentido de vida, seria o motivo básico do comportamento em função do qual giram seus pensamentos e acções. Quando não percebe sua identidade perde-se na imensidão das coisas e confunde-se com o tudo ou com o nada e desaparece no seu autoconceito. Esse desaparecer pode causar os mais variados comportamentos, desde o autismo ou a tentativa de criar um mundo para si próprio, até a negação do que existe ou o uso de fantasias que satisfaçam a necessidade de ser alguém.

Muitos exemplos da vida diária ilustram os fatos aqui assinalados, seja na busca de uma identidade, do reconhecimento de ser alguém, seja nas desordens comportamentais, de rótulo neurótico ou psicótico, que ocorrem quando o indivíduo não encontra essa posição psicológica.
A auto-afirmação é vista, também, como auto-estima e, nesse sentido, como aponta CHRZANOWSKI (1981 citado por SANTOS, 1982), um constructo que constitui fundamentos para entender a motivação humana na vida diária, tanto quanto na situação terapêutica. É uma realidade mais tangível do que o Ego. Segundo esse mesmo autor, a auto-estima, que pode ter vários sinónimos tais como auto-respeito, auto-consideração, é a imagem favorável de si mesmo, de dignidade pessoal. Esses conceitos, pouco considerados por Freud e outras correntes psicológicas, são agora reapresentados como algo de máxima significância na conduta e em qualquer forma de terapia.


3.2. A ocorrência patológica

A maioria, senão a totalidade dos distúrbios emocionais, de origem não-biológica, provém do aniquilamento do Eu Pessoal e da consequente necessidade de fazê-lo emergir. A percepção de ser desvalorizado, desprezado, preferido, parece ser a mais contundente experiência humana. E o homem assim percebido ingressa em defesas para compensar essa desvalorização de algum modo e, enquanto isso não ocorre, permanece em estado de real sofrimento. Não importa se esse sentimento de desvalia seja real ou imaginário. Desde que a pessoa o sinta, actua como se fosse real[6].

As compensações psicológicas explicadas pelos mecanismos de defesa (Freud, Ana Freud e outros) são meios pelos quais o indivíduo recompõe seu equilíbrio emocional, revendo-se como alguém, bom, útil e expressivo. Às vezes essa defesa é socialmente inaceitável, não adaptativa, como no caso do indivíduo que rouba, assalta ou mata para vingar-se, para aparecer, ou para mostrar que existe e que é alguém. Nesses casos, o indivíduo está psicologicamente equilibrado mas socialmente condenado. Ao nosso entender, o indivíduo está psicologicamente equilibrado porque já conseguiu satisfazer o que queria e por outro, está condenado socialmente porque a nível social o roubo é condenável[7].

Noutras vezes, busca afirmação em obras ou actividades que substituem suas deficiências ou pseudo deficiências e que são aceitas e socialmente valorizadas. Obtém-se, nesse caso, um equilíbrio social e psicológico adequado. Outras vezes, porém, permanece o indivíduo no plano da nulidade ou da não existência e esse sentimento, profundamente traumático, gera angústias às vezes insuportáveis. Aí estariam, pois, as nascentes de todos os problemas psicológicos. Manipulá-los, terapeuticamente, com compensações ou com nova visão de si e dos referenciais externos, é todo o trabalho da reeducação, da reabilitação ou da psicoterapia e os casos que mencionamos em páginas anteriores são exemplos que podem ser significativos.

O problema psicológico, manifesto por tensões, angústias ou comportamentos socialmente indesejáveis, parece brotar como consequência da aniquilação individual, ou, em menor grau, do sentimento de incapacidade ou de rejeição. Isto porque a própria sociedade exige o conformismo a seus padrões e, logo a seguir, a expressão individual, ou seja, uma capacidade individual de ser alguém, de resolver problemas, de tomar iniciativas e de dar contribuições à sociedade. Diante dessas exigências antagónicas, conformismo versus expressão, o indivíduo vê-se perplexo. Precisa adaptar-se e precisa ser alguém, para não ser tragado pelo niilismo. Pode conformar-se totalmente e mergulhar no anonimato, no nada ser, como defesa[8].
A auto-afirmação parece ser o móvel constante, o regulador da conduta humana. Conduzi-la a níveis pessoais e sociais adequados, sem ferir a individualidade e a sociedade, seria o objectivo máximo do bem-estar individual e social.
Ainda com Santos, diz que o determinante básico, por nós chamado de auto-afirmação, não é tão simples como o nome indica; não se confunde com o comportamento de “chamar à atenção sobre si”, como é, às vezes, interpretado. É um produto intelectual e emocional muito mais abrangente e profundo. Intervêm nesse comportamento muitos outros elementos, dos quais se destacam:
a) O nível mental, no sentido de ler a pessoa capaz de avaliar e comparar diferenças dentre fatos e objectos e entre situações diversas;

