sábado, 27 de maio de 2017

Gendlin: O Sentido da Experiência

Gendlin: O Sentido da Experiência




Actualmente vivemos num tempo em que  não acreditamos mais facilmente em  deduções ou elaborações teóricas como nos tempos do iluminismo.  Em psicoterapia e  mesmo em educação uma coisa é clara:  o que move a pessoa não são ideias abstractas,  mas a experiência vivenciada.  As ideias podem abrir caminhos,  mas dar passos por esses caminhos é uma questão de experiência. As ideias podem também instituir descaminho, sabemos disso. Há,  sem  dúvida,  um trabalho grande e  às vezes árduo a se  fazer no mundo das ideias. Mas ele não substitui a experiência, a vivência directa; integra-se com ela, isso sim. Para uma compreensão dos processos psicológicos e sua pesquisa,  o conceito de  experiência parece, pois, fundamental. Nesse trabalho pretendemos apresentar uma exploração do sentido da experiência baseando-nos nas contribuições de Gendlin. Nesse caso, este trabalho ajuda-nos a ampliarmos a nossa visão em busca de um conhecimento mais integral do ser humano, mais holístico, onde a existência humana seja compreendida a partir da articulação de todas as suas dimensões. Daí, a necessidade da psicologia buscar uma fundamentação na filosofia, pois o conhecimento filosófico nos possibilita uma visão do todo e não uma compreensão compartimentada da vida humana.



Segundo (AMATUZZI, 2007) diz que o termo experiência, pela sua origem, significa o que foi retirado (ex)  de  uma prova ou provação (­perientia); um conhecimento adquirido no mundo da empiria, isto é, em contacto sensorial com a realidade. Experiência relaciona-se com o que se vê, com o que se toca ou sente, mais do que com o pensamento. O que se deduz a partir do que se vê não é propriamente “experiencial”, mas pensado. Conhecimento experiencial é directamente produzido pelo contacto com o real.

Este autor dá exemplo de Rogers,  que define a “experiência” como o que se passa no organismo e pode ser consciencializado ou percebido  de forma imediata[1]. A experiência é uma conceituação psicológica: delimita um campo sobre o qual pode incidir a consideração do psicólogo. No entanto para Rogers, são os símbolos da consciência que expressam a experiência. 
Para BARBOTIN  (2004 citado por AMATUZZI, 2007) a “experiência é contacto com o real”. Enquanto FERRATER MORA (2004 citado por AMATUZZI, 2007) diz que a experiência é “a apreensão de  uma realidade”.

Desta maneira, compreendemos que a experiência é  um facto que, embora seja psicológico ou interno ao indivíduo,  é  objectivo (passível de consideração objectiva). Porém, experiência não é propriamente um facto, mas uma relação, e o acesso a essa relação enquanto tal pressupõe uma reflexão do  indivíduo. Ela, em si mesma, é directamente vivenciada com o contacto. Quem não tem contacto com nada, não experiencia nada e não terá conhecimento prático.
Para (AMATUZZI, 2007), a experiência equivale a experiência como facto interno, e a vivência (emocional) equivale a experiência intencional pois faz-nos afirmar a existência.

A experiência como facto interno de que  fala Rogers,  por exemplo,  não se  identifica necessariamente com conteúdos produzidos resultantes da aprendizagem pela prática (e portanto significando conhecimentos e  implicando  em conservação na memória), pois inclui também um lado emocional de contacto com a realidade, que lhe dá um sentido que aponta para fora de si mesma como sentimento (Idem).


De acordo com o artigo de Giovanetti, as psicoterapias experienciais têm uma grande influência do movimento humanista próprio do contexto americano, ao passo que as terapias existenciais são muito influenciadas pela corrente filosófica, denominada fenomenologia (GIOVANETTI, s/d).

