sábado, 27 de maio de 2017

Políticas e Mecanismos Institucionais para a Igualdade de Género na Educação, em Especial nas Instituições de Ensino Superior Em Moçambique



Políticas e Mecanismos Institucionais para a Igualdade de Género na Educação, em Especial nas Instituições de Ensino Superior Em Moçambique

De um modo geral, as relações de género em Moçambique são caracterizadas pela posição subordinada das mulheres. Quer as comunidades patrilineares quer as matrilineares em Moçambique assentam em formas de controlo social que priorizam o colectivo em detrimento do individual. Neste tipo de organização social as mulheres têm papéis claramente definidos com base nas relações de género que as colocam numa posição subordinada, ao mesmo tempo que as definem como detentoras da tradição e conservadoras da cultura. Consequentemente, a autonomia e a emancipação das mulheres são muitas vezes vistas como algo que parece ameaçar o âmago da estrutura tradicional (BERGH-COLLIE, 2007).

1.1. Políticas e Mecanismos Institucionais para a Igualdade de Género

A instituição do Governo que tem actualmente o mandato de promover a igualdade de género é o Ministério da Mulher e da Acção Social[1] (MMAS). Historicamente, a função de promover a igualdade de género tem sido atribuída a diferentes instituições, começando com um Secretariado Nacional para a Acção Social no Ministério da Saúde.
A Direcção Nacional da Mulher (DNM) é responsável pela definição e promoção de diversos programas concebidos para prestar apoio material bem como para imponderar as mulheres. Embora a DNM implemente algumas actividades, a sua função primária é manter ligações com OSCs e outros parceiros activos neste campo e coordenar intervenções sensíveis ao género. Este papel da DNM é reproduzido ao nível provincial através das Direcções Provinciais do Ministério (BERGH-COLLIE, 2007).

A DNM é composta por dois departamentos, nomeadamente o Departamento da Mulher e Família e o Departamento de Género e Desenvolvimento. Desde 1999 a DNM tem sido em grande medida financiada através do Programa de Capacitação Institucional em Género encabeçado pelo UNFPA e pelo UNIFEM. Este programa fornece apoio para alguns aspectos operacionais da DNM, assistência técnica de longo prazo e várias formações. O programa é executado tanto ao nível central como numa província, a Zambézia[2]. O programa é implementado pelo MMAS (i.e. através da DNM) e pela sociedade civil (i.e. através do Fórum Mulher).
O Departamento da Mulher e Família tem, entre outras, as funções de:

(1) Conceber e promover a implementação de programas de assistência social destinados a mulheres e famílias vulneráveis (especialmente a famílias chefiadas por mulheres);

(2) Prestar assistência técnica às dimensões de género do plano sectorial do Ministério para o combate ao HIV/SIDA;

(3) Conceptualizar programas de educação cívica para disseminar informações sobre os direitos das mulheres e a prevenção da violência doméstica.
O Departamento de Género e Desenvolvimento é responsável por:
(1) Monitorar até que ponto as questões de género são integradas de forma adequada nos planos sectoriais do Governo;

(2) Promover a implementação do Plano Nacional de Acção Pós-Pequim (PNAM);

(3) Coordenar e implementar campanhas de advocacia sobre os direitos das mulheres;

(4) Promover a implementação da legislação que protege os direitos das mulheres.

Segundo este artigo, Em 2004 o Conselho de Ministros criou o Conselho Nacional para o Avanço da Mulher (CNAM)[3].

Os membros do CNAM incluem vários Ministros e Vice-Ministros, duas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que trabalham em prol da igualdade de género, um representante de organizações religiosas, um representante dos sindicatos e um representante do sector privado. Embora o CNAM seja presidido pela Ministra da Mulher e da Acção Social, o CNAM não é parte do MMAS/DNM ou subordinado ao MMAS. Funciona antes como um mecanismo institucional e órgão de consulta autónomo que permite ao MMAS/DNM coordenar as questões de género com várias partes interessadas na vida pública[4].
O CNAM tem um Secretariado Executivo que é responsável pela gestão técnica. Para apoiar o Secretariado Executivo foi formado um Conselho Técnico que é composto por Pontos Focais de Género e representantes de instituições públicas. À luz dos esforços para descentralizar a tomada de decisões e permitir às autoridades locais tornar-se mais pró-activas na promoção do desenvolvimento local, cada província deve criar o seu próprio Secretariado Executivo e Conselho Técnico[5].

