Políticas e Mecanismos Institucionais para a Igualdade de Género na Educação, em Especial nas Instituições de Ensino Superior Em Moçambique
Políticas e Mecanismos Institucionais
para a Igualdade de Género na Educação, em Especial nas Instituições de Ensino
Superior Em Moçambique
De
um modo geral, as relações de género em Moçambique são caracterizadas pela
posição subordinada das mulheres. Quer as comunidades patrilineares quer as
matrilineares em Moçambique assentam em formas de controlo social que priorizam
o colectivo em detrimento do individual. Neste tipo de organização social as
mulheres têm papéis claramente definidos com base nas relações de género que as
colocam numa posição subordinada, ao mesmo tempo que as definem como detentoras
da tradição e conservadoras da cultura. Consequentemente, a autonomia e a
emancipação das mulheres são muitas vezes vistas como algo que parece ameaçar o
âmago da estrutura tradicional (BERGH-COLLIE, 2007).
1.1. Políticas e Mecanismos
Institucionais para a Igualdade de Género
A
instituição do Governo que tem actualmente o mandato de promover a igualdade de
género é o Ministério da Mulher e da Acção Social[1] (MMAS).
Historicamente, a função de promover a igualdade de género tem sido atribuída a
diferentes instituições, começando com um Secretariado Nacional para a Acção
Social no Ministério da Saúde.
A
Direcção Nacional da Mulher (DNM) é responsável pela definição e promoção de
diversos programas concebidos para prestar apoio material bem como para
imponderar as mulheres. Embora a DNM implemente algumas actividades, a sua
função primária é manter ligações com OSCs e outros parceiros activos neste campo
e coordenar intervenções sensíveis ao género. Este papel da DNM é reproduzido
ao nível provincial através das Direcções Provinciais do Ministério (BERGH-COLLIE,
2007).
A
DNM é composta por dois departamentos, nomeadamente o Departamento da Mulher e
Família e o Departamento de Género e Desenvolvimento. Desde 1999 a DNM tem sido
em grande medida financiada através do Programa de Capacitação Institucional em
Género encabeçado pelo UNFPA e pelo UNIFEM. Este programa fornece apoio para
alguns aspectos operacionais da DNM, assistência técnica de longo prazo e
várias formações. O programa é executado tanto ao nível central como numa
província, a Zambézia[2]. O
programa é implementado pelo MMAS (i.e. através da DNM) e pela sociedade civil
(i.e. através do Fórum Mulher).
O Departamento da Mulher e Família tem, entre outras, as
funções de:
(1) Conceber e promover a implementação de programas de
assistência social destinados a mulheres e famílias vulneráveis (especialmente
a famílias chefiadas por mulheres);
(2) Prestar assistência técnica às dimensões de género do
plano sectorial do Ministério para o combate ao HIV/SIDA;
(3) Conceptualizar programas de educação cívica para
disseminar informações sobre os direitos das mulheres e a prevenção da
violência doméstica.
O Departamento de Género e Desenvolvimento é responsável
por:
(1) Monitorar até que ponto as questões de género são
integradas de forma adequada nos planos sectoriais do Governo;
(2) Promover a implementação do Plano Nacional de Acção
Pós-Pequim (PNAM);
(3) Coordenar e implementar campanhas de advocacia sobre os
direitos das mulheres;
(4) Promover a implementação da legislação que protege os
direitos das mulheres.
Segundo este artigo, Em 2004 o Conselho de Ministros criou o
Conselho Nacional para o Avanço da Mulher (CNAM)[3].
Os membros do CNAM incluem vários Ministros e
Vice-Ministros, duas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que trabalham em
prol da igualdade de género, um representante de organizações religiosas, um
representante dos sindicatos e um representante do sector privado. Embora o
CNAM seja presidido pela Ministra da Mulher e da Acção Social, o CNAM não é
parte do MMAS/DNM ou subordinado ao MMAS. Funciona antes como um mecanismo
institucional e órgão de consulta autónomo que permite ao MMAS/DNM coordenar as
questões de género com várias partes interessadas na vida pública[4].
