PERSONALIDADE E AUTO-AFIRMAÇÃO
PERSONALIDADE E AUTO-AFIRMAÇÃO
1. Introdução
O estudo da personalidade constitui um domínio
particularmente interessante nas áreas Sociais e Humanas. Desde os tempos
remotos, este termo tem sofrido significativas mudanças. Alguns autores referem
que a personalidade não corresponde a uma justaposição de peças, mas sim
representa uma organização; por outro lado, a personalidade não se encontra num
local específico, ela é activa e representa um processo dinâmico no interior do
indivíduo; também, a personalidade é algo constituída por padrões de respostas
recorrentes e consistentes. Quando se fala da personalidade é importante
salientar as noções de temperamento, de caracter e de traços da personalidade,
pois são elementos que fazem parte da personalidade. Deste modo, no presente
trabalho pretende-se trabalhar questões relacionadas com a personalidade e
auto-afirmação. São dois termos interligados pois para alguém auto-afirmar-se
depende da sua disposição da personalidade. A auto-afirmação é o móvel
constante, o regulador da conduta humana e quando a pessoa conduz a níveis
pessoais e sociais adequados, sem ferir a individualidade e a sociedade, seria
o objectivo máximo do bem-estar individual e social.
1.1. Objectivos
Para a realização deste trabalho, definiu-se um objectivo
geral que depois foi constituído por quatro objectivos específicos:
Objectivo geral
Compreender a personalidade e a auto-afirmação
como o repositório de todo o património genético do indivíduo.
Objectivos
específicos
Explicar a importância da personalidade e da
auto-afirmação;
Explicar
a importância dos valores sociais e a auto-afirmação;
Descrever os pontos de vista das perspectivas
humanísticas e filosóficas sobre a personalidade e auto-afirmação.
1.2. Metodologia
A metodologia usada para a
realização do trabalho, foi uma pesquisa bibliográfica cingida através da
leitura do livro principal de Santos e alguns artigos.
Personalidade é o conjunto de
características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e
agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de alguém. A formação da
personalidade é processo gradual, complexo e único a cada indivíduo[1].
Sob ponto de vista do grupo,
a personalidade seria um caracter ou alguma qualidade que alguém representa
como sendo algo especialmente de si; a personalidade seria aquilo que determina
a forma de ser de uma pessoa a nível moral; o que certamente distingue a pessoa
de uma outra pessoa[2].
Quanto ao conceito de auto-afirmação, veremos ao longo do desenvolvimento do
trabalho.
3. Personalidade e a Auto-afirmação
3.1. O Eu Pessoal, o Eu Social e a
emergência da auto-afirmação
As descrições da personalidade, variadas consoante os
autores, nem sempre são apoiadas em pesquisas mas em constructos teóricos.
Todavia, tais constructos não nascem do nada; têm origem em observações e na
experiência quotidiana (HALL & LINDSEY, 1973; ALLPORT, 1969 citado por
SANTOS, 1982).
De acordo com (SANTOS, 1982) diz que a experiência de cada
teórico da personalidade, embora sujeita a distorções próprias do observador e
profundamente subjectiva, pode nos levar, porém, a novos enfoques que, por sua
vez, produzem novas interpretações e, possivelmente, novas aproximações da
verdade. O que se relata, agora, pode ser um passo nesse sentido, embora
coexistam explicações análogas, com outra nomenclatura.
Na primeira infância geralmente até os 3 anos de idade o Eu
Pessoal e o Eu Social estão separados. A partir do terceiro ano de vida, em
geral, o Pessoal e o Eu Social se juntam formando uma área de conexão entre os
dois Eu, com áreas de interpenetração pessoal e social extremamente variadas (SANTOS,
Idem).
O Eu Pessoal pode ser definido como o repositório de todo o
património genético, inclusive temperamento, inteligência e outras aptidões,
estrutura física, características sexuais, estrutura e dinâmica sensorial e
motora, necessidades biológicas e, ainda, as experiências e seus efeitos
introjectados e já incorporados ao funcionamento do organismo (SANTOS, 1982).
Entretanto, entendemos aqui que no Eu Pessoal é onde esta toda a constituição
do indivíduo por ser o centro da pessoa
Por sua vez, o Eu Social seria segundo (SANTOS, 1982) a
figura resultante do conjunto das expectativas, das direcções, imposições e
pressões sociais que actuam sobre o Eu Pessoal; é, sobretudo, um produto da
Educação que elegendo valores manipula o indivíduo modelando-o nas ideologias,
hábitos e costumes de uma dada sociedade, nos seus conteúdos políticos,
religiosos, económicos ou de qualquer outra natureza. Compreende-se neste ponto
que o Eu social é aquele que é adquirido pela interacção e socialização do
indivíduo com outras pessoas a sua volta.