b) O nível intelectual, no que se refere às cognições e à acumulação de informações que permitam à pessoa emitir juízos de valor, sobre si e sobre os outros, e extrair conclusões quantitativas e qualitativas;

c) Condições de percepção sensorial, através da qual possa a pessoa receber os estímulos ambientais ou auto-gerados;
d) As imagens introjectadas de si e dos outros, do Eu-real e do Eu-ideal, ou seja, todos os agentes derivados do autoconceito resultantes de frustrações e conflitos, bem como de sentimentos positivos e negativos.

A auto-afirmação não significa, igualmente, o sentimento narcisista estudado por KOHUT (1978 citado por SANTOS, 1982) na sua posição anti freudiana, mas o equilíbrio entre o amor por si e pelas pessoas e fenómenos que o rodeiam. As desordens psíquicas ocorreriam quando a pessoa não é capaz de estimar-se a si própria, buscando nos outros, a todo momento, extremamente vulnerável às críticas, a valorização que lhe falta. O seu Eu fragmentado é ambíguo, confuso, instável e não estruturado, com origens que podem estar na sua relação com seus pais e sua família.

O comportamento de auto-afirmação pode ser entendido como resultante dos juízos que a pessoa faz em relação a si mesma e de seu Eu em relação ao mundo. Quando esses juízos indicam conceitos grandemente desfavoráveis, que geram sentimentos de nulidade, de não ser ele próprio, de alienação, ou mesmo de incapacidade face a necessidades imperiosas, a pessoa ingressa em estados de depressão ou de angústia, que variam de acordo com o grau de insatisfação percebido. É a consequência da reacção do Ego à ameaça de não-ser. Todos nós, em um momento ou outro da vida, sentimos ocorrer tais sentimentos.
No indivíduo dito “normal”, ou normalmente ajustado, essas imagens de incapacidade ou de nulidade são aceitas e incorporadas como algo não-destrutivo, que ocorrem como fatos comuns da vida; não afectam a integridade e o conceito básico do Eu e, consequentemente, a pessoa continua a viver na busca de outros caminhos; procura soluções menos frustradoras, aceitam os fracassos como parte da experiência normal de vida e não. Se sente invalidado ou rejeitado (Ibid).
Em certos casos, porém, seja por um acúmulo constante de insucessos, seja pela ocorrência de uma grande e profunda insatisfação, a pessoa começa a interiorizar conceitos depreciativos sobre si mesma; tudo lhe parece ameaçador, reforçando a imagem negativa que está se gerando, ou já implantada. Dois pólos extremos podem caracterizar os efeitos da auto-afirmação:

1. Comportamento de nulidade, ou seja, o da percepção e consequente posicionamento de que pouco ou nada adianta fazer, face aos problemas existenciais, já que seu Eu não tem condições de superar problemas. Evita actividades ou quaisquer realizações porque, de antemão, não confia no seu próprio desempenho. É o comportamento de fuga, de esquiva, de negação da realidade e outros semelhantes, explicados como defesas pela linha freudiana, pela não-aceitação de si mesmo, na posição rogeriana, ou pela ausência de reforçamento de valor pessoal, na linha comportamentalista. A consequência emocional, é geralmente, a depressão temporária ou permanente, a inibição ou bloqueio de comportamentos, resultante do medo de fracasso;

2. Comportamento de activação, que se refere à não-aceitação de um juízo depreciativo, isto é, o organismo reage contra o baixo conceito que lhe é profundamente traumatizante. A reacção, porém, é não-adaptativa, uma vez que, gerada sob a percepção de incapacidade, cria tensões severas. A pessoa sente-se incapaz e, em lugar de manter-se em estado depressivo, expresso no comportamento anterior, procura lutar contra essa imagem, às vezes de forma impulsiva e irracional.

Predominando o medo do insucesso, o comportamento se desorganiza e novos fracassos ocorrem. A seguir, mais medo e mais fracassos e os níveis de excitação aumentam gerando, no plano emocional, estados de intranquilidade, agitação, fobias, falhas do desempenho e consequente agravamento das condições existenciais.