O CNAM tem um Secretariado Executivo que é responsável pela
gestão técnica. Para apoiar o Secretariado Executivo foi formado um Conselho
Técnico que é composto por Pontos Focais de Género e representantes de
instituições públicas. À luz dos esforços para descentralizar a tomada de
decisões e permitir às autoridades locais tornar-se mais pró-activas na
promoção do desenvolvimento local, cada província deve criar o seu próprio
Secretariado Executivo e Conselho Técnico[5].
BERGH-COLLIE (2007) diz que a função principal do CNAM é
promover e monitorar a implementação das políticas de género do Governo em
todos os programas e planos do Governo, com particular referência ao Plano
Nacional para o Avanço da Mulher (PNAM) 2002-2006 e à Política de Género e Estratégia
de Implementação (PGEI). Logo após a Conferência de Pequim, o Governo elaborou
um plano nacional de acção (PNAM) mas sem um quadro de políticas. A
inexistência de uma política nacional de género representou uma lacuna crítica,
uma vez que alguns sectores não ficaram convencidos da necessidade de nomear
PFGs e criar UGs sem uma base legal formal[6].
Segundo (BERGH-COLLIE, 2007) essa base legal é agora
fornecida pela Política de Género e Estratégia de Implementação (PGEI) que foi
aprovada pelo Conselho de Ministros a 14 de Março de 2006. A PGEI focaliza as
mesmas áreas críticas identificadas pelo PNAM. Estas incluem a criação de
mecanismos institucionais para assegurar a integração do género nos planos
sectoriais, o empoderamento económico, a segurança alimentar, a educação, a
redução da mortalidade materna, a eliminação da violência contra as mulheres, a
participação das mulheres na vida pública e nos processos de tomada de decisão,
e a protecção dos direitos das raparigas. A PGEI ainda tem de ser aprovada pela
Assembleia Nacional.
1.2. Estratégia de Género do Ensino Superior em
Moçambique
Segundo (MINED, 2014), refere
que o estudo que aborda a questão do género no Ensino Superior no país olhando
para aspectos como o acesso,
currículos académicos e exercício de cargos de docência e de liderança nas instituições do ensino superior (IES)
- mostra que as normas e constrangimentos sociais influenciam a forma como as desigualdades de género se reproduzem
no Ensino Superior e, que a análise
das relações de género no ensino superior não deve se restringir as suas dinâmicas internas das relações de
poder mas também deve envolver a forma como as relações de género se manifestam nas outras áreas de
ensino que o antecedem.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2013
(UNDP), Moçambique tem um Índice de Desigualdade de Género de 0.582 e ocupa
125º lugar no Ranking[7].
Do universo de moçambicanos, apenas 123.779
indivíduos, representando 0.5% da população total, são estudantes do Ensino
Superior, dos quais 74.861 (60.5%) são homens e 48.918 (39.5%) são mulheres. A taxa de participação no Ensino
Superior, para o ano 2012, é de 5,22/1000
habitantes sendo a presença feminina nesta área do ensino correspondente a
cerca de 2/1000 habitantes, enquanto
a presença masculina é de cerca de 3/1000 habitantes[8].
A igualdade de género é em primeira
instância garantida pela Constituição da República de Moçambique (2004) que no capítulo sobre os “Objectivos
fundamentais “do Estado refere-se à defesa
e à promoção dos direitos e da igualdade dos cidadãos perante a Lei.
No seu Art.º 36 (Princípio de
igualdade de Género) afirma que o homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política,
económica, social e cultural.
Actualmente
não existe em Moçambique uma Estratégia de Género do Ensino Superior.
Contudo,
existe uma Estratégia de Género na Educação que, no entanto não cobre o
Ensino Superior. A primeira Estratégia de Género da Educação (2004-2008) surge
como resultado dos compromissos assumidos pelo governo de Moçambique, no âmbito
da Conferência de Dakar em 2000, de alcançar a “Educação Para Todos” (EPT), e
no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, baseado nos quais o
governo compromete-se a providenciar educação primária a todas as crianças em
idade escolar até 2015; a observar o princípio da Estratégia de Género do
Sector de Educação para o período 2011 – 2015, MINED[9].
1.3. Outros actores políticos em questões de género no
Ensino Superior
IBE
– Instituto de Bolsas de Estudo
Outro actor chave para a garantia da
equidade de género no ES é o Instituto de Bolsas de Estudo (IBE), criado pelo
Decreto 30/2007 de 10 de Agosto, como uma instituição pública de âmbito
nacional, responsável pela planificação, atribuição, coordenação e gestão
(integrada) de Bolsas de Estudo para a formação académica, no País e no Exterior
(neste momento[10],
O IBE gere cerca de 2.500 bolsas (bolsas internas e bolsas externas).