Segundo o autor (Op. cit.), refere que nestas situações, o
indivíduo estaria sob duas ordens de pressões, na qual: a primeira, são
as características que provêm de seu estado natural, orgânico, constitucional,
predominantemente genético, que traça direcções e limites da sua acção. Na
verdade é segundo o autor todo um comportamento natural, simples, de
sobrevivência e de adaptação ao ambiente. A criança alimenta-se, excreta
resíduos, chora, repousa, responde a estímulos sensoriais; mais tarde, anda,
fala, explora o meio e o cultiva; percebe-se, pouco a pouco, como um ente vivo,
actuante, consciente de certas características suas, inerentes a seu funcionamento
como pessoa;
A segunda passa a sentir uma manipulação externa que
provém de outros seres, iguais a ele, e que, isoladamente ou em grupo, o
influenciam e passam a dirigir suas acções. Sente-se levado a comer, a dormir,
a colocar-se em posturas ditadas por outros. É levado a falar, a vestir-se, a
interagir com seus semelhantes da maneira pela qual estes agem ou estabelecem
normas de conduta. Precisa ir à escola, aprender uma profissão, orientar sua
actividade sexual de certas maneiras, participar de acções comunitárias de
acordo com padrões grupais e assim por diante (idem).
A sociedade impõe normas e exige conformismo a seus estilos
de pensar, de agir e de sentir. Para não ser marginalizado, punido ou
destruído, o indivíduo obedece a essas imposições; conforma-se. O processo de
acomodação faz-se, às vezes, às custas da perda de seu Eu Pessoal; de
concessões. O estilo pessoal, primitivo, natural, cede lugar aos gabaritos
sociais e à alienação de si mesmo, com graus variados de aceitação ou de
repulsa às imposições e referenciais externos.
A pessoa passa a sentir-se invadida no seu território, a
perder o que é seu e que lhe dá segurança existencial. Quando as pressões
sociais assumem formas traumáticas, a pessoa vê-se aniquilada, sem ser alguém.
Busca, então, recompor-se; mostrar que existe; afirmar-se. Quanto mais profunda
e traumática a imposição, maior é o sentimento de não-ser e maior a necessidade
de auto-afirmação (Op. cit.).
O fenómeno exposto ocorre todos os dias, todas as horas, em
pequenas ou grandes dimensões.
É a criança que vê o novo irmão tomar-lhe o lugar e as
preferências dos pais e dos parentes; é o menino ou menina que, deixado de lado
pelos seus amigos em um jogo ou brinquedo, sente-se rejeitado e, portanto,
não-sendo; etc.
Por outro lado, há pessoas que, embora queiram aparecer ou
auto-afirmar-se, o fazem em escala moderada; não foram aniquiladas ao ponto de
procurarem constante evidência de si mesmos; conservam grande parte de seu Eu individual
e com isso se satisfazem.
O processo de ser inicia-se com a percepção organísmica, já
afectada pelas experiências ambientais e sociais. O “self seria, de acordo com CHEIN
(1944 citado por SANTOS, 1982) e outros autores, o conjunto de conteúdo
auto-referentes, relativos a si mesmo; é aquilo que percebemos como sendo
nosso. A consequência é a percepção de uma identidade que, no dizer de ERICKSON
(1971 citado por SANTOS, 1982). Seria a reflexão e a observação do indivíduo
sobre si mesmo. Essa percepção de si pode incluir dimensões no tempo e no
espaço com noções de continuidade e de contiguidade e de igualdade e de
comparabilidade, que permitem responder à pergunta “quem sou eu?”[3]
Inerente à identificação de si mesmo, surge o processo
avaliativo no plano consciente ou inconsciente das acções do “self” como
respostas ao Eu Pessoal e ao Eu Social, isto é, aos impulsos naturais da pessoa
e às pressões ambientais e sociais. Tem início um julgamento do Eu na sua
totalidade e em aspectos particulares da existência. A simples imagem de
espelho que caracteriza sua identidade é completada pela autocrítica, dando
lugar a mudanças adaptativas que a pessoa tenta operar no sentido de impor-se a
si mesma com respeito e admiração; procura satisfazer seus impulsos e considera
as pressões sociais (Op. cit.).