BERGH-COLLIE (2007) diz que a função principal do CNAM é promover e monitorar a implementação das políticas de género do Governo em todos os programas e planos do Governo, com particular referência ao Plano Nacional para o Avanço da Mulher (PNAM) 2002-2006 e à Política de Género e Estratégia de Implementação (PGEI). Logo após a Conferência de Pequim, o Governo elaborou um plano nacional de acção (PNAM) mas sem um quadro de políticas. A inexistência de uma política nacional de género representou uma lacuna crítica, uma vez que alguns sectores não ficaram convencidos da necessidade de nomear PFGs e criar UGs sem uma base legal formal[6].

Segundo (BERGH-COLLIE, 2007) essa base legal é agora fornecida pela Política de Género e Estratégia de Implementação (PGEI) que foi aprovada pelo Conselho de Ministros a 14 de Março de 2006. A PGEI focaliza as mesmas áreas críticas identificadas pelo PNAM. Estas incluem a criação de mecanismos institucionais para assegurar a integração do género nos planos sectoriais, o empoderamento económico, a segurança alimentar, a educação, a redução da mortalidade materna, a eliminação da violência contra as mulheres, a participação das mulheres na vida pública e nos processos de tomada de decisão, e a protecção dos direitos das raparigas. A PGEI ainda tem de ser aprovada pela Assembleia Nacional.

1.2. Estratégia de Género do Ensino Superior em Moçambique

Segundo (MINED, 2014), refere que o estudo que aborda a questão do género no Ensino Superior no país olhando para aspectos como o acesso, currículos académicos e exercício de cargos de docência e de liderança nas instituições do ensino superior (IES) - mostra que as normas e constrangimentos sociais influenciam a forma como as desigualdades de género se reproduzem no Ensino Superior e, que a análise das relações de género no ensino superior não deve se restringir as suas dinâmicas internas das relações de poder mas também deve envolver a forma como as relações de género se manifestam nas outras áreas de ensino que o antecedem.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2013 (UNDP), Moçambique tem um Índice de Desigualdade de Género de 0.582 e ocupa 125º lugar no Ranking[7].

Do universo de moçambicanos, apenas 123.779 indivíduos, representando 0.5% da população total, são estudantes do Ensino Superior, dos quais 74.861 (60.5%) são homens e 48.918 (39.5%) são mulheres. A taxa de participação no Ensino Superior, para o ano 2012, é de 5,22/1000 habitantes sendo a presença feminina nesta área do ensino correspondente a cerca de 2/1000 habitantes, enquanto a presença masculina é de cerca de 3/1000 habitantes[8].
A igualdade de género é em primeira instância garantida pela Constituição da República de Moçambique (2004) que no capítulo sobre os “Objectivos fundamentais “do Estado refere-se à defesa e à promoção dos direitos e da igualdade dos cidadãos perante a Lei. No seu Art.º 36 (Princípio de igualdade de Género) afirma que o homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural.

Actualmente não existe em Moçambique uma Estratégia de Género do Ensino Superior.

Contudo, existe uma Estratégia de Género na Educação que, no entanto não cobre o Ensino Superior. A primeira Estratégia de Género da Educação (2004-2008) surge como resultado dos compromissos assumidos pelo governo de Moçambique, no âmbito da Conferência de Dakar em 2000, de alcançar a “Educação Para Todos” (EPT), e no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, baseado nos quais o governo compromete-se a providenciar educação primária a todas as crianças em idade escolar até 2015; a observar o princípio da Estratégia de Género do Sector de Educação para o período 2011 – 2015, MINED[9].