Na atribuição das bolsas o IBE tem em
conta a questão de género procurando dar metade das bolsas às raparigas. No
entanto, a aplicação desta medida nem sempre é fácil uma vez que, por um lado,
acontece frequentemente que as raparigas não tenham a nota correspondente aos requisitos
de atribuição da bolsa. E, por outro lado, existe uma recomendação do governo
de que os cursos/bolsas para fora do país devem ser nas áreas das ciências
naturais[11] o
que constitui um obstáculo para as raparigas visto que estas, muitas das vezes,
formam-se na área de Humanidades, no ensino secundário[12].
Com a aprovação da Estratégia de
Financiamento do ES novos desafios se lançam ao IBE, uma vez que a bolsa segue
o estudante, um desafio será de garantir o equilíbrio entre as condições
sociais e económicas do estudante e a equidade de género que é uma das
prioridades do PEES 2012-2020.
1.4. Desafios na equidade de género no Ensino Superior em
Moçambique
Como se acima constatou, apenas 0.5 % dos
moçambicanos (equivalente a 123779 indivíduos dados de 2012) são estudantes do
Ensino Superior. Deste número 60.5 % são homens e 39.5 % são mulheres.
Portanto, ao nível dos estudantes, a participação, no geral, no ES ainda
constitui um desafio. No entanto a situação ainda se torna mais grave quando
olha-se para os números tendo em conta a equidade de género apesar, do
desequilíbrio tender a diminuir nos últimos anos com o aumento do número de
mulheres que ingressa no ES (MINED, 2014).
Esta tendência não se restringe a
Moçambique. O Monitor do Género da SADC mostra, por exemplo,
que quando é considerada a matrícula dos estudantes do ES na região, as
mulheres incorporam 49.9% da taxa geral da matrícula (MINED, 2014).
De acordo com as estatísticas referentes
ao ES em Moçambique em 2012, os homens continuam a dominar a participação no
nível de graduação do Ensino Superior moçambicano constituindo 60.5 % dos
matriculados contra 39.5% de mulheres. No entanto, esta diferença entre os
homens e mulheres caracteriza mais o sistema público do Ensino Superior que o sistema
privado. E, mais uma vez este não é o caso particular de Moçambique (MINED,
2014).
Capítulo II: Construção do Género no
Currículo - Oficial e Oculto
Antes
de abordarmos as questões relacionadas com a construção do género no currículo
oficial e oculto, temos que saber as possíveis definições do currículo de forma
geral, bem como temos que saber o que seria currículo oficial e currículo
oculto. Assim sendo, vamos a seguir definir estes três termos segundo a visão
de alguns autores.
2.1. Currículo
Conforme
PACHECO (2007:48), o termo currículo vem do latim curriculum que significa lugar onde se corre ou corrida, derivado
do verbo currere que quer dizer percurso
a ser seguido ou carreira. Neste sentido, o significado de currículo refere-se “a
um curso a ser seguido, a um conteúdo a ser estudado”. Reflecte, assim, “uma sequência
de conteúdos definidos socialmente, com base em sequências definidas para o
processo de aprendizagem”.
2.2. Oficial (ou Formal)
De
acordo com LIBÂNEO e OLIVEIRA (2003 apud
PLATT & ABRAHÃO, s/d) o currículo formal e que pode ser chamado de oficial,
foi estabelecido pelo sistema educacional, expresso em normas curriculares,
desde seus objectivos até os conteúdos das áreas ou disciplinas de estudo.
Por
sua vez, (KELLY apud CAMACHO, 2010)
aponta que o currículo formal está ordenado na mesma concepção do currículo
oficial, isto é, são as finalidades, conteúdos e tarefas apresentadas pela
escola, sendo possível avaliá-los.
2.3. Currículo Oculto
Para
(APPLE apud FINO, s/d) o currículo
oculto são os princípios e os valores que estão implícitos, mas, são
“efectivamente ensinados nas escolas” (p. 8), no entanto não é hábito
mencioná-los ao declarar as finalidades e os objectivos que são formulados
pelos docentes.