Os dois comportamentos, acima mencionados, poderiam corresponder a dois processos básicos de equilíbrio, quer no plano psicológico como no biológico, e se referem a estados de inibição e de excitação, fartamente conhecidos no campo da fisiologia e da psicologia (SANTOS, 1982). Ao nosso ver, é nestas situações que o aconselhamento psicológico deve ocorrer para reorganizar o indivíduo.

3.3. Neurose e significado da vida

A auto-afirmação é o reconhecimento e a valorização da própria individualidade que, no dizer de MAY (1977 citado por SANTOS, 1982), deve ser preservada. É o alvo da psicoterapia, no pensamento de RANK (1945 citado por SANTOS, 1982), e, como busca da própria individualidade, uma característica básica do comportamento segundo JUNG (1927, 1939 citado por SANTOS, 1982).
Analisando métodos de aconselhamento, diz May que forçar o indivíduo a ser ele mesmo é “piorar ainda mais a confusão. Ele precisa, em primeiro lugar, achar a si mesmo”.
Diz May:
“O problema do neurótico é sua incapacidade de afirmar. “Afirmar significa mais do que simplesmente aceitar. É mais um aceitar activo, um dizer Sim, não apenas verbal ou mentalmente, mas com resposta de toda a personalidade”.
Essa falta de capacidade de afirmar a si próprio, a seus semelhantes e ao universo está ligada ao acentuado sentimento de insegurança do neurótico. Temos observado ser comum entre os depressivos, os angustiados e os ansiosos, em geral, a existência de um sentimento de medo ou de falta de confiança em si e nos outros. Agem para se defender de perdas, reais ou imaginárias. No neurótico, ao contrário do psicótico, geralmente o medo e o sentimento de fracasso tem origem em alguma perda ou ameaça real de perda (SANTOS, 1982).
A neurose é, porém, o exagero e a generalização desse medo, causada pela falta de confiança em si, que assumiu a forma de baixo conceito pouco a pouco interiorizado, seja por uma visão deformada dos factos (plano cognitivo), seja por reais e repetidos insucessos que geraram uma visão negativa de si mesmo (plano emocional).

Em consequência, a pessoa não consegue ser alguém; não se afirma como pessoa e a vida não tem um significado, ou se o tem, o que é pior, surge como inatingível. A pessoa tem planos ou objectivos e necessidades subjacentes que lhe parecem muito além da sua capacidade. Nestes casos, coloca alvos acima das suas reais possibilidades ou, se é capaz, não se vê suficientemente dotado para alcançá-los.

No primeiro caso, suas informações e os dados de que dispõe para manipular o problema são erróneos ou incompletos.
Exemplo do que acima foi descrito é o caso de pessoas que almejam alto nível de desempenho, seja no campo profissional, social, sexual ou outro qualquer, baseado em concepções ou imagens que lhe foram transmitidas e em função das quais acredita que certos padrões de desempenho são os únicos aceitáveis e que justificam sua conduta. Esquecem-se de seu próprio Eu e tomam como directriz o Eu de outrem. Alienam-se de si mesmos e vivem à sombra de outros, buscando igualá-los ou superá-los. A satisfação e o bem-estar ficam associados e esses alvos; não elaboram seus próprios planos e suas próprias decisões. No segundo caso, simplesmente não se avaliam positivamente.

Na medida em que a pessoa constrói para si mesma seu próprio mundo, com as limitações e aspirações que derivam da sua auto-imagem, torna-se capaz de afirmar-se, de traçar seu próprio rumo, relacionado com o mundo externo, mas não por este dominado. Nesse momento, enquanto pessoa, dá um sentido à sua vida, fixa metas e estratégias e com elas opera, adaptando-as a eventuais revezes e impropriedades. Pode sofrer com as frustrações e conflitos, porém reformula planos, mantém as directrizes essenciais que coloca para si mesmo. Nesse sentido, reconhece-se como alguém, que tem condições próprias e que luta para adaptar-se, com suas potencialidades e limitações.