Quanto ao humanismo, cabe esclarecer que trata-se de um movimento que tem como preocupação uma valorização do humano. Ele é tão antigo como a filosofia e, possivelmente, teve seu apogeu no humanismo renascentista.
Em tempo, a Psicologia humanista não se refere “a uma teoria específica, ou mesmo a uma escola, mas sim ao lugar-comum onde se encontram (ainda que com pensamentos diferentes) todos aqueles psicólogos, insatisfeitos com a visão de homem implícita nas psicologias oficiais disponíveis” (AMATUZZI, 2001 citado por GIOVANETTI, s/d).

Nesse sentido, afirma-se muito que Rogers foi o que teve maior destaque internacional, ao aplicar os princípios da psicologia humanista na elaboração de uma intervenção clínica, a famosa psicoterapia centrada no cliente. Com isso, foi um revolucionário no sentido de estruturar a relação de ajuda, isto é, a relação terapêutica a partir de uma relação humana mais autêntica, abandonando as técnicas e os procedimentos padronizados vigentes na época.

Inclusive, é esse clima que Gendlin respira e coloca no seu trabalho, com vistas à relação terapêutica baseada na empatia, na aceitação incondicional e na congruência. Portanto, está, aqui, o ponto de partida para a elaboração do que mais tarde virá a ser a psicoterapia experiencial.
ALEMANY (citado por GIOVANETTI, s/d) diz que Gendlin não aceita, de forma não crítica, todos os pressupostos da psicologia humanista. Tanto que, em um artigo[2] de 1994, explicita as dificuldades da psicologia humanista e o que se tem por avançar, por melhorar. Dessa maneira, afirma, com clareza, que “o que realmente importa não é o conteúdo, nem as formas, nem as definições, mas a maneira e a qualidade da experiência que está em marcha”[3].
Em seu turno, Rogers realizou um ponto de partida, completamente novo, pois propunha que a “experiência orgânica de um ser humano fosse uma fonte interna de direcção vital, de criar sentido e de valores”[4].

A partir desse pensamento, é possível compreender que o mais importante é a experiência imediata, sendo o papel do terapeuta um participante fundamental na relação que brota, e não um observador que utiliza de procedimentos científicos tradicionais. Então, o que fica como ponto de partida é a visão positiva do ser humano, destacando suas potencialidades e possibilidades. Esse destaque significa afirmar o valor único da pessoa, já que “trata-se de olhar o ser humano (pessoa, comunidade, humanidade) com um senso de respeito, cujo olhar para ele não é algo útil, mas como ser portador de um valor próprio”[5].

O outro pilar na construção do pensamento de Gendlin foi o Existencialismo, cujo movimento teve sua estruturação nas 1ª e a 2ª guerras mundial, mas só alcançou ressonância mundial após a 2ª Guerra, principalmente por meio dos escritos de Sartre, Heidegger, Buber e muitos outros. Um dos pontos centrais do movimento é perceber o homem como um ser-no-mundo, ou seja, entender que o homem só pode ser compreendido em uma relação intrínseca com o seu contexto cultural[6].
GIOVANETTI (s/d) diz que o segundo ponto do pensamento de Gendlin, voltado para uma identificação com os existencialistas, aponta para o facto de que o homem deve ser compreendido como um ser-com, isto é, sempre em relação com os outros humanos. Ora, essa máxima é de que o humano dentro do homem só brota se esse homem estiver engajado em uma comunidade humana. Nesse contexto, “ser-no-mundo” e “ser-com” são características da existência humana. Logo, o existencialismo retracta a natureza humana como um viver que se desdobra do “em” e do “com”.
“O existencialismo é fenomenológico, isto é, trata de explicar e analisar em detalhe o que somos, vivemos e experienciamos em concreto” (GENDLIN, op. cit. p. 47).