Para
CAMACHO (2010) o currículo oculto indica as práticas e mudanças educacionais
que orientam e resultam nas aprendizagens não explícitas e nem propostas pelos
projectos educacionais. Podendo ainda ser considerado como “a aquisição de
valores, atitudes, processos de socialização e formação moral” (RIBEIRO apud CAMACHO, 2010:8).
De
forma limitada podemos dizer que para CAMACHO (2010), o currículo oculto pode
ser classificado como um conjunto de comunicação transmitida de modo oculto e
danoso pelo ensino e pelo docente, e que não encontram-se escritas nos documentos
oficiais.
Assim,
compreendemos que a autora entende que o currículo oculto tem uma função
essencial no processo de transmissão de crenças e valores aos educandos.
2.4. Construção do Género no
Currículo
Segundo (SILVA & SAAVEDRA, 2012) dizem que as questões
de género associadas ao currículo afectam, assim, diversas dimensões da vida
escolar, interferindo com a forma como o conhecimento é apropriado por
raparigas e rapazes e como elas e eles adquirem competências em áreas
diferenciadas do saber.
As assimetrias de género têm impacto, nomeadamente, na forma
como rapazes e raparigas obtêm maior ou menor sucesso em determinadas áreas de
conhecimento, como se orientam, quando chega a altura das escolhas vocacionais,
para diferentes áreas de saber[13].
No ensino secundário, seja nos cursos de prosseguimentos de
estudos seja nos profissionais, os rapazes continuam a evitar as áreas
disciplinares das Humanidades e Literaturas e as raparigas a evitar as áreas
disciplinares que dão acesso às Engenharias. Em contrapartida, as Línguas e
Literaturas apresentam dificuldades para os rapazes.
Esses factos podem ser verificados nas nossas escolas
moçambicanas. Por exemplo na 11ª e 12ª classe há aquela divisão em que existe o
grupo de letras (Grupo A); o grupo de ciências (Grupo B – com a disciplina de
Biologia) e o grupo (C – com a disciplina de Desenho). Ora vejamos, no grupo A
pode se verificar muitas mulheres do que no grupo B assim como para o grupo C,
e muitos têm medo desses grupos por causa do desenho; enquanto outros têm medo
do grupo B por causa da disciplina de Biologia; assim como os do grupo B e C
têm medo das disciplinas do grupo de letras e vice-versa.
As autoras referem que em grande parte, as dificuldades dos
rapazes nas disciplinas de Línguas parecem estar relacionadas com uma atitude
negativa generalizada face à escrita e à leitura, que os/as professores/as
detectam desde a escola primária. A maior parte dos autores concorda que a
principal razão destes comportamentos reside no facto de os rapazes
considerarem as actividades de leitura como femininas.
As questões da igualdade de género no currículo não se
cingem a um conjunto isolado de intenções e acções, expresso no currículo
prescrito. O currículo incorpora quase todas as dimensões da vida na escola,
também marcadas pelas questões de género, como sejam as relações entre
estudantes e docentes, a relação entre alunos e alunas, as actividades extra-
curriculares propostas pela escola, as próprias instalações escolares, entre
outros aspectos[14].
É igualmente afectado por factores extra-escolares, como sejam
as características das estruturas e das relações sociais, a organização e as
acções da comunidade onde a escola se insere.
Se, por um lado, o currículo tem o poder necessário para
poder afectar estas relações, por outro lado, as decisões do currículo podem
ser afectadas pelo que se entende importante nos espaços da comunidade.
O currículo oculto pode-se traduzir nas relações
interpessoais fora e dentro do espaço da aula, na forma como se “dá atenção” a
certos alunos ou alunas e se “esquecem” outros e outras, na linguagem que se
usa, no que está presente e omisso nos manuais escolares, nos materiais
educativos, etc. Este tipo de currículo refere-se a normas e valores que se
transmitem por mensagens implícitas, silenciosas, pela linguagem, falada e
escrita, e até pela corporal, por expectativas ou falta delas e tudo isto de
forma não deliberada ou intencional[15].
No currículo formal (ou oficial), como no oculto, seja qual
for o seu conteúdo, os professores e professoras são elementos chave na sua
mediação e implementação, no alcance dos objectivos a nível curricular.