Com o processo adaptativo, seu Ego se instala (HARTMAN, 1968
citado por SANTOS, 1982); passa a conhecer-se melhor e sua identidade, antes
fluida e superficial, passa a estabelecer-se e a definir-se, embora em
constante mudança. Do conhecimento de si surgem a auto-estima e o autoconceito
e, em consequência, o sentimento de inadequação, impotência, incapacidade ou,
por outro lado, o sentimento de valor pessoal e de poder. No primeiro caso,
sufocado e humilhado pelo quadro de incapacidade, revolta-se, exibindo
comportamentos anti-sociais ou ingressa no campo das descompensações
psicológicas. No segundo caso, suportado pelo sentimento de valor pessoal,
emocionalmente satisfeito, mobiliza seu potencial para entender a realidade e
para a ela adaptar-se. A auto-afirmação no sentido positivo somente se instala
na medida que a pessoa tenha plena consciência do que com ela ocorre, o que
corresponderia ao que WOLMAN (1977 citado por SANTOS, 1982) afirma: “what counts
is not only power as it is but power as perceived by oneself”[4].
A auto-imagem, auto-estima e autoconceito sempre foram tidas
como agentes importantes na conduta humana (HORNEY, 1950; MOUSTAKAS, 1966; ROSENBERG,
1972 citado por SANTOS, 1982) como se verifica pela simples observação de que
os comportamentos individuais se alteram consoante a flutuação dessa percepção
na própria pessoa. Todo ser humano tende a agir de acordo com o que acha que é.
“A estrutura da auto-imagem determina dia após dia, de momento a momento, o
comportamento da pessoa” (ANDERSON, 1952 citado por SANTOS, 1982). Trabalhar,
pois, com a auto-afirmação como produto de auto-imagem, da auto-estima e do
autoconceito é operar sobre a pessoa, educando-a ou reinstalando comportamentos
pessoal e socialmente úteis. O gráfico da página 87 pretende ilustrar como
ocorre o processo da auto-afirmação.
Diz Laing que o indivíduo pode “sentir seu próprio ser como
real, vivo, total, diferenciado do resto do mundo, em circunstâncias normais,
tão claramente que sua identidade e autonomia nunca são duvidadas; como contínuo
no tempo; como possuidor de uma estabilidade, importância e autenticidade e
merecimento internos coexistindo espacialmente com o corpo e, geralmente, como
iniciado pelo nascimento e passível de extinção pela morte. Assim, ele
apresenta uma essência firme de segurança ontológica” (p. 46).
Ao explicar os comportamentos psicóticos, continua dizendo,
“se o indivíduo não pode ter certas a autenticidade, a vida, a autonomia e a
identidade de si e de outros, então se deixará absorver inventando meios de
tentar ser real, de se manter e, aos outros, vivos; de preservar sua identidade
num esforço, como frequentemente o diz, para evitar perder o seu eu” (idem:
47). Essa desvinculação do Eu ocorreria, também, segundo Laing, no sentido
material, havendo pessoas rotuladas como esquizofrénicos que se sentem
dissociadas de seu corpo, perdem sua identidade física e consequentemente
ingressam em profunda angústia existencial; é o Eu dividido, segundo Laing; o
indivíduo é uma coisa e não uma pessoa[5].
Conhecer o eu, senti-lo como real, sentir-se como alguém,
apreciar seus valores físicos, intelectuais ou afectivos, bem como suas
limitações nesses e noutros campos e, assim, sentir-se como pessoa a quem cabe
um espaço no mundo e um sentido de vida, seria o motivo básico do comportamento
em função do qual giram seus pensamentos e acções. Quando não percebe sua
identidade perde-se na imensidão das coisas e confunde-se com o tudo ou com o
nada e desaparece no seu autoconceito. Esse desaparecer pode causar os mais
variados comportamentos, desde o autismo ou a tentativa de criar um mundo para
si próprio, até a negação do que existe ou o uso de fantasias que satisfaçam a
necessidade de ser alguém.
Muitos exemplos da vida diária ilustram os fatos aqui
assinalados, seja na busca de uma identidade, do reconhecimento de ser alguém,
seja nas desordens comportamentais, de rótulo neurótico ou psicótico, que
ocorrem quando o indivíduo não encontra essa posição psicológica.