Esse sentido de luta pessoal, ainda que acarrete derrotas, seria a essência da auto-afirmação. Não é o resultado visível em si que interessa, mas o sentimento de não-passividade, de independência, de ser capaz de reconhecer em si algo que permanece, que não foi destruído, apesar dos fracassos.
A auto-afirmação seria também a percepção da própria existência e o preenchimento do vácuo existencial, tão bem colocado por Victor Frankl e que, segundo ele, corresponde à ausência de um sentido de vida. Ocorre, segundo Frankl, o resultado de uma carência de iniciativa, de interesse, que mobilize o homem em uma certa direcção. Os sintomas dessa neurose podem ser semelhantes aos da neurose psicógena (causada por grandes traumas psíquicos) ou da neurose somatógena (causada por desequilíbrios orgânicos). O sintoma básico é a angústia existencial, a falta de razão para viver, o desinteresse, a apatia, produtos do baixo autoconceito e da percepção de uma nulidade individual. Muitas fobias e ansiedade difusa podem ser o efeito dessa percepção de nulidade, em que o Eu pouco significa, esmagado pelos outros ou pela imensidão do Cosmos. Encontrar um sentido para a vida seria reconhecer-se como alguém, crer em si mesmo, no seu papel e no seu desempenho, ainda que com limitações e falhas. Esse crer em si e reconhecer-se como pessoa poderia ser o carácter básico da Psicologia Humanística, hoje em franco desenvolvimento, em oposição à Psicologia que vê no homem um meio para alguma coisa e não um fim em si mesmo[9].

3.4. Valores sociais e a auto-afirmação

A auto-afirmação, como determinante básico, seria culturalmente estruturada com base nos valores introjectados pela pessoa, durante seu desenvolvimento. É, consequentemente, um conceito pessoal, totalmente individualizado, que a pessoa cria para si mesma. E isto é verdade quando comparamos os alvos comportamentais que cada um de nós impõe para si próprio. O que representa valorização pessoal para certas pessoas pode não ser significativo para outras. Esta acepção corresponde a alguns conceitos de Rogers quando propõe sua teoria sobre a personalidade (ROGERS, 1951 citado por SANTOS, 1982). Todavia, o conceito pessoal sobre si mesmo não existe senão em decorrência de influências ambientais, isto é, que dão ao indivíduo os parâmetros de comparação entre si e os outros.
É pessoal, enquanto se incorpora à conduta e nela se reflecte a todo momento, gerando ideias, planos, fantasias e imprime direcção à conduta; é, porém, social na sua origem e somente pode ser manipulado através da confrontação entre as expectativas sociais que o geraram e a conduta que se instalou.

Quando a pessoa é capaz de manter seu quadro de referências e, no panorama complexo de opções, conseguir distinguir o seu Eu e valorizá-lo, o caminho para o crescimento e a tranquilidade é novamente aberto. Quantas vezes observamos, em terapia, a pessoa questionar uma opção como algo imposto, indesejável, e vir, posteriormente, a adoptá-la. Nesses casos o fenómeno poderia ser explicado porque, na revisão de seus valores e de seu Eu, ela pode aceitar a opção não mais como imposição externa que a anula, mas como decisão que passa a ser sua e que, por situações diversas, pode coincidir com o alvo das pressões externas.
Uma atitude eficaz na assistência prestada a pessoas que se defrontam com problemas existenciais seria considerar o que diz Rogers:

“Uma forma de ajudar o indivíduo a aproximar-se da abertura para a vivência é utilizar uma relação em que é apreciado como uma pessoa em si, em que as descobertas que ocorrem em seu íntimo são compreendidas e avaliadas empaticamente e na qual tem liberdade de vivenciar seus sentimentos e o de outros sem que, ao fazê-lo, seja ameaçado”.
(ROGERS, 1965 citado por SANTOS, 1982).
Para Santos[10], essa proposição de Rogers indica uma atitude terapêutica. Apenas acrescenta que a justificação dessa atitude estaria na necessidade de auto-afirmação. Encontrar-se “como uma pessoa em si”, ter liberdade de “vivenciar seus sentimentos e o de outros” parece suficientemente claro como um processo de auto-afirmação.