Alguns desenhos curriculares colocam os/as professores/as
como simples instrumentos na passagem de conhecimentos e competências
pré-determinados; alunos e alunas são vistos como páginas em branco para serem
apropriadamente preenchidas e as questões de género estão ausentes pela
imposição de uma categoria única masculina[16].
Educar para uma cultura da igualdade implica uma integração
da perspectiva de género nas estratégias de educação e formação.
A igualdade de género é um critério da democracia, é uma
aprendizagem de cidadania “é um relacionamento novo entre mulheres e homens,
que se sabem iguais, que se respeitam como iguais, que negoceiam como iguais”
(RÊGO, 2005:6 apud SILVA &
SAAVEDRA, 2012). Estes objectivos educacionais devem estar presentes
declaradamente nas finalidades, nos conteúdos e nas estratégias das áreas de formação
cívica e área de projecto, mas com espaço para o debate e a análise do
controverso, de novas realidades e relacionamentos, promovendo olhares críticos
a entendimentos normativos e inflexíveis da sociedade e da cidadania.
Para as autoras supracitadas a igualdade de género passa por
encorajar raparigas e rapazes a posicionarem-se como sujeitos de suas vidas, em
facultar conhecimentos e vivências que permitam que eles e elas questionem e se
libertem de paradigmas identitários hegemónicos, traduzidos em modelos
dicotómicos de feminilidade e masculinidade, que constrangem o desenvolvimento
de cada ser humano, mulher ou homem, como pessoa.
Neste entendimento de currículo, as assunções acerca das
questões de género são centrais, tanto na definição de currículo e o que é
entendido como importante ser aprendido por crianças e jovens na escola, como
em todo o processo decisional que lhe é subjacente (em todo o planeamento,
realização e avaliação do processo de ensino aprendizagem[17]).
Estas autoras dizem que é a qualidade na educação que está
em causa quando ignoramos ou desvalorizamos as mensagens respeitantes às
questões de género no currículo.
Quando se fala de igualdade de género é algo para além da
igualdade de acesso, da representação de papéis masculinos e femininos nos
materiais didácticos ou de uma participação equitativa na aula. Estamos a falar
de educar pessoas únicas, capazes de pensar acerca do dominante e do marginal,
portadoras de formas de conhecimento interdisciplinar, preparadas para verem as
múltiplas verdades, narrativas e relatividades[18].
Segundo (SILVA & SAAVEDRA, 2012) dizem que as questões
da igualdade de género no currículo não se cingem a um conjunto isolado de
intenções e acções, expresso no currículo prescrito. O currículo incorpora
quase todas as dimensões da vida na escola, também marcadas pelas questões de
género, como sejam as relações entre estudantes e docentes, a relação entre
alunos e alunas, as actividades extracurriculares propostas pela escola, as
próprias instalações escolares, entre outros aspectos.
É igualmente afectado por factores extra- escolares, como
sejam as características das estruturas e das relações sociais, a organização e
as acções da comunidade onde a escola se insere. Se, por um lado, o currículo
tem o poder necessário para poder afectar estas relações, por outro lado, as
decisões do currículo podem ser afectadas pelo que se entende importante nos espaços
da comunidade[19].
Capítulo III: Mecanismos Envolvidos
com a Produção de Diferenças e Desigualdades Sociais
3.1. Desigualdades Sociais no Género
SANTOS (s/d) denomina desigualdade social como sendo uma
condição de acesso desproporcional aos recursos, materiais ou simbólicos, fruto
das divisões sociais.
Por sua vez, SEN (2001), na sua obra sobre Desigualdade Reexaminada, concorda com a
assertiva supracitada anteriormente, porém vai mais além, desenvolvendo uma
abordagem que complementa a ideia de acesso desproporcional aos recursos. Para
o autor, são dois os mecanismos principais que explicam a génese das
desigualdades sociais: capacidades e funcionamentos. Na sua leitura
compreendemos que capacidades são possibilidades de escolha, isto é, poderes
para fazer ou deixar de fazer algo.
O “senso comum” nos direcciona a defender a igualdade entre
todos os indivíduos.