A auto-afirmação é vista, também, como auto-estima e, nesse
sentido, como aponta CHRZANOWSKI (1981 citado por SANTOS, 1982), um constructo
que constitui fundamentos para entender a motivação humana na vida diária,
tanto quanto na situação terapêutica. É uma realidade mais tangível do que o
Ego. Segundo esse mesmo autor, a auto-estima, que pode ter vários sinónimos
tais como auto-respeito, auto-consideração, é a imagem favorável de si mesmo,
de dignidade pessoal. Esses conceitos, pouco considerados por Freud e outras
correntes psicológicas, são agora reapresentados como algo de máxima
significância na conduta e em qualquer forma de terapia.
3.2. A ocorrência patológica
A maioria, senão a totalidade dos
distúrbios emocionais, de origem não-biológica, provém do aniquilamento do Eu
Pessoal e da consequente necessidade de fazê-lo emergir. A percepção de ser
desvalorizado, desprezado, preferido, parece ser a mais contundente experiência
humana. E o homem assim percebido ingressa em defesas para compensar essa
desvalorização de algum modo e, enquanto isso não ocorre, permanece em estado
de real sofrimento. Não importa se esse sentimento de desvalia seja real ou
imaginário. Desde que a pessoa o sinta, actua como se fosse real[6].
As compensações psicológicas
explicadas pelos mecanismos de defesa (Freud, Ana Freud e outros) são meios
pelos quais o indivíduo recompõe seu equilíbrio emocional, revendo-se como
alguém, bom, útil e expressivo. Às vezes essa defesa é socialmente inaceitável,
não adaptativa, como no caso do indivíduo que rouba, assalta ou mata para
vingar-se, para aparecer, ou para mostrar que existe e que é alguém. Nesses
casos, o indivíduo está psicologicamente equilibrado mas socialmente condenado.
Ao nosso entender, o indivíduo está psicologicamente equilibrado porque já
conseguiu satisfazer o que queria e por outro, está condenado socialmente
porque a nível social o roubo é condenável[7].
Noutras vezes, busca afirmação em
obras ou actividades que substituem suas deficiências ou pseudo deficiências e
que são aceitas e socialmente valorizadas. Obtém-se, nesse caso, um equilíbrio
social e psicológico adequado. Outras vezes, porém, permanece o indivíduo no
plano da nulidade ou da não existência e esse sentimento, profundamente
traumático, gera angústias às vezes insuportáveis. Aí estariam, pois, as
nascentes de todos os problemas psicológicos. Manipulá-los, terapeuticamente,
com compensações ou com nova visão de si e dos referenciais externos, é todo o
trabalho da reeducação, da reabilitação ou da psicoterapia e os casos que
mencionamos em páginas anteriores são exemplos que podem ser significativos.
O problema psicológico, manifesto
por tensões, angústias ou comportamentos socialmente indesejáveis, parece
brotar como consequência da aniquilação individual, ou, em menor grau, do
sentimento de incapacidade ou de rejeição. Isto porque a própria sociedade
exige o conformismo a seus padrões e,
logo a seguir, a expressão
individual, ou seja, uma capacidade individual de ser alguém, de resolver
problemas, de tomar iniciativas e de dar contribuições à sociedade. Diante
dessas exigências antagónicas, conformismo versus expressão, o indivíduo vê-se
perplexo. Precisa adaptar-se e precisa ser alguém, para não ser tragado pelo
niilismo. Pode conformar-se totalmente e mergulhar no anonimato, no nada ser,
como defesa[8].
A auto-afirmação parece ser o móvel
constante, o regulador da conduta humana. Conduzi-la a níveis pessoais e
sociais adequados, sem ferir a individualidade e a sociedade, seria o objectivo
máximo do bem-estar individual e social.
Ainda com Santos, diz que o
determinante básico, por nós chamado de auto-afirmação, não é tão simples como
o nome indica; não se confunde com o comportamento de “chamar à atenção sobre
si”, como é, às vezes, interpretado. É um produto intelectual e emocional muito
mais abrangente e profundo. Intervêm nesse comportamento muitos outros
elementos, dos quais se destacam:
a) O nível mental, no sentido de
ler a pessoa capaz de avaliar e comparar diferenças dentre fatos e objectos e
entre situações diversas;
b) O nível intelectual, no que se
refere às cognições e à acumulação de informações que permitam à pessoa emitir
juízos de valor, sobre si e sobre os outros, e extrair conclusões quantitativas
e qualitativas;
c) Condições de percepção
sensorial, através da qual possa a pessoa receber os estímulos ambientais ou
auto-gerados;
d) As imagens introjectadas de si e
dos outros, do Eu-real e do Eu-ideal, ou seja, todos os agentes derivados do
autoconceito resultantes de frustrações e conflitos, bem como de sentimentos
positivos e negativos.