1.3. Outros actores políticos em questões de género no Ensino Superior

IBE – Instituto de Bolsas de Estudo

Outro actor chave para a garantia da equidade de género no ES é o Instituto de Bolsas de Estudo (IBE), criado pelo Decreto 30/2007 de 10 de Agosto, como uma instituição pública de âmbito nacional, responsável pela planificação, atribuição, coordenação e gestão (integrada) de Bolsas de Estudo para a formação académica, no País e no Exterior (neste momento[10], O IBE gere cerca de 2.500 bolsas (bolsas internas e bolsas externas).
Na atribuição das bolsas o IBE tem em conta a questão de género procurando dar metade das bolsas às raparigas. No entanto, a aplicação desta medida nem sempre é fácil uma vez que, por um lado, acontece frequentemente que as raparigas não tenham a nota correspondente aos requisitos de atribuição da bolsa. E, por outro lado, existe uma recomendação do governo de que os cursos/bolsas para fora do país devem ser nas áreas das ciências naturais[11] o que constitui um obstáculo para as raparigas visto que estas, muitas das vezes, formam-se na área de Humanidades, no ensino secundário[12].

Com a aprovação da Estratégia de Financiamento do ES novos desafios se lançam ao IBE, uma vez que a bolsa segue o estudante, um desafio será de garantir o equilíbrio entre as condições sociais e económicas do estudante e a equidade de género que é uma das prioridades do PEES 2012-2020.

1.4. Desafios na equidade de género no Ensino Superior em Moçambique

Como se acima constatou, apenas 0.5 % dos moçambicanos (equivalente a 123779 indivíduos dados de 2012) são estudantes do Ensino Superior. Deste número 60.5 % são homens e 39.5 % são mulheres. Portanto, ao nível dos estudantes, a participação, no geral, no ES ainda constitui um desafio. No entanto a situação ainda se torna mais grave quando olha-se para os números tendo em conta a equidade de género apesar, do desequilíbrio tender a diminuir nos últimos anos com o aumento do número de mulheres que ingressa no ES (MINED, 2014).
Esta tendência não se restringe a Moçambique. O Monitor do Género da SADC mostra, por exemplo, que quando é considerada a matrícula dos estudantes do ES na região, as mulheres incorporam 49.9% da taxa geral da matrícula (MINED, 2014).
De acordo com as estatísticas referentes ao ES em Moçambique em 2012, os homens continuam a dominar a participação no nível de graduação do Ensino Superior moçambicano constituindo 60.5 % dos matriculados contra 39.5% de mulheres. No entanto, esta diferença entre os homens e mulheres caracteriza mais o sistema público do Ensino Superior que o sistema privado. E, mais uma vez este não é o caso particular de Moçambique (MINED, 2014).

Capítulo II: Construção do Género no Currículo - Oficial e Oculto

Antes de abordarmos as questões relacionadas com a construção do género no currículo oficial e oculto, temos que saber as possíveis definições do currículo de forma geral, bem como temos que saber o que seria currículo oficial e currículo oculto. Assim sendo, vamos a seguir definir estes três termos segundo a visão de alguns autores.

2.1. Currículo

Conforme PACHECO (2007:48), o termo currículo vem do latim curriculum que significa lugar onde se corre ou corrida, derivado do verbo currere que quer dizer percurso a ser seguido ou carreira. Neste sentido, o significado de currículo refere-se “a um curso a ser seguido, a um conteúdo a ser estudado”. Reflecte, assim, “uma sequência de conteúdos definidos socialmente, com base em sequências definidas para o processo de aprendizagem”.

2.2. Oficial (ou Formal)

De acordo com LIBÂNEO e OLIVEIRA (2003 apud PLATT & ABRAHÃO, s/d) o currículo formal e que pode ser chamado de oficial, foi estabelecido pelo sistema educacional, expresso em normas curriculares, desde seus objectivos até os conteúdos das áreas ou disciplinas de estudo.
Por sua vez, (KELLY apud CAMACHO, 2010) aponta que o currículo formal está ordenado na mesma concepção do currículo oficial, isto é, são as finalidades, conteúdos e tarefas apresentadas pela escola, sendo possível avaliá-los.

2.3. Currículo Oculto

Para (APPLE apud FINO, s/d) o currículo oculto são os princípios e os valores que estão implícitos, mas, são “efectivamente ensinados nas escolas” (p. 8), no entanto não é hábito mencioná-los ao declarar as finalidades e os objectivos que são formulados pelos docentes.
Para CAMACHO (2010) o currículo oculto indica as práticas e mudanças educacionais que orientam e resultam nas aprendizagens não explícitas e nem propostas pelos projectos educacionais. Podendo ainda ser considerado como “a aquisição de valores, atitudes, processos de socialização e formação moral” (RIBEIRO apud CAMACHO, 2010:8).
De forma limitada podemos dizer que para CAMACHO (2010), o currículo oculto pode ser classificado como um conjunto de comunicação transmitida de modo oculto e danoso pelo ensino e pelo docente, e que não encontram-se escritas nos documentos oficiais.
Assim, compreendemos que a autora entende que o currículo oculto tem uma função essencial no processo de transmissão de crenças e valores aos educandos.

