quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Perturbação do Espectro de Autismo



1. Introdução

Informações relativas a síndrome do autismo revelam que as primeiras referências científicas relativas a este problema devem-se ao pedopsiquiatra americano Leo Kanner (nascido na Áustria) e ao pediatra austríaco Hans Asperger, que, respectivamente em 1943 e 1944, descreveram uma doença infantil caracterizada, essencialmente, por uma perturbação na interacção social. Kanner, que trabalhava e publicava as suas investigações nos Estados Unidos, viu o seu trabalho ser reconhecido nas décadas de 50 e de 60. A Hans Asperger, que trabalhava em Viena e publicava em língua alemã, só lhe foi reconhecido o devido mérito no final da década de 80.
Após os trabalhos destes dois pediatras, foi possível identificar, retrospectivamente, em muitas obras literárias, descrições de pessoas que viveram há centenas de anos atrás e que, de acordo com as novas terminologias, preenchem os critérios de inclusão para o diagnóstico de Autismo.
Deste modo, o presente trabalho pretende desenvolver aspectos relacionados com a síndrome do autismo onde veremos alguns domínios e a metodologia usada para a realização do mesmo optou-se por fazer uma pesquisa bibliográfica com objectivos de recolher informações para o seu desenvolvimento.

1.1. Objectivos do trabalho

Geral
-        Conhecer as características da síndrome do autismo nas pessoas afectadas.
Específicos
-        Descrever os domínios e suas características;
-        Explicar as manifestações da síndrome do autismo nas pessoas afectadas.


2. Síndrome de Autismo

As perturbações do espectro do autismo constituem uma síndroma e, por essa razão, os indivíduos com perturbações do espectro do autismo podem evidenciar uma sintomatologia diversificada, associada a um diagnóstico de deficiência mental que pode ser moderada ou severa, daí apresentarem capacidades e funcionamentos distintos, pelo que se torna imperioso a realização de um diagnóstico diferenciado.
“O autismo é uma perturbação do desenvolvimento que afecta múltiplos aspectos da forma como a criança vê o mundo e aprende a partir das suas próprias experiências” (SIEGEL, 2008:21).
O autismo é um atraso de desenvolvimento complexo que surge durante os primeiros três anos de vida e que interfere com o desenvolvimento normal do raciocínio, nas interacções sociais e nas capacidades de comunicação (PÉREZ, GONZÁLEZ, COMÍ e NIETO, 2007). Caracteriza-se por uma limitação generalizada em várias áreas, uma das quais implica níveis distintos de limitações qualitativas nas interacções sociais. Independentemente do nível de funcionamento cognitivo ou da idade cronológica, e à excepção de uma pequena minoria de crianças com autismo, esses défices ao nível da conduta social manifestam-se precocemente no desenvolvimento e permanecem como uma limitação ao longo da vida (Mcgovern & Sigman, 2005, citados por CUNNINGHAM, 2012). Faz parte de um grupo de perturbações colectivamente designadas por Perturbações Globais do Desenvolvimento.

3. Domínios e suas Características

3.1. Domínio Afectivo

A tese Kanner de que crianças com autismo sofreriam de uma inabilidade anata de se relacionarem emocionalmente com outras pessoas foi retomada por Hobson em 1993. A teoria afectiva sugere que o autismo se origina de uma disfunção primária do sistema afectivo, qual seja, uma inabilidade inata básica para interagir emocionalmente com os outros, o que levaria a uma falha no reconhecimento de estados mentais e a um prejuízo na habilidade para abstrair e simbolizar (Borges, 2000, Bosa &Callias, 2000; Lippi, 2005 citado por SANTOS & SOUSA, s/d).