A auto-afirmação não significa,
igualmente, o sentimento narcisista estudado por KOHUT (1978 citado por SANTOS,
1982) na sua posição anti freudiana, mas o equilíbrio entre o amor por si e
pelas pessoas e fenómenos que o rodeiam. As desordens psíquicas ocorreriam
quando a pessoa não é capaz de estimar-se a si própria, buscando nos outros, a
todo momento, extremamente vulnerável às críticas, a valorização que lhe falta.
O seu Eu fragmentado é ambíguo, confuso, instável e não estruturado, com
origens que podem estar na sua relação com seus pais e sua família.
O comportamento de auto-afirmação
pode ser entendido como resultante dos juízos que a pessoa faz em relação a si
mesma e de seu Eu em relação ao mundo. Quando esses juízos indicam conceitos grandemente
desfavoráveis, que geram sentimentos de nulidade, de não ser ele próprio, de
alienação, ou mesmo de incapacidade face a necessidades imperiosas, a pessoa
ingressa em estados de depressão ou de angústia, que variam de acordo com o
grau de insatisfação percebido. É a consequência da reacção do Ego à ameaça de
não-ser. Todos nós, em um momento ou outro da vida, sentimos ocorrer tais
sentimentos.
No indivíduo dito “normal”, ou
normalmente ajustado, essas imagens de incapacidade ou de nulidade são aceitas
e incorporadas como algo não-destrutivo, que ocorrem como fatos comuns da vida;
não afectam a integridade e o conceito básico do Eu e, consequentemente, a
pessoa continua a viver na busca de outros caminhos; procura soluções menos
frustradoras, aceitam os fracassos como parte da experiência normal de vida e
não. Se sente invalidado ou rejeitado (Ibid).
Em certos casos, porém, seja por um
acúmulo constante de insucessos, seja pela ocorrência de uma grande e profunda
insatisfação, a pessoa começa a interiorizar conceitos depreciativos sobre si
mesma; tudo lhe parece ameaçador, reforçando a imagem negativa que está se
gerando, ou já implantada. Dois pólos extremos podem caracterizar os efeitos da
auto-afirmação:
1. Comportamento de nulidade, ou
seja, o da percepção e consequente posicionamento de que pouco ou nada adianta
fazer, face aos problemas existenciais, já que seu Eu não tem condições de
superar problemas. Evita actividades ou quaisquer realizações porque, de
antemão, não confia no seu próprio desempenho. É o comportamento de fuga, de
esquiva, de negação da realidade e outros semelhantes, explicados como defesas
pela linha freudiana, pela não-aceitação de si mesmo, na posição rogeriana, ou
pela ausência de reforçamento de valor pessoal, na linha comportamentalista. A
consequência emocional, é geralmente, a depressão temporária ou permanente, a
inibição ou bloqueio de comportamentos, resultante do medo de fracasso;
2. Comportamento de activação, que
se refere à não-aceitação de um juízo depreciativo, isto é, o organismo reage
contra o baixo conceito que lhe é profundamente traumatizante. A reacção,
porém, é não-adaptativa, uma vez que, gerada sob a percepção de incapacidade,
cria tensões severas. A pessoa sente-se incapaz e, em lugar de manter-se em
estado depressivo, expresso no comportamento anterior, procura lutar contra
essa imagem, às vezes de forma impulsiva e irracional.
Predominando o medo do insucesso, o
comportamento se desorganiza e novos fracassos ocorrem. A seguir, mais medo e
mais fracassos e os níveis de excitação aumentam gerando, no plano emocional,
estados de intranquilidade, agitação, fobias, falhas do desempenho e
consequente agravamento das condições existenciais.
Os dois comportamentos, acima
mencionados, poderiam corresponder a dois processos básicos de equilíbrio, quer
no plano psicológico como no biológico, e se referem a estados de inibição e de
excitação, fartamente conhecidos no campo da fisiologia e da psicologia
(SANTOS, 1982). Ao nosso ver, é nestas situações que o aconselhamento
psicológico deve ocorrer para reorganizar o indivíduo.