Em face disso, é importante observarmos que a fenomenologia criada por Husserl foi anterior ao nascimento do existencialismo como uma doutrina filosófica.
Assim sendo, é absoluta verdade que os quatro maiores representantes dessa corrente filosófica – Sartre, Heidegger, Jaspers e Marcel – utilizaram o método fenomenológico para elaborarem suas reflexões sobre o ser humano (Idem, GIOVANETTI, s/d).

Para Gendlin, a psicoterapia experiencial se fundamenta no corpo vivido, conforme asseguram suas próprias palavras:
“Se se redefine o corpo como uma interacção inerente, quando esse corpo se sente a si mesmo é evidente que contém uma grande quantidade de informações sobre sua situação”[7].
Assim, o corpo vivido é o corpo que está em interacção permanente com o seu contexto e o sentir é o reflexo dessa interacção. Em virtude disso, a psicoterapia experiencial terá como objectivo fundamental explicitar essa sensação sentida.


GIOVANETTI (op. cit.) diz que em um texto do próprio Gendlin, onde apresenta as características da sua terapia em um compêndio que reúne as mais importantes abordagens de psicoterapia, há uma clara definição da sua teoria. Gendlin, primeiro, mostra a especificidade da psicoterapia existencial para, em seguida, apresentar sua compreensão do que seja a psicoterapia experiencial. Em seus próprios termos, afirma que “a terapia existencial é uma terapia relacional, paciente e terapeuta, vivem para além das estruturas. As pessoas são existências, não definições”[8]. Completa, ainda, salientando que a busca das soluções entre o cliente e o seu terapeuta não está no passado nem no interior da pessoa, mas em “viver radicalmente aberto às alternativas”[9] da existência.
Gendlin apresenta a definição da sua abordagem, destacando que a psicoterapia experiencial trabalha com algo mais concreto, isto é, não busca as emoções nem as palavras, mas sim preocupa-se em explicitar “um sentimento directo da complexidade das situações e das suas dificuldades”[10].
De acordo com (GIOVANETTI, s/d) diz que Gendlin anuncia uma lista grande de precursores da sua compreensão e elaboração da psicoterapia. E o autor destaca somente os principais:

Em primeiro lugar, o filósofo Dilthey teve um papel preponderante, já que o pensamento desse autor foi o objecto da tese de doutorado de Gendlin. E em termos mais específicos, o pensamento de Dilthey (1833-1911) trouxe para Gendlin o questionamento de que a compreensão dos fenómenos humanos não poderia ser feita pelo método científico naturalista. Era necessário, então, um novo paradigma. Em razão disso, Dilthey afirmava a importância de uma psicologia compreensiva e não uma psicologia explicativa (Idem: s/d).

O segundo pensador que mereceu destaque para Gendlin é Husserl (1859-1938), que teve como objectivo, por meio da sua especulação filosófica, desenvolver uma teoria que fosse capaz de captar a experiência, que proporcionasse, também, uma fundamentação para as ciências particulares. Refere-se que essa teoria recebeu o nome de fenomenologia e segundo o próprio Gendlin, “os conceitos surgiriam directamente da maneira de experienciar das pessoas”[11].

Entretanto, na última parte do seu pensamento, Husserl elaborou o conceito do mundo da vida, que está implícito na maneira como as pessoas experimentam a realidade. Dessa forma, para a psicologia, estava aberta para uma nova possibilidade de compreensão da realidade psíquica. A partir daí, Husserl vai criar uma psicologia fenomenológica no seu curso de 1925 (op. cit., s/d).

Outro pensador a destacar pelo autor (op. cit., s/d) como alguém que marcou o pensamento de Gendlin foi Heidegger, discípulo de Husserl, que desenvolveu uma reflexão filosófica pautada no entendimento do homem na sua situação histórica. Para o filósofo em questão, o ser humano já se encontra jogado e condicionado pelo contexto cultural. E o mais importante é que a existência humana só se desenvolve dentro de uma comunidade humana, na relação com os outros, no ser-com.
Refere (GIOVANETTI, s/d) que Gendlin, também no seu artigo, reconhece a influência de Buber e Sartre, mas deve ser constatada, nesta situação, a importância de Merleau-Ponty, o qual marcou profundamente Gendlin. Aqui é dada relevância à corporeidade que é considerada fundamental para entender-se todo o processo criado por Gendlin que é denominado “focusing”. Em tempo, o corpo não é compreendido como os fisiólogos entendem, mas como uma referência do que se vive internamente.