3.2. Socialização

As relações sociais. Kanner (citado por FOLGADO, 2013) refere que constituem a característica mais marcante da síndrome autista, na medida em que é manifesta a incapacidade destas crianças para se relacionarem com pessoas e situações. Kanner destaca a extrema solidão que afecta estas crianças.
Características gerais neste domínio
(a) Acentuado défice no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contacto ocular, expressão facial, postura corporal e gestos reguladores de interacção social;
(b) incapacidade para desenvolver relações com os companheiros, adequadas ao nível do desenvolvimento;
(c) ausência da tendência espontânea para partilhar com os outros prazeres, interesses ou objectivos (por exemplo, não mostrar, trazer ou indicar objectos de interesse);
(d) falta de reciprocidade social ou emocional.
(e) incapacidade de usar de forma adequada o contacto ocular, as expressões faciais, a postura corporal e os gestos reguladores de interacção social;
(f) incapacidade para desenvolver (de forma adequada à idade mental e apesar de amplas oportunidades) relações com os pares que envolvam a partilha de interesses, de actividades e de emoções;
(g) raramente procura ou recorre a outras pessoas para receber conforto e afecto em momentos de tensão ou de angústia e/ou para oferecer conforto e afecto a outros, quando se mostram angustiados ou tristes;
(h) ausência de partilha de prazer, em termos de satisfação pela felicidade de outras pessoas e/ou procura espontânea de partilhar o seu próprio prazer através do envolvimento com outros;
(i) falta de reciprocidade social e emocional, revelada por uma deficiente resposta ou por resposta desviante às emoções de outras pessoas; e/ou ausência de modulação do comportamento em resposta ao contexto social e/ou fraca integração de comportamentos sociais, emocionais e de comunicação.

3.3. Comunicação

Para as crianças com perturbações do espectro do autismo, o uso da linguagem com finalidade de comunicar está gravemente afectado. Grande parte destas crianças não desenvolve funções comunicativas, o que resulta em interacções sociais comunicativas limitadas.
A comunicação e a linguagem. Kanner assinalou um conjunto de deficiências e alterações ao nível da comunicação e da linguagem das crianças autistas, destacando algumas características como o uso de uma linguagem pouco relevante e metafórica ecolalia, a inversão do pronome pessoal e a falta de atenção dada à linguagem.
Características gerais neste domínio
(a) Atraso, ou ausência total, de desenvolvimento da linguagem oral (não acompanhada de tentativas para compensar através de modos de alternativos de comunicação, tal como gestos ou mímica);
(b) nos sujeitos com um discurso adequado, uma acentuada incapacidade na competência para iniciar ou manter uma conversação com os outros;
(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática;
(d) ausência de jogo realista espontâneo, variado, ou de jogo social imitativo adequado ao nível de desenvolvimento;
(e) atraso, ou total ausência, de linguagem oral, não acompanhado por tentativas para compensar através do recurso a gestos ou a mímica, como formas alternativas de comunicação (frequentemente precedidos por ausência de balbucios com intenção de comunicar);
(f) incapacidade relativa para iniciar ou manter uma conversação (independentemente dos níveis de competência linguística do sujeito), não se verificando reciprocidade nem reacção à comunicação por parte de outras pessoas;
(h) uso estereotipado e repetitivo da linguagem e/ou uso idiossincrático de palavras ou de expressões;
(i) volume de voz, entoação, velocidade, ritmo e acentuação anormais;
(j) ausência de jogo realista variado e espontâneo, ou quando o sujeito é muito novo de jogo social imitativo.