3.3. Neurose e significado da vida
A auto-afirmação é o reconhecimento
e a valorização da própria individualidade que, no dizer de MAY (1977 citado
por SANTOS, 1982), deve ser preservada. É o alvo da psicoterapia, no pensamento
de RANK (1945 citado por SANTOS, 1982), e, como busca da própria
individualidade, uma característica básica do comportamento segundo JUNG (1927,
1939 citado por SANTOS, 1982).
Analisando métodos de
aconselhamento, diz May que forçar o indivíduo a ser ele mesmo é “piorar ainda
mais a confusão. Ele precisa, em primeiro lugar, achar a si mesmo”.
Diz May:
“O problema do neurótico é sua incapacidade
de afirmar. “Afirmar significa mais do que simplesmente aceitar. É mais um
aceitar activo, um dizer Sim, não apenas verbal ou mentalmente, mas com
resposta de toda a personalidade”.
Essa falta de capacidade de afirmar
a si próprio, a seus semelhantes e ao universo está ligada ao acentuado
sentimento de insegurança do neurótico. Temos observado ser comum entre os
depressivos, os angustiados e os ansiosos, em geral, a existência de um
sentimento de medo ou de falta de confiança em si e nos outros. Agem para se
defender de perdas, reais ou imaginárias. No neurótico, ao contrário do
psicótico, geralmente o medo e o sentimento de fracasso tem origem em alguma
perda ou ameaça real de perda (SANTOS, 1982).
A neurose é, porém, o exagero e a
generalização desse medo, causada pela falta de confiança em si, que assumiu a
forma de baixo conceito pouco a pouco interiorizado, seja por uma visão
deformada dos factos (plano cognitivo), seja por reais e repetidos insucessos
que geraram uma visão negativa de si mesmo (plano emocional).
Em consequência, a pessoa não
consegue ser alguém; não se afirma como pessoa e a vida não tem um significado,
ou se o tem, o que é pior, surge como inatingível. A pessoa tem planos ou
objectivos e necessidades subjacentes que lhe parecem muito além da sua
capacidade. Nestes casos, coloca alvos acima das suas reais possibilidades ou,
se é capaz, não se vê suficientemente dotado para alcançá-los.
No primeiro caso, suas informações
e os dados de que dispõe para manipular o problema são erróneos ou incompletos.
Exemplo do que acima foi descrito é
o caso de pessoas que almejam alto nível de desempenho, seja no campo
profissional, social, sexual ou outro qualquer, baseado em concepções ou
imagens que lhe foram transmitidas e em função das quais acredita que certos
padrões de desempenho são os únicos aceitáveis e que justificam sua conduta.
Esquecem-se de seu próprio Eu e tomam como directriz o Eu de outrem. Alienam-se
de si mesmos e vivem à sombra de outros, buscando igualá-los ou superá-los. A
satisfação e o bem-estar ficam associados e esses alvos; não elaboram seus
próprios planos e suas próprias decisões. No segundo caso, simplesmente não se
avaliam positivamente.
Na medida em que a pessoa constrói
para si mesma seu próprio mundo, com as limitações e aspirações que derivam da
sua auto-imagem, torna-se capaz de afirmar-se, de traçar seu próprio rumo,
relacionado com o mundo externo, mas não por este dominado. Nesse momento,
enquanto pessoa, dá um sentido à sua vida, fixa metas e estratégias e com elas
opera, adaptando-as a eventuais revezes e impropriedades. Pode sofrer com as
frustrações e conflitos, porém reformula planos, mantém as directrizes
essenciais que coloca para si mesmo. Nesse sentido, reconhece-se como alguém,
que tem condições próprias e que luta para adaptar-se, com suas potencialidades
e limitações.
Esse sentido de luta pessoal, ainda
que acarrete derrotas, seria a essência da auto-afirmação. Não é o resultado
visível em si que interessa, mas o sentimento de não-passividade, de
independência, de ser capaz de reconhecer em si algo que permanece, que não foi
destruído, apesar dos fracassos.