2.4. Construção do Género no Currículo

Segundo (SILVA & SAAVEDRA, 2012) dizem que as questões de género associadas ao currículo afectam, assim, diversas dimensões da vida escolar, interferindo com a forma como o conhecimento é apropriado por raparigas e rapazes e como elas e eles adquirem competências em áreas diferenciadas do saber.
As assimetrias de género têm impacto, nomeadamente, na forma como rapazes e raparigas obtêm maior ou menor sucesso em determinadas áreas de conhecimento, como se orientam, quando chega a altura das escolhas vocacionais, para diferentes áreas de saber[13].
No ensino secundário, seja nos cursos de prosseguimentos de estudos seja nos profissionais, os rapazes continuam a evitar as áreas disciplinares das Humanidades e Literaturas e as raparigas a evitar as áreas disciplinares que dão acesso às Engenharias. Em contrapartida, as Línguas e Literaturas apresentam dificuldades para os rapazes.

Esses factos podem ser verificados nas nossas escolas moçambicanas. Por exemplo na 11ª e 12ª classe há aquela divisão em que existe o grupo de letras (Grupo A); o grupo de ciências (Grupo B – com a disciplina de Biologia) e o grupo (C – com a disciplina de Desenho). Ora vejamos, no grupo A pode se verificar muitas mulheres do que no grupo B assim como para o grupo C, e muitos têm medo desses grupos por causa do desenho; enquanto outros têm medo do grupo B por causa da disciplina de Biologia; assim como os do grupo B e C têm medo das disciplinas do grupo de letras e vice-versa.

As autoras referem que em grande parte, as dificuldades dos rapazes nas disciplinas de Línguas parecem estar relacionadas com uma atitude negativa generalizada face à escrita e à leitura, que os/as professores/as detectam desde a escola primária. A maior parte dos autores concorda que a principal razão destes comportamentos reside no facto de os rapazes considerarem as actividades de leitura como femininas.

As questões da igualdade de género no currículo não se cingem a um conjunto isolado de intenções e acções, expresso no currículo prescrito. O currículo incorpora quase todas as dimensões da vida na escola, também marcadas pelas questões de género, como sejam as relações entre estudantes e docentes, a relação entre alunos e alunas, as actividades extra- curriculares propostas pela escola, as próprias instalações escolares, entre outros aspectos[14].

É igualmente afectado por factores extra-escolares, como sejam as características das estruturas e das relações sociais, a organização e as acções da comunidade onde a escola se insere.
Se, por um lado, o currículo tem o poder necessário para poder afectar estas relações, por outro lado, as decisões do currículo podem ser afectadas pelo que se entende importante nos espaços da comunidade.

O currículo oculto pode-se traduzir nas relações interpessoais fora e dentro do espaço da aula, na forma como se “dá atenção” a certos alunos ou alunas e se “esquecem” outros e outras, na linguagem que se usa, no que está presente e omisso nos manuais escolares, nos materiais educativos, etc. Este tipo de currículo refere-se a normas e valores que se transmitem por mensagens implícitas, silenciosas, pela linguagem, falada e escrita, e até pela corporal, por expectativas ou falta delas e tudo isto de forma não deliberada ou intencional[15].
No currículo formal (ou oficial), como no oculto, seja qual for o seu conteúdo, os professores e professoras são elementos chave na sua mediação e implementação, no alcance dos objectivos a nível curricular.