Daí que os franceses dizem “corps vecú” e os alemães “Leib”. Sendo assim, “o que mais se deve recordar na obra de Merleau-Ponty é sua afirmação de que a experiência é “confusa” e “ambígua”, entretanto não tão nítida como os conceitos científicos”[12]. Com isso, entende-se que tudo parte da vivência corporal, sendo o corpo, portanto, o primeiro lugar por meio do qual expressamos a nossa experiência. Com isso, entende-se que tudo parte da vivência corporal, sendo o corpo, portanto, o primeiro lugar por meio do qual expressamos a nossa experiência.
Decerto, esses filósofos estão na base do pensamento de Gendlin, mas é a figura de Rogers que abriu caminho para o seu trabalho prático terapêutico.

Logo depois de terminar o seu doutorado, Gendlin se sentiu atraído pelo trabalho de Rogers e, em 1953, engaja-se no curso de formação de terapeutas e em um programa de investigação terapêutica com pessoas esquizofrénicas. Essa colaboração com Rogers durou até 1964 e lhe proporcionou bases para a construção de sua psicoterapia experiencial (GIOVANETTI, s/d).


Gendlin teve um contacto com Rogers e esse contacto foi decisivo para que Gendlin se tornasse terapeuta.

Filósofo em Chicago, começou a trabalhar com Rogers em um programa de pesquisa terapêutica com pessoas esquizofrénicas A preocupação que havia surgido da sua tese doutoral era de como se dava o processo de simbolização da experiência interna e “depois de ler por mera causalidade alguns artigos de Rogers, que tratavam sobre as emoções e os efeitos da empatia”,[13] pensou consigo que esse tipo de trabalho poderia ajudá-lo nas suas preocupações filosóficas.
O primeiro ponto refere-se à aceitação da posição rogeriana de que existe, no ser humano, uma tendência actualizante, da qual brotariam forças para um processo de superação do sofrimento. Nesses termos, a preocupação fundamental de Gendlin não é a compreensão teórica seguida da elaboração de conceitos que conseguissem dar uma definição do que fosse essa tendência, preocupação legítima para um filósofo. O que realmente mobilizava Gendlin era estudar o funcionamento dessa tendência actualizante (GIOVANETTI, s/d).
Assim, sua preocupação central não se pautava em definir o que era essa tendência, senão de como funcionava nas pessoas essa dimensão interna e esse poder transformador capaz de modificar as posturas na existência que impulsionasse o crescimento pessoal e a auto-realização.
Mesmo porque, “essa tendência ao crescimento não forma parte exclusivamente do âmbito da moral, mas tem a ver com o desenvolvimento biológico e com a capacidade de adaptação nas satisfações da própria necessidade”[14].

Porém, Gendlin queria ver como essa tendência se explicitava no dia-a-dia da existência humana.
Gendlin, partindo do ponto de vista da contribuição de Rogers para a terapia, quando este elaborou as três condições necessárias para que o terapeuta pudesse ajudar o ser humano que sofria, aceita a empatia, a aceitação incondicional e a congruência ou a autenticidade, ressaltando, porém, que a última exigência se tornou para si a mais importante no trabalho terapêutico. Essa valorização da congruência leva Gendlin a desenvolver ferramentas para facilitar sua vivência. Daí, surgirá a construção da psicoterapia experiencial (op. cit., s/d).
O segundo ponto que revela essa mudança de perspectiva provocada pelo pensamento de Gendlin é o conceito de experienciar. O aspecto a ser destacado, aqui, é o predomínio do processo sobre o conteúdo. O que interessa é o que se está sentindo, “são os sentimentos imediatos que importam, pois eles emergem do fluxo experiencial que o cliente vive naquele momento”. Em virtude disso, se os sentimentos são o que estruturam os comportamentos, o que está em jogo é o processo subjacente (Ibidem: s/d).