A auto-afirmação seria também a
percepção da própria existência e o preenchimento do vácuo existencial, tão bem
colocado por Victor Frankl e que, segundo ele, corresponde à ausência de um
sentido de vida. Ocorre, segundo Frankl, o resultado de uma carência de
iniciativa, de interesse, que mobilize o homem em uma certa direcção. Os
sintomas dessa neurose podem ser semelhantes aos da neurose psicógena (causada
por grandes traumas psíquicos) ou da neurose somatógena (causada por
desequilíbrios orgânicos). O sintoma básico é a angústia existencial, a falta
de razão para viver, o desinteresse, a apatia, produtos do baixo autoconceito e
da percepção de uma nulidade individual. Muitas fobias e ansiedade difusa podem
ser o efeito dessa percepção de nulidade, em que o Eu pouco significa, esmagado
pelos outros ou pela imensidão do Cosmos. Encontrar um sentido para a vida
seria reconhecer-se como alguém, crer em si mesmo, no seu papel e no seu
desempenho, ainda que com limitações e falhas. Esse crer em si e reconhecer-se
como pessoa poderia ser o carácter básico da Psicologia Humanística, hoje em
franco desenvolvimento, em oposição à Psicologia que vê no homem um meio para
alguma coisa e não um fim em si mesmo[9].
3.4. Valores sociais e a
auto-afirmação
A auto-afirmação, como determinante
básico, seria culturalmente estruturada com base nos valores introjectados pela
pessoa, durante seu desenvolvimento. É, consequentemente, um conceito pessoal,
totalmente individualizado, que a pessoa cria para si mesma. E isto é verdade
quando comparamos os alvos comportamentais que cada um de nós impõe para si
próprio. O que representa valorização pessoal para certas pessoas pode não ser
significativo para outras. Esta acepção corresponde a alguns conceitos de
Rogers quando propõe sua teoria sobre a personalidade (ROGERS, 1951 citado por
SANTOS, 1982). Todavia, o conceito pessoal sobre si mesmo não existe senão em
decorrência de influências ambientais, isto é, que dão ao indivíduo os
parâmetros de comparação entre si e os outros.
É pessoal, enquanto se incorpora à
conduta e nela se reflecte a todo momento, gerando ideias, planos, fantasias e
imprime direcção à conduta; é, porém, social na sua origem e somente pode ser
manipulado através da confrontação entre as expectativas sociais que o geraram
e a conduta que se instalou.
Quando a pessoa é capaz de manter
seu quadro de referências e, no panorama complexo de opções, conseguir
distinguir o seu Eu e valorizá-lo, o caminho para o crescimento e a
tranquilidade é novamente aberto. Quantas vezes observamos, em terapia, a
pessoa questionar uma opção como algo imposto, indesejável, e vir,
posteriormente, a adoptá-la. Nesses casos o fenómeno poderia ser explicado
porque, na revisão de seus valores e de seu Eu, ela pode aceitar a opção não
mais como imposição externa que a anula, mas como decisão que passa a ser sua e
que, por situações diversas, pode coincidir com o alvo das pressões externas.
Uma atitude eficaz na assistência
prestada a pessoas que se defrontam com problemas existenciais seria considerar
o que diz Rogers:
“Uma forma de ajudar o indivíduo a aproximar-se
da abertura para a vivência é utilizar uma relação em que é apreciado como uma
pessoa em si, em que as descobertas que ocorrem em seu íntimo são compreendidas
e avaliadas empaticamente e na qual tem liberdade de vivenciar seus sentimentos
e o de outros sem que, ao fazê-lo, seja ameaçado”.
(ROGERS, 1965 citado por SANTOS, 1982).
Para Santos[10],
essa proposição de Rogers indica uma atitude terapêutica. Apenas acrescenta que
a justificação dessa atitude estaria na necessidade de auto-afirmação.
Encontrar-se “como uma pessoa em si”, ter liberdade de “vivenciar seus
sentimentos e o de outros” parece suficientemente claro como um processo de
auto-afirmação.
3.5. Perspectivas humanísticas e
filosóficas
O movimento filosófico actual reporta-se ao motivo de
auto-afirmação como componente essencial do comportamento humano. O humanismo
visa restaurar o seu Eu, como pessoa, reconhecendo-o como participante e não
como espectador ou produto da vida. Ao contrário do tecnicismo que trata o
homem como objecto, e o anula na sua individualidade.
Para estas perspectivas, o encontro existencial é a situação
educativa ou terapêutica, de pessoa para pessoa, e cada uma com seus valores e
seu Eu. Não se busca impingir ou modelar comportamentos, mas vivenciar o que
existe dentro de cada um. É o ser no mundo que prevalece.