3.5. Perspectivas humanísticas e filosóficas

O movimento filosófico actual reporta-se ao motivo de auto-afirmação como componente essencial do comportamento humano. O humanismo visa restaurar o seu Eu, como pessoa, reconhecendo-o como participante e não como espectador ou produto da vida. Ao contrário do tecnicismo que trata o homem como objecto, e o anula na sua individualidade.
Para estas perspectivas, o encontro existencial é a situação educativa ou terapêutica, de pessoa para pessoa, e cada uma com seus valores e seu Eu. Não se busca impingir ou modelar comportamentos, mas vivenciar o que existe dentro de cada um. É o ser no mundo que prevalece.
Segundo (SANTOS, 1982), o humanismo na Psicologia é bem o reflexo do homem que se revolta e se desajusta quando se vê alienado de si mesmo; quando é ignorado ou “coisificado” ou, ainda, e principalmente, quando perde o autoconceito, a auto-estima, resultante de depreciação externa aceita como válida e assim introjectada e incorporada ao “self”.
Quando se facilita à pessoa a questionar a si própria, no seu em-si e para-si, pode ela retomar a uma visão de si mesma, a se avaliar face a seus alvos e aspirações, a se reconhecer como um ente próprio, como seu Eu subjectivo, todo único e pessoal. Reabre-se, assim, o caminho da tranquilidade e do bem-estar individual e pode-se constatar quanto é decisivo no ajustamento humano a retomada do valor pessoal, do sentimento de que, apesar dos conflitos e frustrações, a pessoa ainda é capaz de sentir-se a si mesma, de ter a consciência de existir e de com ela seleccionar seus valores e seus alvos. A essência, do homem é a percepção de si mesmo, como pessoa, capaz de sentir, pensar e agir dentro da sua individualidade.

Muito frequentemente observa-se, na assistência terapêutica, que o cliente coloca duas imagens, o “dever ser” e o “ser”, as quais entram em conflito e geram angústia. E quanto mais se enfatiza uma ou outra imagem, mais se acentua a dissonância pessoal e o conflito, pois que a pessoa se vê mais profundamente atingida pelos “seus” valores e pelos valores externos.

O humanismo em psicologia visa reduzir a imposição existencial, retomando o Eu, o “ser” como o aspecto importante, não como soma ou função de partes, mas como um todo capaz, inclusive, de superar as deficiências parciais avaliadas isoladamente. Reduz-se, assim, a distância entre as duas imagens, o “dever ser” e o “ser” e a pessoa entra na plenitude de si mesma e assim sentindo usa toda sua potencialidade da qual é biologicamente dotada. O humanismo é, no fundo, um retorno parcial da Psicologia, a Filosofia e a Biologia sem, contudo, abdicar do seu campo próprio (Ibid).

4. Conclusão

O homem, porém, só chega a encontrar um sentido de vida quando se defronta, sem pressões ou direcções, consigo mesmo e com o mundo. Quando é capaz de analisar o “dever ser” e o “ser”; quando pode admitir as exigências e as expectativas sociais como perfeitamente naturais e justificadas no contexto em que se inserem e não como invasões ao seu Eu. É o caso, por exemplo, dos filhos, ajustados, que entendem as exigências dos pais e seus papéis de “controladores” e não se sentem rebaixados no seu autoconceito porque são assim controlados. Admitem a naturalidade desses controlos sem que isso lhes afecte o seu próprio valor.
A luta pela auto-afirmação atinge a pessoa, os grupos, o trabalho, a política e as nações consoante seu carácter nacional. Assume muitas vezes a luta pela posse do poder, inclusive pela violência, quando não pode a pessoa conquistá-la pela inteligência. Nesses casos há um processo de conflito em que as reacções não-adaptativas predominam, isto é, buscam indivíduos e grupos destruir a fonte frustradora de sua auto-afirmação e configura-se um estado de patologia social em que inexistem a democracia e o respeito à personalidade humana. Grupos dominam grupos e impõem valores e regras de vida como nos regimes totalitários. Nessas circunstâncias, o homem revolta-se e passa a ser agressor, tão forte é o sentimento de não-afirmação que nele brota. A profilaxia e o remédio são evidentes. Somente quando ocorre a livre expressão e a valorização de cada pessoa pode esta construir o seu Eu, conhecer seus limites de competência e agir dentro deles. A violência não terá mais sentido; desaparecerá por desnecessária ou contraproducente; a auto-afirmação elaborada na pessoa e nos grupos, por eles próprios, indicará os limites e as características da luta, o encontro com a comunidade e consigo mesmo.


5. Referência bibliográfica

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[1] Cf. (<https://pt.wikipedia.org/wiki/Personalidade>)
[2] Definição do grupo sobre o conceito de personalidade.
[3] Citado por SANTOS (1982)
[4] O que conta não é apenas o poder como ele é, mas o poder como percebido por si mesmo (Tradução livre dos estudantes).
[5] Citado por SANTOS (1982)
[6] Op. cit.
[7] Op. cit.
[8] Op. cit.
[9] Idem, SANTOS (1982)
[10] Op. cit.

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