O terceiro destaque que aponta a revolução paradigmática do pensamento de Gendlin é a importância que este filósofo dá ao corpo, a qual é caracterizada de sabedoria corporal. Esse destaque para o lugar do corpo na vida humana aproxima Gendlin da abordagem psicossomática, onde tudo se inscreve no corpo. É oportuno explicar que, aqui, o mais importante não são os pensamentos nem os sentimentos, mas a sensação sentida pelo corpo (Ibidem: s/d).
Para Gendlin, existe uma sensação corporal que é diferente dos sentimentos e das emoções. Ela é anterior a eles e, por isso mesmo, mais difusa e não tão clara.
Uma prova disto é o facto do que acontece com as pessoas: normalmente, não temos muita clareza sobre os nossos sentimentos, daí que é mais difícil nos conectarmos a essa sensação.
Em seu livro que trata do “focusing” Gendlin, versa que “dá-se tão pouca atenção a essa forma de percepção que não existem palavras prontas para descrevê-la, de modo que tive de criar um termo: Felt Sense”[15], que poderíamos traduzir por sensação sentida.
Nesse sentido, deve-se compreender que os sentimentos e as emoções não constituem toda a globalidade situacional. Eles já são registos específicos de como o ser humano internaliza, em termos emocionais, o impacto da realidade. Por isso, a “sensação-sentida” aparece como um novo registo (GIOVANETTI, s/d). Para Gendlin, o corpo vive implicitamente toda a situação.


Essa teoria é composta de quatro conceitos chaves. O primeiro deles é o conceito de Existência, para o qual, de forma bem clara e sintética, Gendlin aponta que “a existência é pré-conceptual, internamente diferenciada e sentida corporalmente”[16].

O outro traço da existência que é afirmado, o qual no ponto de vista de (GIOVANETTI, s/d), tem relação com a fenomenologia, é a importância que se dá ao corpo, tendo em vista a tese de que a existência é sentida corporalmente. Isto significa que, por meio do corpo, tem-se acesso à experiência da existência. Por essa razão, somente através do corpo, a pessoa tem acesso directo à complexidade da sua experiência visceral.

Pelo termo pré-conceptual, Gendlin sugere que esta diferenciação da experiência acontece de muitas maneiras, não podendo, portanto, ser determinada de forma lógica e conceptualmente[17]. O termo em inglês para significar toda a complexidade dessa conceituação é “experiential felt sense”.
O segundo termo utilizado para designar outra característica da sua compreensão do humano é o termo inglês “interaction”, isto é, que a experiência é uma interacção.

Nessa oportunidade, verifica-se, também, uma máxima da filosofia existencial de que o homem é um “ser-no-mundo”. O humano só se desenvolve em uma comunidade humana, sempre estando mergulhado em uma situação concreta.
Acerca disso, Gendlin esclarece que “uma pessoa em um momento dado é “interacção-com”, é um “medo-de”, uma “esperança-de”, um “sensibilizando-se-por”, um “tratar-de”, um “afastamento-de”... Por isso, a experiência que sentimos é tão complexa, é a vida em toda sua complexidade de situações”[18].

O terceiro conceito que exprime sua concepção de homem é o conceito básico de autenticidade. Se os dois conceitos anteriores exprimiam duas características essenciais do ser humano, ou seja, a sua unidade de corpo e alma e, no segundo conceito, a ligação do homem com o seu contexto (o mundo, as situações), agora, Gendlin vai buscar articular as três dimensões da temporalidade, isto é, qual a importância do passado, do presente e do futuro no nosso quotidiano[19].