3.4. Autonomia

A qualidade de vida da criança autista pressupõe um direito inalienável a que todo o ser humano deve ter direito, possibilitando-lhe a capacidade de viver a sua vida da forma mais autónoma possível, o que implica a capacidade de eleger e tomar as suas próprias decisões (Gómez, 2008 citado por FOLGADO, 2013).
De acordo com Luckasson et al (2002, citada por Lamoureux-Hébert e Morin, 2009), os apoios individualizados apropriados podem melhorar o funcionamento e reduzir a incapacidade dos indivíduos.
Também Thompson et al (2004, citado por Lamoureux-Hébert et al., 2009) advertem que os apoios necessários dependem do número e da complexidade das actividades em que os sujeitos estão envolvidos e dos padrões de vida, da saúde física e mental e do nível de desenvolvimento intelectual.
A incapacidade deve ser vista como o resultado da interacção do indivíduo com o meio onde se encontra inserido devendo este oferecer condições de aproveitamento dentro das limitações funcionais da pessoa, através de meios de que necessita (Santos & Morato, 2007 citado por FOLGADO, 2013).
Segundo Folgado (2013) nesta perspectiva plural de encarar o sujeito com necessidades educativas especiais, persiste a existência de articulação entre as reais necessidades do indivíduo e a prestação de apoios adequados para que seja capaz de melhorar as suas capacidades funcionais. Verifica-se, por isso, a necessidade de equipas multidisciplinares na avaliação e na determinação das áreas das suas necessidades realizadas através de avaliações neurológicas, psiquiátricas, sociais e educacionais, através de procedimentos de medição do funcionamento intelectual e das competências adaptativas, nomeadamente, a nível social (Fonseca, 1995, citado por Santos e Morato, 2002).
Nesta perspectiva, consideramos pertinente reflectir sobre o comportamento adaptativo na criança autista, ou seja, o conjunto de habilidades conceptuais, sociais, e práticas adquiridas pela pessoa para corresponder às exigências da vida quotidiana, uma vez que as limitações nestas habilidades podem prejudicar o indivíduo na sua relação com o ambiente e dificultar a interacção e a integração social. Sendo o comportamento adaptativo definido como o conjunto de habilidades conceptuais, sociais e práticas adquiridas pela pessoa para corresponder às exigências da vida quotidiana, as limitações nestas habilidades podem prejudicar o indivíduo na sua relação com o ambiente e dificultar a interacção e a integração social (Mundy et al., 2007).

3.5. Motricidade

No que concerne ao desenvolvimento da psicomotricidade, Candeias (1993) defende que as crianças autistas apresentam alterações tónicas posturais e psicomotoras, referindo que denotam a falta de atitude antecipadora perante a aproximação materna, patente no facto de não estenderem os braços para a mãe. Por outro lado não parece ocorrer ajustamento corporal bebé-mãe, sendo notória a sua hipotonia quando se lhes pega ao colo. Este facto parece denotas a presença de um atraso considerável no que concerne ao desenvolvimento cognitivo do sujeito

3.6. Domínio Sensorial

Nas crianças autistas, também ao nível dos aspectos sensoriais se verifica um certo paralelismo entre as manifestações da Perturbação Autista e da Síndrome de Asperger, pelo que serão descritas de forma indeterminada (SOUSA & SANTOS, s/d).
Aarons e Gittens (1992) defendem que a percepção e o reconhecimento do estímulo visual constitui uma das áreas de capacidade nas crianças autistas, constatando-se a sua frequente habilidade em fazer coincidir formas e na elaboração de puzzles.
Outro aspecto importante é a sua aparente hipersensibilidade ou hiposensibilidade a tipos de estímulos específicos, podendo exprimir-se através de comportamentos agressivos (DUNLAP, PIERCE & KAY, 1999). É, ainda apontada a aparente “(…) preferência das pessoas com autismo para os receptores proximais, tacto, olfacto, etc.” (PEREIRA, 1996:78), dependendo mais da actividade perceptiva que da análise perceptiva.
De forma resumida (SOUSA & SANTOS, s/d) dizem que os autistas apresentam determinadas manifestações que levam a considerar a existência de perturbações a nível da percepção, algo que parece imprimir alterações significativas no mundo sensorial destes indivíduos.