Segundo Santos[20],
as diferenças entre as mulheres e os homens são estudadas na teoria
funcionalista através dos conceitos de papel sexual e status, e os estudiosos acreditam que as diferenças sexuais são
mais evidentes e cumprem um papel mais central na instituição familiar, pois as
relações entre os géneros funcionam primordialmente para assegurar a reprodução
social. Ainda reconhecem que os indivíduos se constroem por através da vida
social, negando, portanto as visões biológicas e psicológicas sobre a
“naturalização” das identidades humanas.
O uso do termo género, destaca, portanto, que tanto mulheres
quanto os homens são produtos do meio social e, com efeito, suas condições de
vida são variáveis e históricas.
Neste contexto é construído o conceito de género enquanto
categoria social que interfere no cotidiano das pessoas. Antes mesmo de nascer
expectativas já são criadas para o novo indivíduo. A primeira pergunta a nova
alma anunciada é: É menino ou menina? Da cor do quarto a escolha profissional,
as oportunidades de vida já são construídas pela família que o espera. Sua
suposta fragilidade ou virilidade já está construída no imaginário social
familiar e será levado consigo por toda vida, tendo peso imponderável nas suas
escolhas pessoais.
Scott[21]
propõe o estudo das relações de género com base nas identidades socialmente
construídas e suas relações com as organizações sociais e representações
culturais historicamente específicas.
Soma-se a este mapa investigativo um importante e novo
elemento: “o género é uma forma primeira de significar relações de poder”.
Assim, na análise da Scott, o poder ocupa um lugar privilegiado no conceito de
género.
Mas podemos neste caso expandir a ideia acima supracitada a
partir do pensamento de Rowbotham que refere que a organização social de género
constrói duas visões de mundo, donde se pode concluir que a perspectiva da
mulher e seus interesses divergem do ponto de vista do homem e dos seus
interesses. As experiências, ao adquirirem um colorido de género, como ocorrem
com a classe e a etnia, demonstram que a vida não é vivida da mesma forma para
homens e mulheres[22].
Para Scott[23],
frequentemente, a atenção dedicada ao género não é explícita, mas constitui, no
entanto, uma dimensão decisiva da organização da igualdade e desigualdade.
Diferenças entre as mulheres e os homens constroem diferenças de acesso aos
recursos produtivos, simbólicos e culturais. Com efeito, género legitima as
relações de poder apresentando um tipo de valorização social e política.
SANTOS (s/d) parafraseando GUIMARÃES (2005), diz que a
mulher e o homem são construídos socialmente, a partir de uma cultura
historicamente situada no tempo e dentro de circunstâncias possíveis,
determinadas por essa temporalidade. Cada um, mulher e homem, estão imersos em
um mar de símbolos que se corporificam através dos comportamentos impostos pela
ética hegemónica. A identidade de género neste sentido influencia não somente a
visão que temos de nós mesmos, mas também, a visão e a expectativa que ou
outros têm de nós, influenciando as escolhas e oportunidades que nos são
apresentadas a cada dia.
4. Conclusões
Este trabalho está dividido em três (3)
capítulos e quanto ao capítulo i
sobre mecanismos
institucionais para a igualdade de género na educação, em especial nas
instituições de ensino superior pode-se dizer de acordo
com o relatório do MINED que os desafios são enormes mas já há progressos
quanto a esta questão e apesar de já haverem progressos consideráveis em
questões de género no ES ainda resta muito por fazer para que a questão de
género, sobretudo o acesso da mulher nesta área do ensino, não se reduza a
números mas que se reflicta em aspectos qualitativos que farão do ES um ensino
de excelência e, que possa produzir conhecimento diversificado, necessário ao
desenvolvimento do país. Para que isto aconteça, é necessário um grande
cometimento das lideranças (governo, dirigentes universitários, etc.).
Em
relação a construção do género no currículo (oficial e oculto) abordamos essa
questão no capítulo ii e podemos aqui
dizer que um ensino de qualidade tem de contemplar as exigências do
contexto e, simultaneamente, ser capaz de mobilizar recursos que envolvam toda
a comunidade educativa com vista a uma educação e formação significativa para
os/as jovens. Neste encalço, justifica-se a adopção de um modelo de gestão
curricular que faculte uma intervenção local, operacionalizável pelos projectos
curriculares elaborados nas escolas e pelos professores/as, e que permitirá
incorporar o conhecimento acerca daquela comunidade, dos recursos disponíveis e
das suas potencialidades. Desta forma, a escola e os agentes educativos locais
actuam como configuradores do currículo, definindo sentidos contextualizados e
significantes para os/as alunos/as a que se destinam, expressos nos projectos
curriculares.