Novamente, o autor[20] identifica nas ideias de Gendlin, a influência do pensamento existencialista, que busca compreender o presente articulado com o que “já foi” (passado) e com o que “ainda não é” (o futuro)[21]. Em outras palavras, a pessoa vive o presente junto com o seu passado e com o futuro que projectou para si. Embora esses momentos sejam compreendidos de forma articulada, Gendlin dá mais importância ao futuro, pois este guia o presente.

Nessa mesma direcção e diferentemente de algumas teorias em que o presente é guiado pelo passado, aqui, se aposta na perspectiva do futuro. Para exprimir essa conotação da existência, Gendlin cunhou o termo “carring forward”, para o qual a melhor tradução talvez seja “levando adiante”.
O quarto conceito que vem fechar sua concepção de homem é o conceito de “differentation”, isto é, de que a experiência é valorativa. Destaca-se, aqui, que a experiência tem sempre uma finalidade; “a experiência tem uma direcção. Esse aspecto teleológico, direccional e valorativo é o quarto conceito básico da nossa teoria”[22].

Portanto, reluz a informação de que a existência tem uma directividade que é a integração, sendo que essa directividade não é caótica. Então, temos de saber cultivar, dentro de nós, essa perspectiva para podermos nos integrar cada vez mais (GIOVANETTI, s/d). Nesse cenário, Gendlin está nomeando uma qualidade, ou melhor, a característica mais fundamental da tendência actualizante; que ela tem uma finalidade e que essa finalidade está inscrita no corpo.


Quando se pensa a respeito da Psicoterapia, vêm sempre duas questões. A primeira é sobre a teoria que sustentará o encontro interpessoal entre o profissional de psicologia e a pessoa que busca ajuda desse profissional. A segunda questão refere-se aos procedimentos práticos para que esse encontro aconteça da melhor forma possível. Aqui, vai-se procurar tratar da primeira questão, deixando para outra oportunidade a segunda questão.

Segundo (GIOVANETTI, s/d), diz que analisar a teoria da psicoterapia é se defrontar com dois pontos bem específicos. Um deles é a busca por elucidar a natureza da psicoterapia e a outra é discutir a finalidade da psicoterapia. Estes dois aspectos nos colocam de frente com as questões cruciais do desenvolvimento de uma teoria psicoterápica.
No artigo de Gendlin onde (GIOVANETTI, s/d) buscou as informações encontram-se as suas reflexões sobre a teoria da psicoterapia. Sobre a natureza da psicoterapia experiencial.
O primeiro ponto diz respeito ao projecto do trabalho terapêutico. A terapia experiencial tem como objecto a experiência corporal sentida. Tudo deve ser orientado e tudo deve ser praticado a partir desse horizonte. Para Gendlin “a experiência é um processo de interacção, estar com os outros e estar no contexto situacional”.

Assim, toda a atenção deve ser dada a essa interacção e, mais, estar atento ao impacto da interacção no fluxo corporal, pois, para Gendlin, a maneira de viver afecta fisicamente o corpo. Com efeito, tem-se a tese de que a qualidade da interacção seja importante para o avanço do projecto terapêutico (op. cit., s/d).

O segundo ponto sobre a natureza do trabalho terapêutico é a posição clara de Gendlin de que o trabalho tem de ser com o implícito, pois o que leva adiante o processo da experiência já está implícito nela[23]. Dessa maneira, a mudança será possível se o terapeuta for capaz de colocar em movimento esse sentimento ainda confuso que subjaz a toda experiência.
O terceiro ponto que ajuda a entender a natureza do trabalho terapêutico segundo (GIOVANETTI, s/d) refere-se ao facto de que a atenção do clínico deve estar voltada para o processo e não para o conteúdo. Segundo Gendlin, esse processo tem um caminho, isto é, devem-se respeitar os passos da experiência. Como mencionado acima sobre a directividade essa implicação deve ser respeitada, visto que “os passos de um processo terapêutico não se podem determinar por decisão, seja por parte do terapeuta ou do paciente”[24].