Alguns desenhos curriculares colocam os/as professores/as como simples instrumentos na passagem de conhecimentos e competências pré-determinados; alunos e alunas são vistos como páginas em branco para serem apropriadamente preenchidas e as questões de género estão ausentes pela imposição de uma categoria única masculina[16].
Educar para uma cultura da igualdade implica uma integração da perspectiva de género nas estratégias de educação e formação.
A igualdade de género é um critério da democracia, é uma aprendizagem de cidadania “é um relacionamento novo entre mulheres e homens, que se sabem iguais, que se respeitam como iguais, que negoceiam como iguais” (RÊGO, 2005:6 apud SILVA & SAAVEDRA, 2012). Estes objectivos educacionais devem estar presentes declaradamente nas finalidades, nos conteúdos e nas estratégias das áreas de formação cívica e área de projecto, mas com espaço para o debate e a análise do controverso, de novas realidades e relacionamentos, promovendo olhares críticos a entendimentos normativos e inflexíveis da sociedade e da cidadania.

Para as autoras supracitadas a igualdade de género passa por encorajar raparigas e rapazes a posicionarem-se como sujeitos de suas vidas, em facultar conhecimentos e vivências que permitam que eles e elas questionem e se libertem de paradigmas identitários hegemónicos, traduzidos em modelos dicotómicos de feminilidade e masculinidade, que constrangem o desenvolvimento de cada ser humano, mulher ou homem, como pessoa.
Neste entendimento de currículo, as assunções acerca das questões de género são centrais, tanto na definição de currículo e o que é entendido como importante ser aprendido por crianças e jovens na escola, como em todo o processo decisional que lhe é subjacente (em todo o planeamento, realização e avaliação do processo de ensino aprendizagem[17]).

Estas autoras dizem que é a qualidade na educação que está em causa quando ignoramos ou desvalorizamos as mensagens respeitantes às questões de género no currículo.

Quando se fala de igualdade de género é algo para além da igualdade de acesso, da representação de papéis masculinos e femininos nos materiais didácticos ou de uma participação equitativa na aula. Estamos a falar de educar pessoas únicas, capazes de pensar acerca do dominante e do marginal, portadoras de formas de conhecimento interdisciplinar, preparadas para verem as múltiplas verdades, narrativas e relatividades[18].
Segundo (SILVA & SAAVEDRA, 2012) dizem que as questões da igualdade de género no currículo não se cingem a um conjunto isolado de intenções e acções, expresso no currículo prescrito. O currículo incorpora quase todas as dimensões da vida na escola, também marcadas pelas questões de género, como sejam as relações entre estudantes e docentes, a relação entre alunos e alunas, as actividades extracurriculares propostas pela escola, as próprias instalações escolares, entre outros aspectos.

É igualmente afectado por factores extra- escolares, como sejam as características das estruturas e das relações sociais, a organização e as acções da comunidade onde a escola se insere. Se, por um lado, o currículo tem o poder necessário para poder afectar estas relações, por outro lado, as decisões do currículo podem ser afectadas pelo que se entende importante nos espaços da comunidade[19].

Capítulo III: Mecanismos Envolvidos com a Produção de Diferenças e Desigualdades Sociais

3.1. Desigualdades Sociais no Género

SANTOS (s/d) denomina desigualdade social como sendo uma condição de acesso desproporcional aos recursos, materiais ou simbólicos, fruto das divisões sociais.
Por sua vez, SEN (2001), na sua obra sobre Desigualdade Reexaminada, concorda com a assertiva supracitada anteriormente, porém vai mais além, desenvolvendo uma abordagem que complementa a ideia de acesso desproporcional aos recursos. Para o autor, são dois os mecanismos principais que explicam a génese das desigualdades sociais: capacidades e funcionamentos. Na sua leitura compreendemos que capacidades são possibilidades de escolha, isto é, poderes para fazer ou deixar de fazer algo.
O “senso comum” nos direcciona a defender a igualdade entre todos os indivíduos.
Segundo Santos[20], as diferenças entre as mulheres e os homens são estudadas na teoria funcionalista através dos conceitos de papel sexual e status, e os estudiosos acreditam que as diferenças sexuais são mais evidentes e cumprem um papel mais central na instituição familiar, pois as relações entre os géneros funcionam primordialmente para assegurar a reprodução social. Ainda reconhecem que os indivíduos se constroem por através da vida social, negando, portanto as visões biológicas e psicológicas sobre a “naturalização” das identidades humanas.
O uso do termo género, destaca, portanto, que tanto mulheres quanto os homens são produtos do meio social e, com efeito, suas condições de vida são variáveis e históricas.
Neste contexto é construído o conceito de género enquanto categoria social que interfere no cotidiano das pessoas. Antes mesmo de nascer expectativas já são criadas para o novo indivíduo. A primeira pergunta a nova alma anunciada é: É menino ou menina? Da cor do quarto a escolha profissional, as oportunidades de vida já são construídas pela família que o espera. Sua suposta fragilidade ou virilidade já está construída no imaginário social familiar e será levado consigo por toda vida, tendo peso imponderável nas suas escolhas pessoais.
Scott[21] propõe o estudo das relações de género com base nas identidades socialmente construídas e suas relações com as organizações sociais e representações culturais historicamente específicas.
Soma-se a este mapa investigativo um importante e novo elemento: “o género é uma forma primeira de significar relações de poder”. Assim, na análise da Scott, o poder ocupa um lugar privilegiado no conceito de género.
Mas podemos neste caso expandir a ideia acima supracitada a partir do pensamento de Rowbotham que refere que a organização social de género constrói duas visões de mundo, donde se pode concluir que a perspectiva da mulher e seus interesses divergem do ponto de vista do homem e dos seus interesses. As experiências, ao adquirirem um colorido de género, como ocorrem com a classe e a etnia, demonstram que a vida não é vivida da mesma forma para homens e mulheres[22].