No capítulo iii falamos sobre a produção de
diferenças e desigualdades sociais do género e aqui entendemos que sendo que o
género é socialmente construído por nós no quotidiano da família, da escola, da
rua, na Mídia, então parte-se do pressuposto de que essas convenções sociais podem
ser transformadas, ou seja, discutidas, criticadas, questionadas, modificadas
em busca da equidade social entre homens e mulheres, do ponto de vista do
acesso a direitos sociais, políticos e civis. Educadores/as têm a possibilidade
e/ou tarefa de reforçar preconceitos e estereótipos de género, caso tenham uma
actuação pouco reflexiva sobre as classificações morais existentes entre
atributos masculinos e femininos e se não estiverem atentos aos estereótipos e
aos preconceitos de género presentes no ambiente escolar.
5. Referência Bibliográfica
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Género. Edição Actualizada. 2007.
CAMACHO, R. C. S. As
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FINO, C. N. Inovação e
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GUIMARÃES, Maria de Fátima. Trajetória dos feminismos: introdução à abordagem de gênero. In:
Marcadas a ferro. Violência contra a
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PACHECO, M. M. D. R. Currículo,
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PLATT, D. A. & ABRAHÃO, L. T. S. Gestão escolar, currículo e ppp: análise aos eixos filosóficos
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SANTOS, Juliana Anacleto dos. Desigualdade Social e o Conceito de Gênero. (s/d).
SCOTT, Joan. Gênero:
uma categoria útil para a análise histórica. Recife: SOS Corpo. 1996.
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reexaminada. Rio de Janeiro: Editora Record. 2001.
SILVA, Paula & SAAVEDRA, Luísa. Género e Cidadania: guião de educação.
2º Ciclo. Lisboa, 2012.
[1] Actual Ministério do
Género, Criança e Acção Social.
[2] Idem, BERGH-COLLIE, 2007.
[3] Depois da Conferência de
Pequim, o Governo criou um Grupo Operativo para o Avanço da Mulher (GOAM). Este
órgão servia de plataforma de coordenação multissectorial, composto por dois
Pontos Focais de Género de cada Ministério, pelo Fórum Mulher, por algumas OSCs
da área do género e por órgãos académicos, e era presidido pela Ministra da Mulher
e da Acção Social. O objectivo principal do GOAM era promover e garantir a integração
do género em todos os planos sectoriais do Governo – contudo o GOAM permaneceu bastante
ineficiente devido ao facto de muitos dos seus membros serem juniores e de
estes Pontos Focais de Género não terem capacidade para influenciar as tomadas
de decisões. Em 2004 o GOAM foi extinto e substituído pelo Conselho Nacional
para o Avanço da Mulher (CNAM).
[4] Idem, BERGH-COLLIE, 2007.
[5] Idem, BERGH-COLLIE, 2007.
[6] Refere-se que desde em1995,
vários ministérios começaram a elaborar as suas próprias políticas e os seus
próprios planos estratégicos de género. A maioria também nomeou Pontos Focais
de Género (PFGs) tanto a nível central como provincial e instituiu Unidades de
Género (UGs) a nível central. Contudo, este processo te sido pouco uniforme,
tendo alguns sectores adoptado políticas de género progressivas e formulado
planos estratégicos de género (por exemplo, Educação, Saúde, Agricultura, Plano
e Finanças começaram o processo cedo).
[7]
É considerado como um
país com fraco nível de desenvolvimento humano, importante referir o que o 0 e
o 1 significam no IDG.
[8] Idem, MINED, 2014.
[9] Idem, MINED, 2014.
[10] Até o momento da
realização deste relatório.
[11] Com
a descoberta de recursos minerais há também a tendência de os estrangeiros
oferecerem bolsas na área de ciências.
[12] Idem, MINED, 2014.
[13] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[14] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[15] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[16] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012
[17] Ibid, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[18] Ibid, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[19] Ibid, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[20] Idem, SANTOS (s/d).
[21] Apud SANTOS (s/d).
[22] ROWBOTHAM apud
SCOTT, 1996.
[23] Ibid Apud SANTOS (s/d).
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