Segundo (SANTOS, 1982), o humanismo na Psicologia é bem o
reflexo do homem que se revolta e se desajusta quando se vê alienado de si
mesmo; quando é ignorado ou “coisificado” ou, ainda, e principalmente, quando
perde o autoconceito, a auto-estima, resultante de depreciação externa aceita
como válida e assim introjectada e incorporada ao “self”.
Quando se facilita à pessoa a questionar a si própria, no
seu em-si e para-si, pode ela retomar a uma visão de si mesma, a se avaliar
face a seus alvos e aspirações, a se reconhecer como um ente próprio, como seu
Eu subjectivo, todo único e pessoal. Reabre-se, assim, o caminho da
tranquilidade e do bem-estar individual e pode-se constatar quanto é decisivo
no ajustamento humano a retomada do valor pessoal, do sentimento de que, apesar
dos conflitos e frustrações, a pessoa ainda é capaz de sentir-se a si mesma, de
ter a consciência de existir e de com ela seleccionar seus valores e seus
alvos. A essência, do homem é a percepção de si mesmo, como pessoa, capaz de
sentir, pensar e agir dentro da sua individualidade.
Muito frequentemente observa-se, na assistência terapêutica,
que o cliente coloca duas imagens, o “dever ser” e o “ser”, as quais entram em
conflito e geram angústia. E quanto mais se enfatiza uma ou outra imagem, mais
se acentua a dissonância pessoal e o conflito, pois que a pessoa se vê mais
profundamente atingida pelos “seus” valores e pelos valores externos.
O humanismo em psicologia visa reduzir a imposição
existencial, retomando o Eu, o “ser” como o aspecto importante, não como soma
ou função de partes, mas como um todo capaz, inclusive, de superar as
deficiências parciais avaliadas isoladamente. Reduz-se, assim, a distância
entre as duas imagens, o “dever ser” e o “ser” e a pessoa entra na plenitude de
si mesma e assim sentindo usa toda sua potencialidade da qual é biologicamente
dotada. O humanismo é, no fundo, um retorno parcial da Psicologia, a Filosofia
e a Biologia sem, contudo, abdicar do seu campo próprio (Ibid).
4. Conclusão
O homem, porém, só chega a encontrar um sentido de vida
quando se defronta, sem pressões ou direcções, consigo mesmo e com o mundo.
Quando é capaz de analisar o “dever ser” e o “ser”; quando pode admitir as
exigências e as expectativas sociais como perfeitamente naturais e justificadas
no contexto em que se inserem e não como invasões ao seu Eu. É o caso, por
exemplo, dos filhos, ajustados, que entendem as exigências dos pais e seus
papéis de “controladores” e não se sentem rebaixados no seu autoconceito porque
são assim controlados. Admitem a naturalidade desses controlos sem que isso
lhes afecte o seu próprio valor.
A luta pela auto-afirmação atinge a pessoa, os grupos, o
trabalho, a política e as nações consoante seu carácter nacional. Assume muitas
vezes a luta pela posse do poder, inclusive pela violência, quando não pode a
pessoa conquistá-la pela inteligência. Nesses casos há um processo de conflito
em que as reacções não-adaptativas predominam, isto é, buscam indivíduos e
grupos destruir a fonte frustradora de sua auto-afirmação e configura-se um
estado de patologia social em que inexistem a democracia e o respeito à
personalidade humana. Grupos dominam grupos e impõem valores e regras de vida
como nos regimes totalitários. Nessas circunstâncias, o homem revolta-se e
passa a ser agressor, tão forte é o sentimento de não-afirmação que nele brota.
A profilaxia e o remédio são evidentes. Somente quando ocorre a livre expressão
e a valorização de cada pessoa pode esta construir o seu Eu, conhecer seus
limites de competência e agir dentro deles. A violência não terá mais sentido;
desaparecerá por desnecessária ou contraproducente; a auto-afirmação elaborada
na pessoa e nos grupos, por eles próprios, indicará os limites e as
características da luta, o encontro com a comunidade e consigo mesmo.
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[1] Cf. (<https://pt.wikipedia.org/wiki/Personalidade>)
[2] Definição do grupo sobre o
conceito de personalidade.
[3] Citado por SANTOS (1982)
[4] O que conta não é apenas o
poder como ele é, mas o poder como percebido por si mesmo (Tradução livre dos
estudantes).
[5] Citado por SANTOS (1982)
[6] Op. cit.
[7] Op. cit.
[8] Op. cit.
[9] Idem, SANTOS (1982)
[10] Op. cit.
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