Para Scott[23], frequentemente, a atenção dedicada ao género não é explícita, mas constitui, no entanto, uma dimensão decisiva da organização da igualdade e desigualdade. Diferenças entre as mulheres e os homens constroem diferenças de acesso aos recursos produtivos, simbólicos e culturais. Com efeito, género legitima as relações de poder apresentando um tipo de valorização social e política.
SANTOS (s/d) parafraseando GUIMARÃES (2005), diz que a mulher e o homem são construídos socialmente, a partir de uma cultura historicamente situada no tempo e dentro de circunstâncias possíveis, determinadas por essa temporalidade. Cada um, mulher e homem, estão imersos em um mar de símbolos que se corporificam através dos comportamentos impostos pela ética hegemónica. A identidade de género neste sentido influencia não somente a visão que temos de nós mesmos, mas também, a visão e a expectativa que ou outros têm de nós, influenciando as escolhas e oportunidades que nos são apresentadas a cada dia.




4. Conclusões

Este trabalho está dividido em três (3) capítulos e quanto ao capítulo i sobre mecanismos institucionais para a igualdade de género na educação, em especial nas instituições de ensino superior pode-se dizer de acordo com o relatório do MINED que os desafios são enormes mas já há progressos quanto a esta questão e apesar de já haverem progressos consideráveis em questões de género no ES ainda resta muito por fazer para que a questão de género, sobretudo o acesso da mulher nesta área do ensino, não se reduza a números mas que se reflicta em aspectos qualitativos que farão do ES um ensino de excelência e, que possa produzir conhecimento diversificado, necessário ao desenvolvimento do país. Para que isto aconteça, é necessário um grande cometimento das lideranças (governo, dirigentes universitários, etc.).
Em relação a construção do género no currículo (oficial e oculto) abordamos essa questão no capítulo ii e podemos aqui dizer que um ensino de qualidade tem de contemplar as exigências do contexto e, simultaneamente, ser capaz de mobilizar recursos que envolvam toda a comunidade educativa com vista a uma educação e formação significativa para os/as jovens. Neste encalço, justifica-se a adopção de um modelo de gestão curricular que faculte uma intervenção local, operacionalizável pelos projectos curriculares elaborados nas escolas e pelos professores/as, e que permitirá incorporar o conhecimento acerca daquela comunidade, dos recursos disponíveis e das suas potencialidades. Desta forma, a escola e os agentes educativos locais actuam como configuradores do currículo, definindo sentidos contextualizados e significantes para os/as alunos/as a que se destinam, expressos nos projectos curriculares.
No capítulo iii falamos sobre a produção de diferenças e desigualdades sociais do género e aqui entendemos que sendo que o género é socialmente construído por nós no quotidiano da família, da escola, da rua, na Mídia, então parte-se do pressuposto de que essas convenções sociais podem ser transformadas, ou seja, discutidas, criticadas, questionadas, modificadas em busca da equidade social entre homens e mulheres, do ponto de vista do acesso a direitos sociais, políticos e civis. Educadores/as têm a possibilidade e/ou tarefa de reforçar preconceitos e estereótipos de género, caso tenham uma actuação pouco reflexiva sobre as classificações morais existentes entre atributos masculinos e femininos e se não estiverem atentos aos estereótipos e aos preconceitos de género presentes no ambiente escolar.