Da mesma forma, a hierarquia da experiência não pode ser submetida a qualquer decisão lógica. É necessário, simplesmente, desencadear a sensação sentida e, assim, a sabedoria corporal se encarregará de fazer com que essa sensação sentida encontre o seu desenrolar, provocando as mudanças (Idem, GIOVANETTI, s/d).
Sendo a característica essencial do trabalho terapêutico a sensação sentida e não os conteúdos psíquicos, é importante consolidar que, segundo Gendlin, o processo é mais importante que o conteúdo. Definitivamente, esses conteúdos são secundários ao viver. Por isso, a atenção deve ser dada à maneira de viver, ao fluxo corporal.
Dessa forma, Gendlin adverte sobre os quatro tipos de trabalhos terapêuticos para, então, situar o seu. Em termos específicos, há aquelas terapias que trabalham com o corpo, com o aspecto físico, cujos exemplos podem ser a Yoga e as terapias reichnianas. Essas terapias corporais trabalham mais o desbloqueio dos músculos, da respiração, etc. Evidentemente, não deixam de constituir um trabalho corporal importante, porém sem atingir o nível mais profundo do ser humano, que é a sensação sentida (op. cit., s/d).

O segundo plano de intervenção são as terapias que trabalham as mudanças nas condutas. Para Gendlin, este trabalho terapêutico é desenvolvido pelas terapias comportamentais. Em terceiro lugar, a grande maioria dos trabalhos terapêuticos se pautam por se estruturarem em cima de uma relação interpessoal. Neste caso, a interacção dialogal é o suporte para que o cliente tenha condições de reorganizar sua vida (Ibidem).


Para responder-se essa questão, é importante tentarmos lembrar a posição central de Gendlin de que o incómodo das pessoas se encontra no corpo, sendo, portanto, física. À luz desta condição, tem-se que todo o objectivo da terapia será se preocupar em criar mecanismos de acesso a esse incómodo físico e provocar o desbloqueio desse incómodo.
Refere (GIOVANETTI, s/d) que se a preocupação do terapeuta experiencial é a sensação sentida (felt sense), então faz-se necessário criar um caminho diferente para se atingir essa sensação. A esse processo Gendlin dá a denominação de focalização (focusing). Nas suas próprias palavras, “se quiser mudá-la, será preciso recorrer a um processo de mudança que também seja físico. Esse processo é a focalização”[25].



Diante de todas essas observações, chega-se ao entendimento de que o caminho que percorremos nos mostrou a grande originalidade do pensamento de Eugene Gendlin. Assim  percebe-se que o termo experiência pode significar tanto uma tentativa,  uma prova, num sentido  mais objectivo de algo que se faz, como o que resta de aprendido a partir de várias provas no decorrer da própria vida, num sentido agora mais subjectivo. A capacidade de detectar o que está sendo experienciado corporalmente pode ser desenvolvida através de um processo sistemático chamado por Gendlin de focalização (já portuguesado). Experienciação, portanto, para Gendlin, é mais concreto do que experiência: experiência seria um constructo, um conceito, e experienciação é que seria aquilo que é designado por esse conceito, ou seja, a vivência mesma. Nas terapias há uma necessidade de seguir as três condições desenvolvidas por Carl Rogers, pois ao nosso ver são fundamentais para que o processo tenha sucessos. A interacção dialogal é neste caso o suporte para que o cliente tenha condições de reorganizar sua vida e dentro de um processo de aconselhamento psicológico, a preocupação do terapeuta experiencial for a sensação sentida, então faz-se necessário criar um caminho diferente para se atingir essa sensação.