3.7. Domínio Cognitivo

No aspecto cognitivo, uma dificuldade com que se deparam as crianças autistas mais aptas é a sua inabilidade para generalizar. Aarons e Gittens (1992) referem que elas até podem saber o que fazer e como agir numa determinada situação, contudo são incapazes de usar essa experiência e de a adaptar quando uma nova situação surge. Essa capacidade de generalizar estender-se-á a toas as áreas da vida diária, em níveis de dificuldades acentuadas. À medida que as crianças autistas vão crescendo, torna-se possível ensinar-lhe estratégia de coping para situações novas; contudo “(…) elas permanecerão vulneráveis por ser impossível ensinar capacidades adaptativas para todas as alterações e variações que são parte da vida diária.” (AARONS & GITTENS, 1992:38).
Quanto à formação de conceitos, Aarons e Gittens (1992) apontam o facto das crianças autistas aprenderem na ausência de compreensão, para que o conhecimento que aparentemente possuem não possa ser utilizado e generalizado, tal como se esperaria numa criança normal.
Entretanto, as crianças autistas, de um modo geral, possuem perturbações de índole cognitiva. A maioria denota défices no âmbito da aprendizagem, da formação de conceitos e da imaginação. Por outro lado, o nível de inteligência parece não evoluir com a idade, enquadrando-se frequentemente nos casos de atrasos severos ou ligeiros (PEREIRA, 1996), enquanto concomitantemente apresentam uma rigidez peculiar de pensamento e comportamento, acompanhada de uma pobreza imaginativa (FRITH, 1996; JORDAN & POWELL, 1995).


4. Conclusão

Compreendeu-se neste trabalho que o autismo é uma das mais graves perturbações do desenvolvimento que pode afectar o ser humano. No entanto, proporcionar às crianças com autismo oportunidades de conviver com outras da mesma faixa etária faculta o estímulo às suas capacidades interactivas, coibindo o isolamento contínuo. Pensamos nós que, possibilidade de interacção com pares é a base para o seu desenvolvimento, assim como para o de qualquer outra criança. Desse modo, acredita-se que a convivência compartilhada da criança com autismo na escola, a partir da sua inclusão no ensino comum, possa favorecer os contactos sociais e proporcionar não só o seu desenvolvimento, mas o das outras crianças, na medida em que estas últimas convivam e aprendam com as diferenças.









5. Referência Bibliográfica

AARONS, M. & GITTENS, T. (1992). The handbook of autismo: a guide for parents and professionals. London: Routledge.
CANDEIAS, M. (1993). Autismo: sinais precoces. Fórum Sociológico, 3, 25-31.
CUNNINGHAM, A. (2012). Measuring Change in Social Interaction Skills of Young Children with Autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 42, 593-605.
FRITH, U. (1996). Autism: Explaining the enigma. Oxford, UK: Blackwell.
FOLGADO, S. B. (2013). A Comunicação e a Interacção na Criança Autista: Um Estudo de Caso. Dissertação apresentada à Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Castelo Branco para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Educação Especial – Domínio Cognitivo e Motor.
JORDAN, R. (1995). Understading and teachinh«g children with autism. Chichester: John Wiley & Sons.
LAMOUREUX-HÉBERT, M. & MORIN, D. (2009). Translation and Cultural Adaptation of the Supports Intensity Scale in French. American Association on Intellectual and Developmental Disabilities, 114 (1), 61-66.
PÉREZ, J., GONZÁLEZ, P., COMÍ, M. & NIETO, C. (2007). Early Manifestations of Autistic Spectrum Disorder During the First Two Years of Life. In J. Pérez, P. González, M. Comí & C. Nieto (Eds.), New Developments in Autism (pp. 33-57). London: Jessica Kingsley Publishers.
SIEGEL, B. (2008). O mundo da criança com autismo: Compreender e tratar perturbações do espectro do autismo. Porto: Porto Editora.
SOUSA, P. M. L.; & SANTOS, I. M. S. C. (s/d). Caracterização da síndrome autista.pdf

SOUSA, P. M. L.; & SANTOS, I. M. S. C. (s/d). Como intervir na perturbação autista.pdf

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