5. Referência Bibliográfica

BERGH-COLLIER, E. V. den. Para a Igualdade de Género em Moçambique: Um Perfil das Relações de Género. Edição Actualizada. 2007.
CAMACHO, R. C. S. As repercussões do currículo oculto na sociedade. 2010.
FINO, C. N. Inovação e invariante (cultural). (s/d).
GUIMARÃES, Maria de Fátima. Trajetória dos feminismos: introdução à abordagem de gênero. In: Marcadas a ferro. Violência contra a mulher, uma visão multidisciplinar. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. 2005.
PACHECO, M. M. D. R. Currículo, interdisciplinaridade e organização dos processos de ensino. Fundação Hermínio Ometto / Uniararas, 2007.
PLATT, D. A. & ABRAHÃO, L. T. S. Gestão escolar, currículo e ppp: análise aos eixos filosóficos fundamentais para a construção da rotina escolar. 173-186. (s/d).
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Direcção para a Coordenação do Ensino Superior. RELATÓRIO DO ESTUDO SOBRE GÉNERO NO ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE – Estudo realizado em 2013.
SANTOS, Juliana Anacleto dos. Desigualdade Social e o Conceito de Gênero. (s/d).
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Recife: SOS Corpo. 1996.
SEN, Amartya. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Editora Record. 2001.
SILVA, Paula & SAAVEDRA, Luísa. Género e Cidadania: guião de educação. 2º Ciclo. Lisboa, 2012.





[1] Actual Ministério do Género, Criança e Acção Social.
[2] Idem, BERGH-COLLIE, 2007.
[3] Depois da Conferência de Pequim, o Governo criou um Grupo Operativo para o Avanço da Mulher (GOAM). Este órgão servia de plataforma de coordenação multissectorial, composto por dois Pontos Focais de Género de cada Ministério, pelo Fórum Mulher, por algumas OSCs da área do género e por órgãos académicos, e era presidido pela Ministra da Mulher e da Acção Social. O objectivo principal do GOAM era promover e garantir a integração do género em todos os planos sectoriais do Governo – contudo o GOAM permaneceu bastante ineficiente devido ao facto de muitos dos seus membros serem juniores e de estes Pontos Focais de Género não terem capacidade para influenciar as tomadas de decisões. Em 2004 o GOAM foi extinto e substituído pelo Conselho Nacional para o Avanço da Mulher (CNAM).
[4] Idem, BERGH-COLLIE, 2007.
[5] Idem, BERGH-COLLIE, 2007.
[6] Refere-se que desde em1995, vários ministérios começaram a elaborar as suas próprias políticas e os seus próprios planos estratégicos de género. A maioria também nomeou Pontos Focais de Género (PFGs) tanto a nível central como provincial e instituiu Unidades de Género (UGs) a nível central. Contudo, este processo te sido pouco uniforme, tendo alguns sectores adoptado políticas de género progressivas e formulado planos estratégicos de género (por exemplo, Educação, Saúde, Agricultura, Plano e Finanças começaram o processo cedo).
[7] É considerado como um país com fraco nível de desenvolvimento humano, importante referir o que o 0 e o 1 significam no IDG.
[8] Idem, MINED, 2014.
[9] Idem, MINED, 2014.
[10] Até o momento da realização deste relatório.
[11] Com a descoberta de recursos minerais há também a tendência de os estrangeiros oferecerem bolsas na área de ciências.
[12] Idem, MINED, 2014.
[13] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[14] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[15] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[16] Idem, SILVA & SAAVEDRA, 2012
[17] Ibid, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[18] Ibid, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[19] Ibid, SILVA & SAAVEDRA, 2012.
[20] Idem, SANTOS (s/d).
[21] Apud SANTOS (s/d).
[22] ROWBOTHAM apud SCOTT, 1996.
[23] Ibid Apud SANTOS (s/d).

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