AMATUZZI, M. Por uma psicologia humana. Campinas: Editora Alínea, 2001.
AMATUZZI, M. Experiência: um Termo chave para a Psicologia. Memorandum, 13, 18-15. 2007. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/a13/a matuzzi05.pdf>; Acesso em: 15 de Maio de 2017 às 16h.
BARCELÓ, T. Carl R. Rogers y Eugene, T. Gendlin:la relación que configuró un paradigma. In: ALEMANY, C. (ed.) Manual práctico del focusing de Gendlin. Sevilla: Desclée de Brouwer, 2a. ed. 2007.
GENDLIN, E. Experiential Psychotherapies. In: CORSINI, R. (Org.). Current Psychotherapies. Itarca: Peacock, 1979, 2a. ed., p. 340-373.
GIOVANETTI, J. P. A especificidade da Psicoterapia experiencial de E. Gendlin. Disponível em: <http://www.institutohumanista.com.br/aespecificidadedapsicoterapiaexperiencial.pdf>; Acesso em: 15 de Maio de 2017 às 16h.





NOTAS:
[1] Cf. (ROGERS & KINGET,  1975)
[2] Este é o título do artigo acima referido: Celebrations and problems of Humanistic Psychology na coletânea feita por Alemany, C. Psicoterapia Experiencial y Focusing. La aportación de E.T. Gendlin. Bilbao, Editorial Desclée de Brouwer, 1997, p. 425-437.
[3] GENDLIN, E. In: ALEMANY, C., op. cit, p. 426.
[4] Idem, p. 427.
[5] Amatuzzi, M. Rogers. Ética humanista e psicoterapia. Campinas, Editora Alínea, 2ª. Ed 2012:21.
[6] Idem, GIOVANETTI (s/d).
[7] ALEMANY, C., op. cit. p.428 (citado por GIOVANETTI, s/d).
[8] Esse texto Giovanetti refere ter retirado no livro de CORSINI, R. (ed.) Current Psychotherapies, 2ª. Ed., Itasca, Peacock, 1973:317-352, portanto, o autor utiliza o texto que, junto com outros escritos de Gendlin, formam uma colectânea em espanhola feita por Carlos Alemany, um dos primeiros divulgadores em língua espanhola do pensamento de Gendlin. O livro é: Psicoterapia experiencial y Focusing. La apostación de E.T. Gendlin, Bilbao, Editorial Desclée de Brouwer, 1997:143.
[9] Gendlin, E., in: Alemany, C. op. cit, p. 143.
[10] Idem, p. 143 (citado por GIOVANETTI, s/d).
[11] GENDLIN, E. Psicoterapia Experiencial, in: ALEMANY, C., op. cit., p. 144.
[12] Idem, p. 146.
[13] Barceló, Tomeu. Carl R. Rogers y Eugene. T. Gendlin: la relación que configuró un paradigma. In: Alemany, Carlos (Ed.) Manual práctico del focusing de Gendlin, Sevilla, Desclée de Brouwer, 2007, 2ª. Ed., p.81.
[14] BARCELÓ, T., op. cit. p.88.
[15]  Gendlin, E. Focalização. Uma via de acesso à sabedoria corporal. São Paulo: Gaia, 2006:51.
[16]  Estamos utilizando tanto a versão em inglês de Gendlin, já citada acima, como a tradução espanhola de Alemany, que é um pouco mais explícita em alguns conceitos. Esta última se encontra no livro de Alemany, C., op. cit., p. 150-162.
[17] Idem, p. 152.
[18] Idem, p. 153.
[19] Idem, GIOVANETTI, (s/d).
[20] Idem, GIOVANETTI, (s/d).
[21] Idem, GIOVANETTI, (s/d).
[22] Idem, p. 157.
[23] Idem, p. 171.
[24] Idem, p. 172.
[25] GENDLIN, E. Focalização, op. cit. p. 56.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial